“O mercado de carbono só será legítimo se entregar redução de emissões”, diz Grossi

A presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) fala sobre COP30, o debate sobre o mercado de carbono e a importância do setor privado para o financiamento climático

Bruna Magatti
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Imagens: Divulgação

Marina Grossi: "Setores como transportes, energia e agropecuária precisam acelerar a adoção de tecnologias"

Marina Grossi: "Setores como transportes, energia e agropecuária precisam acelerar a adoção de tecnologias"

Marina Grossi é uma das principais vozes sobre sustentabilidade no setor empresarial brasileiro. Economista de formação, ela preside o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) desde 2010, período em que a entidade ganhou destaque em discussões como a precificação de carbono, o pagamento por serviços ambientais e a elaboração do Marco Legal do Saneamento, sancionado em 2020. Entre 1992 e 2001, Marina atuou como negociadora do Brasil nas conferências do clima da ONU. O reconhecimento por sua liderança no setor privado a levou a ser nomeada enviada especial da COP30 para o setor empresarial. Hoje, ela conduz uma intensa agenda de mobilização pela ação climática às vésperas da conferência que será realizada em Belém.

A nomeação da executiva reforça a importância do CEBDS, que reúne 120 grandes empresas e atua como uma ponte entre o setor empresarial, o governo e outros atores nacionais e globais, posicionando o Brasil como liderança em soluções climáticas integradas. Nesta entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY, Marina fala sobre suas expectativas e desafios para o evento, o trabalho em meio ao atual cenário geopolítico, o debate sobre o mercado regulado de carbono no país e a importância do setor privado para as questões climáticas, especialmente o financiamento. Confira:

A senhora foi nomeada pela Presidência da COP30 como enviada especial para o setor empresarial, com a missão de atuar como ponte estratégica entre as empresas e a liderança da conferência. Quais são seus objetivos e expectativas para o evento, em novembro?
A COP30 será a conferência da implementação, e o setor empresarial tem um papel central em transformar compromissos em ações concretas. Como enviada especial, minha missão é atuar como ponte entre as empresas e a Presidência da Conferência, garantindo que as contribuições do setor privado resultem em soluções escaláveis, mensuráveis e alinhadas à ambição climática brasileira. Estamos conduzindo um processo de escuta global para identificar as principais alavancas de descarbonização. O resultado desse trabalho será apresentado em Belém, destacando medidas capazes de reduzir emissões de forma significativa e já maduras para gerar entregas no curto e médio prazos. Entre as prioridades que destaco estão: articular investimentos em agricultura regenerativa, com destaque para o Landscape Accelerator Brasil (LAB), que mobiliza empresas, finanças e sociedade civil para transformar paisagens no Cerrado e no Pará; estimular cadeias circulares de produção e consumo, apoiadas pelo Global Circularity Protocol; fortalecer os mercados de carbono com integridade e transparência; e dar visibilidade às soluções escaláveis que já existem no setor privado. Nossa expectativa é que a COP30, realizada no coração da Amazônia, seja um marco global e deixe como legado um modelo de desenvolvimento que una prosperidade, justiça social e sustentabilidade para o Brasil e para o mundo.

A senhora já afirmou que seu foco maior está em setores de difícil descarbonização e, de forma transversal, em outros temas cruciais para o setor empresarial, como energia, agricultura, bioeconomia, mercado de carbono e financiamento. Quais são os maiores desafios neste momento?
O maior desafio é a implementação. Setores com alta intensidade de emissões, como transportes, energia e agropecuária, precisam acelerar a adoção de tecnologias e práticas sustentáveis, e isso exige previsibilidade regulatória e financiamento em escala. A bioeconomia e os sistemas agroalimentares regenerativos, por exemplo, oferecem enorme potencial para conciliar produtividade e conservação, mas dependem de métricas robustas, políticas consistentes e capital disposto a investir no longo prazo. O Brasil é um país de soluções, mas precisa transformar esse diferencial em vantagem competitiva global, ampliando a integração entre inovação empresarial, governança pública e instrumentos financeiros.

O documento do setor empresarial para a COP30 já foi entregue a Dan Ioschpe. Vocês tiveram alguma conversa sobre isso?
O diálogo entre o setor empresarial e a Presidência da COP30 tem sido contínuo e construtivo. Um bom exemplo disso são as coalizões empresariais que estamos liderando em setores estratégicos. A Coalizão de Transportes, por exemplo, apresentou um plano robusto com 90 ações mensuráveis para reduzir até 70% das emissões do setor até 2050, além de mobilizar cerca de R$ 600 bilhões em investimentos verdes. O Brasil de Soluções, documento cuja prévia entregamos a Dan Ioschpe, é outro bom exemplo. O portfólio reúne 135 projetos de alto impacto em diferentes setores e biomas, mostrando que as empresas brasileiras estão entregando resultados concretos em áreas como energia renovável, agricultura regenerativa, restauração florestal e bioeconomia. Esses insumos reforçam a agenda de implementação da COP30, evidenciando que o setor privado já está mobilizado e pronto para ampliar sua contribuição.

Estamos em um momento tenso da geopolítica, o que afeta principalmente nossas relações comerciais. Por outro lado, o Brasil vem se destacando no BRICS com inovações sustentáveis. Isso afeta seu trabalho como enviada especial?
O cenário internacional é de incertezas e polarizações, mas esse contexto também abre espaço para oportunidades e mais protagonismo. Ao sediar a COP30, no coração da Amazônia, e ao avançar em áreas como bioeconomia, energias limpas e mercado de carbono, o Brasil pode se consolidar como articulador global de soluções climáticas integradas junto aos novos protagonistas da geopolítica. Como enviada especial, meu trabalho é garantir que o setor empresarial brasileiro esteja inserido nesse diálogo, trazendo credibilidade e consistência às propostas.

A COP30 no Brasil é uma oportunidade única de as empresas apresentarem os resultados de suas iniciativas. Na sua visão, quais setores poderão se destacar nesta edição?
O Brasil tem a chance de mostrar ao mundo que já possui soluções concretas em áreas estratégicas. A agricultura regenerativa, por exemplo, pode responder por uma parte significativa da mitigação global, e iniciativas como o Landscape Accelerator Brazil estão abrindo caminho para escalar esse potencial. A bioeconomia também deve ganhar centralidade, com modelos que valorizam a floresta em pé e geram renda para comunidades locais. Além disso, estamos mobilizando coalizões empresariais nos setores de maior peso para as emissões, como transportes, energia e minerais críticos, construindo planos robustos com metas e ações mensuráveis. É essa combinação de inovação em novos setores e de planos consistentes nas áreas mais intensivas em carbono que permitirá ao Brasil se consolidar como líder global da transição para uma economia neutra em carbono, positiva para a natureza e inclusiva para as pessoas.

A COP30 também será um momento decisivo para o financiamento climático. Estima-se que sejam necessários US$ 1,3 trilhão anuais para viabilizar a transição global. De que forma as empresas influenciam nessa questão?
O setor privado é o principal responsável por implementar soluções climáticas em escala e, por isso, tem papel decisivo na mobilização de recursos. Mas, para que o capital chegue onde é necessário, precisamos de instrumentos financeiros que reduzam riscos, deem previsibilidade e combinem diferentes fontes, públicas, privadas e filantrópicas. Esse é o papel do blended finance e de mecanismos inovadores que atraem o investidor tradicional para soluções sustentáveis. Já temos plataformas importantes, como a Brazilian Investment Platform, que conectam projetos empresariais a financiadores, mas é preciso ampliar esse ecossistema. A COP30 será o momento de mostrar que é possível redirecionar capital em grande escala, com transparência e boa governança, transformando compromissos em resultados mensuráveis para o clima, a natureza e as pessoas.

Vamos falar um pouco sobre o mercado de carbono. Em julho foi anunciado o plano de implementação do mercado regulado de carbono, previsto na Lei nº 15.042, sancionada em dezembro de 2024, além da criação de um órgão gestor provisório da governança do mercado. Como está a discussão sobre os créditos de carbono atualmente? Eles seriam uma possibilidade para que o Brasil atinja as metas de descarbonização previstas nas suas NDCs?
O Brasil avançou muito com a aprovação do mercado regulado de carbono, um passo histórico para dar previsibilidade e segurança a empresas e investidores. Nosso país tem potencial único para oferecer créditos de alta integridade, especialmente por meio de soluções baseadas na natureza e na transição energética. Esses instrumentos podem ser decisivos para que o Brasil cumpra sua NDC e se consolide como referência global. O próximo passo é garantir governança sólida, métricas confiáveis de monitoramento e alinhamento com padrões internacionais, para que os créditos realmente impulsionem a transformação da economia e gerem benefícios para o clima, a natureza e as pessoas.

Estima-se que o mercado global de carbono possa movimentar até US$ 50 bilhões nos próximos 30 anos, e o Brasil tem potencial para abocanhar cerca de 20% dessa fatia. Na sua visão, quais são os desafios e as oportunidades desse novo mercado?
A oportunidade é clara: podemos transformar nossa biodiversidade e nossas florestas em ativos econômicos legítimos, atraindo investimentos, gerando empregos e fortalecendo a competitividade internacional do Brasil. Mas o desafio é garantir que esse mercado seja íntegro e eficiente. Precisamos de regras claras, preços que reflitam o custo real da descarbonização, monitoramento rigoroso e salvaguardas socioambientais. Só assim será possível evitar o greenwashing e consolidar um mercado que traga resultados reais para o clima.

Existe uma clara preocupação com a integridade socioambiental nesse campo. Há o risco de se criar um mercado ótimo economicamente para alguns setores, mas que não cumpra o objetivo de acelerar a descarbonização. Como resolver essa questão?
Esse risco existe se não houver credibilidade e governança. O preço do crédito deve ser suficientemente alto para induzir mudanças. Transparência, rastreabilidade e adicionalidade precisam ser princípios inegociáveis. O mercado só será legítimo se entregar redução real de emissões e contribuir para acelerar a transição em setores intensivos.

Marina, o que as empresas esperam da COP30 e do futuro do planeta, na sua observação?
O setor empresarial espera que a COP30 marque o início de uma década de implementação, em que compromissos se transformem em resultados concretos. Isso significa metas mais ambiciosas, mecanismos financeiros em escala e uma colaboração real entre governos, empresas e sociedade. A expectativa é mostrar ao mundo que o crescimento econômico pode caminhar junto com a inclusão social e a preservação ambiental. O futuro que buscamos é o de uma economia regenerativa, inovadora e competitiva, positiva para a natureza e para as pessoas. E a COP30 é a oportunidade de colocar o planeta nessa trajetória.

 

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