A inteligência artificial pode estar mudando a forma como o conteúdo é produzido, mas seu impacto mais profundo na mídia está em como a tecnologia altera quem tem acesso a esse conteúdo, afirmou uma executiva do setor.
Jyoti Deshpande, produtora de cinema e presidente da divisão de mídia e conteúdo do conglomerado indiano Reliance Industries, disse durante um painel no domingo no Fortune Global Forum, em Riade, na Arábia Saudita, que os algoritmos baseados em IA das plataformas de streaming estão limitando o acesso de parte do público a determinados filmes e séries.
“O maior problema está na distribuição e no uso dos algoritmos quando o conteúdo é exibido”, afirmou a executiva.
Os algoritmos tornaram-se ferramentas onipresentes e fundamentais para manter os usuários engajados nas plataformas de streaming. Uma pesquisa com 2 000 assinantes norte-americanos, encomendada pela plataforma de testes de experiência do usuário UserTesting e conduzida pela Talker Research, mostrou que o assinante médio passa 110 horas por ano navegando nas plataformas, e metade dos entrevistados afirma que a quantidade de conteúdo disponível é esmagadora.
Em maio, a Netflix fez sua primeira grande atualização de tela inicial em mais de uma década, exibindo menos títulos, mas com mais recursos visuais e de animação. A atualização inclui ainda “recomendações responsivas”, que geram sugestões com base nas buscas e no histórico recente de visualização dos usuários.
Deshpande observou que, embora os algoritmos de streaming, como os da Netflix, sejam eficazes em identificar os gostos de cada assinante, eles podem restringir a exposição a novos conteúdos, o que prejudica os estúdios que produzem filmes. A executiva da Reliance citou como exemplo Laapataa Ladies, longa que ela produziu e que se tornou a indicação da Índia ao Oscar 2024 na categoria de Melhor Filme Internacional. Apesar da intensa promoção por conta da nomeação, Deshpande afirmou que o filme não foi facilmente encontrado por alguns usuários, como os do Reino Unido, porque o algoritmo da plataforma determinou que esse público não teria interesse na obra.
Em 2024, cerca de 70% da receita global de Hollywood veio de mercados internacionais, mas, segundo Deshpande, a situação é inversa para certos produtores fora dos Estados Unidos. Ela sugeriu que a responsabilidade de tornar o conteúdo internacional mais acessível a públicos diversos recai sobre as plataformas de streaming.
“No nosso caso é o oposto”, disse. “E eu diria que o mesmo vale para o conteúdo árabe: mais receita vem do mercado doméstico e menos do internacional.
“Se essas grandes plataformas, como Amazon Prime, AppleTV, Netflix, não promoverem abertamente esse conteúdo e não o tornarem facilmente descobrível para todos, como vamos chegar lá?”, acrescentou Deshpande.
A transformação do mercado global de cinema
Segundo a Netflix, a plataforma adota uma estratégia “local para local”, criando produções que conectam o público a conteúdos de seu próprio país, com especificidades culturais. Ao mesmo tempo, o sistema de recomendações, legendagem e dublagem permite levar essas produções a audiências globais. Títulos internacionais como RRR e Round 6 (Squid Game) conquistaram o público ocidental justamente por sua popularidade. Apple e Amazon não responderam aos pedidos de comentário da Fortune.
O domínio de Hollywood nas bilheteiras mundiais pode estar mudando. Há vinte anos, os filmes norte-americanos detinham 92% da receita global, contra 66% atualmente, segundo a Bloomberg. Em agosto, o longa animado KPop Demon Hunters tornou-se o primeiro título da Netflix a liderar o ranking mundial de bilheteria.
“Foram os superfãs que assistiram e reassistiram ao filme, impulsionando o motor de recomendação e fazendo com que ele chegasse a outros superfãs, que também se apaixonaram pela obra”, disse o copresidente da Netflix, Ted Sarandos, durante a teleconferência de resultados da empresa na semana passada.

