Nas últimas semanas, assistimos a um dos episódios mais graves de saúde pública no Brasil. Pelo menos nove pessoas morreram em decorrência de intoxicação por metanol após a ingestão de bebidas alcoólicas, e outras tantas ainda sofrem as consequências da contaminação, entre elas uma mulher que perdeu completamente a visão.
O que antes era sinônimo de descontração, como um drinque entre amigos ou um brinde no happy hour, agora remete à sensação de vulnerabilidade. A leveza do gesto foi substituída pela apreensão. Essa tragédia sanitária abalou algo invisível, mas essencial para qualquer negócio, especialmente no setor de alimentos e bebidas: a confiança.
A origem dessas ocorrências ainda está sendo investigada. Mas já se percebe uma mudança drástica no comportamento dos consumidores. Bares, restaurantes, casas de shows e marcas de bebidas enfrentam agora o desafio de reconquistar um público que se afastou, impactado pelo medo e pela desinformação. Como restabelecer esse elo? Como resgatar a credibilidade diante de tamanha incerteza?
Quando o medo entra na conversa pública, ele se multiplica. Em tempos de hiperconectividade, toda crise se torna pública, imediata e emocional. O incidente com o metanol, ainda que vinculado à produção clandestina, desencadeou uma onda de desconfiança que se espalhou com a mesma velocidade das redes sociais, atingindo até segmentos que nada tiveram a ver com o episódio.
Boa parte das marcas, especialmente as de destilados como gin, cachaça e vodca, optou por não se manifestar, temendo associação indevida ao problema. No entanto, em crises de grande repercussão social, o silêncio raramente protege. A ausência de posicionamento abre espaço para especulações, amplia a desinformação e adia a reconstrução da confiança. Recuperar a credibilidade, nesse cenário, exigirá mais do que notas de esclarecimento pontuais. Exigirá presença, escuta ativa, empatia e coerência.
Temos exemplos claros do custo da omissão. Em 2009, nos Estados Unidos, a Peanut Corporation of America enfrentou uma gravíssima crise sanitária quando seus produtos contaminados com salmonela fizeram dezenas de vítimas. A demora em reconhecer o problema, a tentativa de minimizar os fatos e a falta de transparência na comunicação levaram à falência da companhia e à condenação criminal de seus executivos. Um colapso reputacional irremediável.
Reputações destruídas levam anos, às vezes décadas, para serem reconstruídas. Algumas marcas jamais retornam ao mesmo patamar. As empresas que sobreviveram a escândalos semelhantes, desde contaminações alimentares até recalls de medicamentos, foram aquelas que entenderam que comunicar é verbo de ação: admitir falhas, explicar processos, ouvir o público e agir com responsabilidade.
No caso da contaminação por metanol, o primeiro passo é reconhecer a dimensão humana da dor. Cada vítima tem nome, história e família. A comunicação deve refletir empatia, mas também um compromisso concreto com mudanças estruturais: reforço na fiscalização, rastreabilidade dos insumos, treinamentos dos fornecedores e investimento massivo em informação ao consumidor. Só assim será possível romper o ciclo do medo e transformar esse episódio em uma oportunidade de aprendizado e evolução.
Confiança é um ativo silencioso, mas poderoso. É a base de qualquer relação duradoura entre pessoas, marcas e instituições. Ela nasce da consistência entre o que se diz e o que se faz. No ambiente de negócios, a confiança é o que permite que um consumidor escolha determinado produto mesmo diante de múltiplas opções. É também o que sustenta a reputação de uma empresa ao longo do tempo.
Segundo diversos estudos em gestão e psicologia organizacional, a confiança é construída a partir de três pilares: competência, integridade e benevolência. Em outras palavras, as pessoas confiam em marcas que demonstram capacidade técnica, agem com ética e mostram interesse genuíno pelo bem-estar de seus públicos.
A reputação, por sua vez, é o reflexo coletivo da confiança percebida. É a imagem construída ao longo do tempo, influenciada não apenas por campanhas de marketing, mas sobretudo por comportamentos, decisões e posturas diante de momentos críticos. Em tempos de crise, a reputação se torna o verdadeiro termômetro da confiança conquistada ou perdida.
No mundo hiperexposto em que vivemos, a verdade é o único caminho sustentável. Marcas que silenciam diante da dor perdem relevância. Precisam compreender que a reputação hoje se constrói na interseção entre valores, atitudes e coerência. Não há mais espaço para discursos dissociados da prática.
No setor de bebidas, isso significa adotar uma postura de vigilância ética permanente, com lideranças preparadas para dialogar e responder de forma ágil, responsável e transparente. Isso também implica assumir um papel educativo, ajudando o consumidor a diferenciar o produto legal e seguro do clandestino e perigoso.
Restabelecer a confiança é um movimento estratégico, mas também carregado de simbolismo. Trata-se de devolver ao ato de brindar o seu significado original, o gesto de celebrar a vida, a amizade e os encontros.
Quando as marcas compreenderem que reputação é, antes de tudo, uma forma de cuidado com as pessoas, terão dado o primeiro passo para transformar uma crise em legado.
*Patrícia Marins é sócia-fundadora da Oficina Consultoria, especialista em gestão de crises de alto risco reputacional

