STF define Selic como índice único para dívidas civis e amplia incertezas jurídicas

Decisão impacta contratos, empréstimos e indenizações; especialistas apontam riscos de distorções e perda de previsibilidade financeira

Paulo Pandjiarjian
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Imagens: Divulgação

Luís Fernando Guerrero, do Ibmec, diz que com essa mudança fica mais difícil projetar custos e estratégias

Luís Fernando Guerrero, do Ibmec, diz que com essa mudança fica mais difícil projetar custos e estratégias

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a taxa Selic será o índice único para atualização monetária e juros de mora em dívidas civis. A medida, julgada em 12 de setembro de 2025, altera a forma como são calculados contratos, empréstimos e indenizações no país. Embora busque uniformizar critérios, a decisão gerou preocupação entre empresas e especialistas, que alertam para o aumento da insegurança jurídica e da complexidade na projeção de contingências e investimentos.

Em entrevista ao BRAZIL ECONOMY, o advogado Luís Fernando Guerrero, sócio gestor do Lobo de Rizzo Advogados, professor do Ibmec e da USP, e PhD Fellow of the Chartered Institute of Arbitrators, explicou que a mudança impõe desafios diretos à gestão financeira corporativa. “As empresas planejam seus orçamentos e contingências com base em índices previsíveis. Com essa mudança, fica muito mais difícil projetar custos, provisões e estratégias de longo prazo”, afirmou.

O entendimento do STF consolida uma tendência já adotada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), substituindo a combinação tradicional de IPCA ou INPC com juros de 1% ao mês pela Selic como índice único.

Segundo Guerrero, a alteração retoma o debate em torno do artigo 406 do Código Civil, de 1965, cuja redação foi pensada antes da criação da Selic, em 1986. “Quando o Código entrou em vigor, em 2002, a Selic ainda era uma taxa muito alta. Por isso, optou-se por índices inflacionários somados a juros fixos, fórmula que vigorou por duas décadas”, explicou.

Mesmo após a Lei nº 14.905/2024 e a Resolução nº 5.171/2024 do Conselho Monetário Nacional (CMN) tentarem atualizar o dispositivo e dar clareza ao tema, o STF acabou por criar um novo impasse. “A decisão, com essa mudança já em vigor, cria um cenário de incerteza. O próprio texto do artigo foi revisado, mas os tribunais passaram a interpretar de maneiras distintas. O resultado é um ambiente ainda mais confuso”, avaliou o especialista.

Efeitos práticos e riscos financeiros

Com a Selic assumindo papel duplo de correção e de juros, as empresas terão de revisar contratos, provisões contábeis e políticas de precificação. Para Guerrero, a característica híbrida da taxa pode gerar distorções nos cálculos e penalizar companhias que dependem de previsibilidade para planejar investimentos.

“A Selic não é puramente um índice de juros, pois também embute correção monetária. Essa natureza híbrida embaralha o cálculo e compromete a precisão das projeções financeiras”, observou.

O advogado também destacou impactos operacionais. “O tempo que poderia ser usado para planejar o futuro será gasto revisando o passado. Isso desloca profissionais estratégicos das áreas de negócio para lidar com revisões jurídicas e contábeis.”

A decisão afeta ainda a gestão de contingências judiciais. Advogados e auditores, que anualmente atualizam valores de processos e provisões, terão de readequar seus parâmetros de cálculo. “O risco é que taxas híbridas não reflitam corretamente a recomposição monetária e a punição pelo descumprimento de obrigações, funções distintas que deveriam ser tratadas separadamente”, acrescentou Guerrero.

Caminhos para reduzir a insegurança jurídica

Para restaurar a previsibilidade, o especialista defende uma modulação dos efeitos da decisão. “Seria adequado modular para o passado até antes da alteração legislativa de 2024 e seguir com o novo regime a partir da lei que atualizou o artigo 406. Sem isso, teremos conflitos entre o que diz a Selic e o que está previsto em lei”, afirmou.

Embora o julgamento do STF encerre divergências regionais, ele não elimina totalmente os riscos de insegurança jurídica. Na prática, as empresas precisarão reforçar o planejamento jurídico-financeiro, revisar contratos antigos e ajustar provisões. “É muita mudança em pouco tempo. Como equalizar dívidas passadas e contingências? Como projetar investimentos nesse contexto? Não é simples lidar com isso”, concluiu Guerrero.

A decisão do STF, que buscava padronização, acabou por aumentar a complexidade do ambiente regulatório. Com a Selic agora como índice único, as empresas enfrentam um quadro de maior volatilidade e menor previsibilidade, exigindo atenção redobrada na interpretação de contratos e no cumprimento das obrigações civis. No novo cenário, uniformidade e segurança jurídica ainda estão longe de caminhar juntas.

 

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