Em meio à mais grave crise fiscal das estatais em mais de uma década, os Correios tentam levantar R$ 20 bilhões com aval do Tesouro Nacional. A operação, apresentada como medida emergencial, é na verdade o retrato de um problema mais profundo: um modelo de gestão que parou no tempo. A empresa, que por décadas foi sinônimo de eficiência pública, tornou-se um símbolo de dependência e leniência administrativa.
Para o economista e professor Carlos Honorato, da FIA Business School, o caso dos Correios é “um manual de tudo o que uma empresa não deve ser”. Em entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY, ele foi direto ao ponto: “A responsabilidade não é difusa; tem nome, cargo e CPF. Faltou cobrança dos órgãos de controle e sobrou leniência dos gestores. Os Correios não foram vítimas da crise; foram cúmplices dela.”

Os números reforçam o diagnóstico. Apenas no primeiro semestre de 2025, os Correios acumularam prejuízo superior a R$ 4 bilhões, mais que o triplo do registrado no mesmo período do ano anterior. O conjunto das empresas públicas federais também amarga um déficit primário recorde de R$ 8,3 bilhões entre janeiro e agosto, segundo o Banco Central. O pedido de empréstimo bilionário, garantido pela União, é visto por Honorato como uma confissão silenciosa de falência gerencial. Segundo ele, ao transferir o risco da má administração para o contribuinte, o governo converte um erro de gestão em dívida pública. “As consequências são óbvias: o espaço fiscal se estreita, os juros reagem e a credibilidade do Estado se desgasta. Politicamente, trata-se de um gesto paternalista, a reafirmação de que, no Brasil, quem erra com dinheiro público ganha tempo; quem paga a conta perde confiança.”
A crise, no entanto, não se resume a números. É também reflexo de um choque geracional e tecnológico que a estatal não soube enfrentar. Enquanto o mercado global de logística investe em big data, automação e inteligência preditiva, os Correios permanecem ancorados em estruturas analógicas e processos manuais. “Os Correios não perderam o mercado; foram ultrapassados por ele”, resume Honorato. “A logística moderna é orientada por dados, algoritmos e integração digital. A estatal ainda funciona como se vivesse na era do carimbo.”
Na avaliação do economista, o problema transcende a gestão operacional. “É um modelo desenhado para o século XX tentando sobreviver num mercado que já fala a língua do XXI.” O resultado é uma empresa que multiplica custos, resiste à modernização e perde espaço para gigantes privados de entregas e e-commerce.
Nos bastidores de Brasília, o governo tenta justificar o novo crédito como forma de preservar serviços e garantir o pagamento de fornecedores. Mas a conta é alta e recai sobre o contribuinte. “O Tesouro já ultrapassou o limite da prudência”, alerta o professor. “A solução não está em fechar agências, mas em separar o que é missão pública do que é negócio.”
Para ele, a crise dos Correios é menos um problema contábil e mais um sintoma de cultura institucional distorcida. Intervenções políticas, trocas sucessivas de comando e agendas eleitorais minaram qualquer tentativa de reforma estrutural. “A cada novo resgate, o governo injeta recursos e retira autonomia. O resultado é previsível: uma empresa que depende do Estado para respirar e, justamente por isso, não aprende a andar sozinha.”
A proposta de Honorato é clara: traçar uma linha divisória entre o papel social e o papel comercial da estatal. “Serviços essenciais devem ter subsídios explícitos, com metas e transparência. Já as atividades comerciais precisam se sustentar por mérito e mercado. Misturar as duas esferas é perpetuar um modelo em que a solidariedade financia a ineficiência.”
O economista defende que o caminho da modernização não é ideológico, mas técnico. Privatizações parciais, concessões regionais e parcerias público-privadas poderiam pavimentar uma rota de sustentabilidade operacional. “O Estado pode continuar como acionista minoritário e guardião do serviço universal, mas deve abandonar o papel de operador. Governar não é entregar pacotes, é garantir que eles cheguem.”
Mesmo reconhecendo a importância dos Correios em regiões remotas, ele é taxativo: “O romantismo não paga frete.” Segundo o professor, o país poderia preservar o alcance nacional por meio de fundos de compensação regional, auditados e com metas definidas, sem mascarar subsídios dentro do balanço da empresa.
Embora a estatal tente se reaproximar do público com aplicativos e campanhas de modernização, Honorato é cético quanto ao real impacto dessas medidas. “A digitalização é necessária, mas não é salvação. Aplicativos e marketplaces são paliativos quando a estrutura continua analógica. Sem redesenho de processos, automação de centros logísticos e uso intensivo de dados, a inovação vira apenas cosmética tecnológica, maquiagem sobre uma estrutura envelhecida.”
O professor também aponta o efeito colateral sobre o setor privado. “Enquanto o concorrente privado financia o próprio risco, o público transfere o dele para o Tesouro. É desequilíbrio disfarçado de proteção.” Ainda assim, ele vê espaço para soluções híbridas, como franquias regionais e co-gestão de hubs logísticos, que poderiam transformar a competição em colaboração.
Para Honorato, o cenário mais provável é de sobrevida, não de recuperação. “Se nada mudar, os próximos cinco anos trarão o que já conhecemos: déficits recorrentes, serviços piores e uma estatal cada vez menos relevante.”
No horizonte, o caso dos Correios serve como teste do próprio modelo de gestão pública no Brasil, um espelho do Estado que socorre, mas não reforma; que financia, mas não cobra resultados. “Os Correios não foram vítimas da crise”, conclui o economista. “Foram cúmplices dela.”

