Ao entrar em uma das inúmeras salas de reunião do novo escritório em São Paulo, que a Accenture mostrava a um grupo de jornalistas na última quarta-feira (22), Rodolfo Eschenbach, CEO da consultoria global no Brasil, analisou o atual panorama das relações de trabalho. Disse que sua experiência à frente da companhia mostra que o mundo está “voltando ao modelo pré-pandemia”, com mais profissionais presenciais do que em home office. O modelo híbrido também tem se destacado. O executivo acrescentou à análise o atual momento de crescimento da Accenture no país. “Contratamos uma pessoa a cada 30 minutos”, disse Eschenbach.
Em um ano, considerando jornadas de 8 horas por dia, de segunda a sexta-feira, são 2,1 mil pessoas contratadas — o equivalente a 10,5% da força de trabalho entre os 20 mil profissionais da Accenture espalhados pelo Brasil.
Obviamente, também há desligamentos. “Mas o saldo é extremamente positivo”, afirmou o CEO, sem detalhar o balanço das contratações no mercado brasileiro.
A declaração ocorreu no momento em que a consultoria, uma das maiores do planeta — com receita de US$ 69,7 bilhões no último ano fiscal —, deixa para trás a polêmica sobre a demissão de 11 mil pessoas globalmente desde julho. O quadro de funcionários passou, então, de 791 mil para 779 mil colaboradores.
Polêmica que pode ser considerada meia polêmica — ou polêmica alguma — a depender do ângulo de observação. A repercussão foi grande para os desligamentos e pequena para o fato de a Accenture ter quase dobrado sua força de trabalho em setores de Inteligência Artificial e dados nos últimos três anos.
O movimento é tratado pela consultoria como uma adaptação. Se ela atua como agente transformador de negócios mundo afora, também precisa se transformar para atender às novas demandas do mercado.
Projetos de IA generativa já representaram US$ 5,1 bilhões em novos contratos globais, valor superior aos US$ 3 bilhões registrados no ano anterior. Para se preparar para essa transformação, além das contratações — e demissões —, a empresa realiza treinamentos internos. Já são cerca de 550 mil funcionários que receberam os fundamentos da IA generativa.
“Nossa estratégia número um é o treinamento”, afirmou Julie Sweet, CEO global da Accenture, em uma recente teleconferência com analistas. É por esse mesmo caminho que a operação brasileira traça seu futuro.

Um escritório para a nova era
São cinco salas com capacidade para 250 pessoas sendo treinadas simultaneamente no novo escritório da Accenture, que ocupa dois andares de um edifício corporativo no bairro Chácara Santo Antônio, na capital paulista.
Por lá, a ocupação entre treinamentos e estações de trabalho individuais e coletivas chega a 112% em alguns dias — a capacidade é para 890 pessoas sentadas. Sim, há profissionais trabalhando em espaços de convivência e conveniência, como cafeterias e praças internas. E isso também é proposital, segundo a consultoria.
O conceito-base do escritório é de colaboração, flexibilidade e inovação. O espaço foi desenhado para refletir a cultura de cocriação e conexão da Accenture.
Salas e áreas de trabalho homenageiam mentes brasileiras que, por cinco séculos, têm se destacado pelo mundo. Entre elas estão Santos Dumont, que libertou a humanidade da gravidade; Johanna Döbereiner, que alimentou bilhões sem destruir o planeta; além de Ziraldo, Burle Marx, Landell de Moura, Tarsila do Amaral, Ayrton Senna e Pelé — todos, de alguma forma, levaram a inovação e as cores do Brasil ao conhecimento global.
Centro de Inovação
É nesse mesmo espaço que a Accenture abriu o Connected Innovation Center (CIC) — um centro de desenvolvimento da próxima geração de “reinvenções”, segundo a consultoria, que farão evoluir “indústrias, economias e vidas”.
Trata-se de um ambiente de cocriação que permite aos clientes da Accenture acessar tecnologias avançadas para acelerar a inovação, com o objetivo de gerar resultados reais e valor em escala.
Ao entrar no CIC, a primeira atração é a Cave: um grande espaço com três paredes e o chão de painéis de LED interativos que proporcionam uma experiência sensorial e visual.
Para demonstrar o potencial tecnológico da Accenture, a Cave foi transformada no painel do modelo de carro Tera, da Volkswagen. Nele, Otto, uma Inteligência Artificial generativa desenvolvida pela consultoria em conjunto com a montadora, interagiu com Victor Lima, líder de inovação e tecnologia sustentável da Accenture na América Latina.

A linguagem foi natural entre Otto e Lima, que inclusive pediu para a IA cantar uma canção de ninar para o filho, que estava no banco de trás do carro durante a demonstração. Foi um exemplo do conceito de multiagentes human & machine, que propõe a combinação entre o potencial humano e o poder das máquinas para gerar resultados superiores — no caso, entre motorista e veículo.
“Nós repensamos muito o negócio dos nossos clientes e nos desafiamos para trazer para dentro dessa cadeia o Volkswagen Tera”, disse o executivo.
“Existe toda uma arquitetura de agentes por trás do Otto, que fazem a transcrição de voz para texto e de texto para voz da resposta. Há uma orquestração de diversos agentes, cada um com sua capacidade — seja para responder a temas sobre recursos e serviços do veículo, acessar bancos de dados, informações técnicas, manuais ou até curiosidades e dados da internet”, explicou Lima.
A terceira onda da IA
Em outro espaço — um auditório interativo conectado a outras operações da Accenture pelo mundo, inclusive no Japão —, executivos da consultoria compartilharam a visão de que estamos vivendo o momento pós-cloud, marcado pela Artificial Intelligence Reinvention (A.I.R.), que simboliza a terceira onda da inteligência artificial.
Sempre ressaltando a importância da combinação entre humanos e máquinas nas inovações, os profissionais apontaram que essa nova fase da IA ocorre em três dimensões: reimaginar processos, remodelar a força de trabalho e redesenhar ferramentas.
Apesar do avanço tecnológico, estudos da AWS indicam que apenas 12% das empresas utilizam IA de forma efetiva — revelando um grande espaço para evolução.
Antes disso, vieram duas ondas tecnológicas anteriores: a primeira, de 2005 a 2014, foi a de terceirização de trabalho, com os vendors de plataformas; a segunda, de 2015 a 2022, a de digitalização, com cybersecurity, machine learning e cloud.
“Agora, com a IA e os multiagentes, mais do que nunca, a combinação do humano com a máquina vai fazer a diferença. Não é mais uma coisa ou outra — agora são as duas juntas. Esse é o nosso mantra”, disse Eco Moliterno, diretor criativo da Accenture Song.
“Queremos evoluir como parceiros, não apenas implementando tecnologia, mas oferecendo suporte humano para ajudar as empresas a atravessarem essa nova fase”, completou.
Casos de aplicação
Entre os exemplos apresentados para demonstrar a eficiência dessa terceira onda, a Accenture destacou a parceria com a Vale. O processo de obtenção de licenças ambientais, que exigia estudos de impacto e demorava entre sete e dez anos, hoje pode ser reduzido em até 40% com o uso de ferramentas de IA.
“Estamos falando de uma economia de anos, não apenas de meses. Documentos de mil páginas são analisados em segundos, com mitigação de erros”, explicou Moliterno, ao citar a solução Smart License.
Com a RaiaDrogasil, a Accenture desenvolveu uma ferramenta de marketing capaz de criar peças segmentadas por perfis de clientes em apenas 16 minutos — um trabalho que antes levava dez dias. “Uma capacidade sem precedentes, mais assertiva nas recomendações”, destacou o executivo.
No CIC, a Accenture disponibiliza estações de criação “do novo” para diversos setores. A partir das demonstrações, o foco é permitir que grandes players do mercado utilizem o espaço para pensar, junto com a consultoria, onde estão e para onde querem ir — unindo o poder das máquinas à criatividade humana.

