Os próximos dias serão decisivos para entender os rumos da economia dos EUA, já que o país vai divulgar o índices de inflação e o Fed (o banco central americano) deve anunciar mudanças nas taxas de juros. Essa é a avaliação de William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue, plataforma de investimentos internacionais. Ele já atuou como analista-chefe da XP Investimentos, foi líder de gestão da VGR Gestão de Recursos e tem passagens pelo Koliver Merchant Bank e Banco Alfa. Residente em Miami, de onde concedeu entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY sobre cenário macroeconômico, Alves acompanha de perto as movimentações da economia americana e o impacto disso no Brasil. Confira:
Como o mercado encara o atual momento da inflação nos EUA diante do anúncio desta semana?
O primeiro ponto positivo é que é bom ter um anúncio econômico, já que estamos sem isso. A inflação aqui deve girar entre 2,9% e 3,1% no acumulado de 12 meses. É relativamente alta, acima da meta do Fed, que é de 2%. Mas é importante observar a dinâmica de onde vem essa inflação para aí pensar no potencial impacto disso em juros. Por exemplo, energia e alimentos são muito voláteis e sofrem pressões de inflação, efeitos de guerras e aí o Fed não consegue ter controle.
Quais as atuais características dos preços de inflação nos EUA?
Quase 40% da inflação vem de aluguéis e moradia. Houve um pico durante a pandemia, mas vem cedendo. Cada vez menos, mas sempre cedendo. Depois de 2021 a economia começou a se abrir, a China começou a exportar deflação para o mundo e os preços de bens começaram a deflacionar. Voltou a subir agora e isso aumenta um pouco os índices de alimentos, móveis, eletrodomésticos e eletrônicos, mas isso é visto pelo Fed como passageiro. A grande preocupação é a inflação de serviços, algo que o mercado está olhando de perto. Ela está desacelerando, mas ainda assim os preços estão crescendo mais para 3% do que para 2%.
Como o anúncio dos dados inflacionários dos EUA podem afetar o Brasil?
Uma inflação em torno de 3% tende a não impactar o mercado, seja na Bolsa do Brasil ou no real. Claro que se ela subir mais, a leitura vai ser que dependendo do nuance da inflação o normal é que a curva de juros subiria aqui nos EUA e, consequentemente, isso puxa o dólar para cima e pressiona o real e a taxa de câmbio, além de ativos de risco. Caso a inflação fique mais branda aqui, seria positivo para ativos de risco no Brasil e também para o real.
Já é possível sentir o impacto inflacionário nos EUA após as tarifas impostas por Trump aos produtos de outros países e, especificamente, aos brasileiros?
A gente já sente em alguns sentidos em segmentos diferentes e o próprio presidente do Fed já relativizou as tarifas. Em abril, todo mundo achava que a inflação ia explodir, mas não explodiu. Claro que alguns itens pontuais tiveram aumentos, como moda e cosméticos. No caso da pauta exportadora brasileira, como laranja, café e carne, são pouco relevantes para o combo total do índice. Alimentos estão em uma cesta, então pensar em alguns específicos não gera grande impacto.
Então, o senhor acredita que exageraram quando disseram que as tarifas do atual governo dos EUA poderia ter grande impacto na inflação?
Sim, gera mídia, clickbait, pessoas dizendo que o Trump vai se dar mal com isso. Pegando o exemplo do café, vai sair tipo de US$ 3 para US$ 3,10. Isso vai mudar muito a vida do americano? Acho que não. Claro que estou sendo um pouco irônico, mas no frigir dos ovos é um pouco isso. Não vai fazer as pessoas pararem de tomar café. No caso das passagens de avião, quando a Embraer foi impactada para entrar nos EUA, pode até ter subido o preço das passagens, mas o petróleo e o querosene de avião caíram e isso recompensou o preço de certa forma.
Me parece que você é um grande fã das políticas protecionistas de Donald Trump, correto?
Diria que não sou entusiasta, mas tento trazer contrapontos. Vejo que às vezes a gente ouve só um lado. Todo mundo falava de uma inflação que ia explodir e isso não ocorreu, apesar de pontos isolados. O próprio Fed disse que essa questão de tarifas não vai mudar o rumo do banco, Falava-se também que os EUA iam ter aumento de déficit. Não foi o que aconteceu. Entre abril e setembro tivemos o menor déficit desde a Covid. O que muitos chamam de protecionismo, prefiro chamar de política comercial do Trump que tem muito a ver com o formato de negociação dele, onde se coloca 50% e caso caia para 15%, depois de uma conversa com o Lula, todo mundo aplaude. Da mesma maneira que a Europa aceitou os 15% e está tudo bem. Então, apesar de todas as críticas, não se viu colapso ou recessão da economia americana, não teve inflação explodindo ou comércio bilateral acabando. Acho que o Trump tem meios diferentes do modus operandi. Ele não negocia na Otan e, sim, chama o Putin direto para conversar, por exemplo. Às vezes, vai dar certo. Ás vezes, não. Mas vejo que só se critica com a certeza que vai dar errado e não é bem assim.
Nesta semana a Argentina anunciou que receberá um socorro dos EUA na base de US$ 20 bilhões em um cenário de desvalorização do peso. Muitos analistas falam que a América Latina pode voltar aos anos de 1990 quando este tipo de prática era comum e garantia maior dependência ao mercado americano. O senhor concorda com isso?
Essa dependência sempre existe, até para a China como mercado consumidor. Por mais que os chineses tenham redirecionado seus produtos para Europa, por exemplo, a diminuição da demanda é ruim para a economia de Pequim. No caso da América Latina, somos menos impactados pelas relações comerciais, mas temos outras dependências na área financeira, tecnológica, gostando os latinos ou não. Já no caso argentino, existem alguns interesses, como a expansão da produção de energia elétrica, instalação de data center, lítio ou minerais de terras raras. Eles aproveitam ainda que tem um alinhamento ideológico, ao contrário do Brasil, para buscar esses objetivos. Isso passa por essa ajuda econômica à Argentina.
O senhor vê alguma possibilidade de novas bolhas na economia dos EUA, a exemplo do que levou a crise de 2008?
Há aquela coisa meio anedótica que os economistas projetaram sete das últimas três bolhas, ou seja, muito mais do que as bolhas que eventualmente aconteceram. Não vejo bolhas, longe disso. Quando muito você pode questionar se tem um exagero quanto a expectativa que se tem com inteligência artificial e o impacto nos preços atuais.
Qual sua perspectiva para o anúncio do FED sobre as taxas de juros na próxima semana?
Eu me surpreenderia muito se não houvesse dois cortes. O Fed focou mais no mercado de trabalho e aí a tendência é de corte de juros mesmo. Então, acredito em um corte de 0,25% semana que vem e mais um de 0,25% em dezembro.
Sua expectativa é que em breve Brasil e EUA entrem em um acordo para reduzir as tarifas comerciais?
Acho que é bem provável, já que é interesse dos dois. Botaram o Marco Rubio não por acaso. É um cara duro, que vai querer algumas coisas também. Fala-se muito do controle ou limitação do STF e temos que ver como o governo Lula vai reagir.
Os investidores compartilham da sua percepção sobre isso?
O País é pequeno em termos de importância. O Brasil não é relevante para os EUA. Nem vira notícia, Agora, se a gente falar de China, aí sim é algo que movimenta o mercado americano. Se vai ter acordo, em que base vai ser, se vai ter uma reunião com o Xi Jinping, não se sabe. isso é muito mais relevante. Mas no caso brasileiro é importante só aí, acaba sendo notícia só no Brasil. Aqui nos EUA, nem tanto.

