Como a expansão dos datacenters redefine o futuro energético e industrial do Brasil

Combinação de energia limpa, crescimento digital e políticas públicas coordenadas pode projetar o País como hub regional e global de dados e energia renovável. É uma sinergia rara

Gabriel Mann*
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Imagens: Divulgação

Gabriel Mann é diretor de regulação, estratégia e comunicação da Engie Brasil

Gabriel Mann é diretor de regulação, estratégia e comunicação da Engie Brasil

O Brasil atravessa uma fase decisiva de sua transição energética e digital. De um lado, o País dispõe de uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo, com mais de 80% da geração proveniente de fontes renováveis. De outro, o avanço da digitalização (impulsionado pela inteligência artificial, pelo 5G e pelos dados em nuvem) vem criando uma classe de consumidores intensivos de energia: os datacenters.

Segundo estudo da Brasscom/ABDC (2025), os datacenters consumiram 11,3 TWh em 2024, o equivalente a 1,7% da demanda nacional de eletricidade. A projeção é que esse consumo cresça 140%, atingindo 27,3 TWh, em 2029, ou 3,6% da demanda nacional estimada. Esses números colocam o Brasil no radar global: o País já é visto como destino competitivo para empresas internacionais do setor, devido à abundância de fontes renováveis e à possibilidade de contratos de longo prazo com preços previsíveis.

Essa perspectiva é reforçada pelo Plano Decenal de Expansão de Energia 2035 (PDE 2035), que estima que cargas especiais (como datacenters e projetos de hidrogênio verde) poderão representar até 12,9% do consumo nacional em 2035, no cenário de maior crescimento. Mais do que estatística, essa projeção indica que o futuro do setor elétrico brasileiro passa por integrar novos usos da eletricidade, capazes de sustentar investimentos e de dar nova dinâmica à demanda energética.

Nesse sentido, a Medida Provisória (MP) Redata, publicada em 2025, surge como um marco regulatório fundamental para orientar a instalação e a operação de datacenters no Brasil. A MP estabelece incentivos para a indústria de energia renovável no País, dado que o atendimento a estas demandas deve vir de fontes limpas, seja por meio de contratos de energia ou autoprodução.

Ao alinhar inovação digital e transição energética, a MP consolida a visão de que os datacenters devem ser integrados de forma inteligente e sustentável ao planejamento energético nacional. Outro ganho importante é a possibilidade de atendimento à carga com usinas em operação, contribuindo para um possível alívio no cenário dramático de curtailment (restrições de geração) que os investidores de eólicas e solares centralizadas estão passando, além de possibilitar o uso da grande matriz hidrelétrica do País, que traz segurança e flexibilidade no atendimento à necessidade de fornecimento contínuo de energia para os datacenters.

Esse ponto é crucial, pois a expansão das fontes solar e eólica (que juntas já respondem por quase 21% da matriz elétrica nacional) enfrenta um desafio crescente relacionado ao curtailment. Segundo dados abertos do Operador Nacional do Sistema (ONS), o corte médio de geração dessas fontes, verificado em 2024, atingiu 9% da produção total de energia do Sistema Interligado Nacional (SIN).

Em 2025, o impacto é ainda maior: o curtailment médio registrado até outubro foi de 18%, com destaque para as fontes solares, que apresentaram corte médio de 30%, e as eólicas, de 15%. As projeções para 2026 indicam um cenário ainda mais preocupante, com possibilidade de alcançar cerca de 34% da produção total de eólicas e solares.

As usinas hidrelétricas também são impactadas com os cortes de geração, por meio da Energia Vertida Turbinável (EVT). Em 2025, o valor do EVT médio registrado pelo Operador é cerca de 28% maior do que o montante registrado no ano anterior.

É nesse contexto que os datacenters se apresentam como aliados estratégicos. Diferentemente de outras cargas, parte significativa de suas operações é flexível no tempo: tarefas como backup de dados e treinamentos de modelos de inteligência artificial podem ser programadas para horários de maior geração renovável. Em países como Dinamarca e Irlanda, políticas de resposta da demanda já permitem que datacenters ajustem sua curva de consumo em sincronia com a disponibilidade de energia limpa, reduzindo custos e evitando desperdícios.

Outro grupo de cargas de datacenters que necessite de fornecimento contínuo de energia (os chamados “hyperscale”) podem lançar mão da flexibilidade já comentada da matriz energética brasileira, devido à presença das hidrelétricas. Um ponto que a MP ainda pode avançar ao longo de sua discussão é no incentivo à inserção de baterias, que aumentam ainda mais a segurança no atendimento a este tipo de demanda. Os mesmos benefícios trazidos pelo REDATA aos datacenters poderiam ser estendidos às baterias, que terão papel fundamental nesta cadeia de suprimento de energia a esses grandes consumidores.

No Brasil, onde a variabilidade da geração renovável já pressiona o sistema, a expansão dos datacenters pode ser um instrumento para reduzir o curtailment e aumentar a eficiência no uso dos recursos naturais. Para que isso aconteça, alguns elementos se tornam decisivos:

  • Planejamento integrado: os novos datacenters precisam ser instalados em regiões com disponibilidade de geração renovável e reforços de transmissão previstos, criando polos de consumo próximos às áreas de maior produção de energia limpa.
  • Contratos de energia renovável (PPAs verdes): a vinculação dos datacenters a PPAs de energia renovável de longo prazo estimula a utilização da sobreoferta hoje existente, assim como a expansão futura da oferta deste tipo de energia. Hoje, grandes empresas globais já operam sob compromissos de neutralidade de carbono e o Brasil pode oferecer a elas contratos competitivos e estáveis.
  • Flexibilidade como serviço: ao remunerar o deslocamento de carga em horários de maior geração solar ou eólica, cria-se um mercado em que os datacenters deixam de ser apenas consumidores e passam a atuar como agentes ativos da transição energética.
  • Inovação em eficiência: investimentos em sistemas de resfriamento sustentável, uso de água de reuso e integração com comunidades locais podem transformar os datacenters em referências ESG, reforçando a imagem do Brasil como destino confiável e sustentável para esses aportes.

O impacto desse movimento vai além do setor elétrico. A instalação de datacenters traz investimentos bilionários em infraestrutura, geração de empregos qualificados, arrecadação de tributos e atração de serviços de alta tecnologia. Um estudo do Boston Consulting Group (2023) aponta que, globalmente, cada dólar investido em datacenters gera entre US$7 e US$10 em impacto econômico indireto, por meio da dinamização de cadeias digitais e do aumento da produtividade.

No caso brasileiro, a combinação de energia limpa, crescimento digital e políticas públicas coordenadas pode projetar o País como hub regional e global de dados e energia renovável. É uma sinergia rara, encontrada apenas em poucos países capazes de unir abundância de recursos naturais e demanda crescente para sustentar, ao mesmo tempo, a transição energética e a revolução digital.

Portanto, a expansão dos datacenters no Brasil não deve ser vista apenas como uma carga adicional a ser suprida, mas como uma oportunidade estratégica: de reduzir desperdícios, atrair investimentos, criar empregos de alta qualificação e posicionar o País como líder em inovação sustentável. Com regulação moderna, planejamento integrado e incentivos alinhados, essas estruturas poderão desempenhar um papel central na consolidação de um sistema elétrico mais robusto, digital e competitivo.

*Gabriel Mann é diretor de regulação, estratégia e comunicação da Engie Brasil

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