“A discussão de ESG virou transversal dos bancos brasileiros”, diz Marina Cançado

Ex-XP e referência na área de ESG no mercado brasileiro, fundadora da Converge Capital conversou com o Brazil Economy sobre o atual momento da agenda de transição energética no Brasil e no mundo

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Imagens: Divulgação

Marina Cançado, da Converge Capital: instabilidade geopolítica ajuda o Brasil na agenda de transição energética

Marina Cançado, da Converge Capital: instabilidade geopolítica ajuda o Brasil na agenda de transição energética

Com a chegada da COP30, as discussões sobre a união entre ativos financeiros e políticas ambientais vêm ganhando força. É a cereja do bolo de um movimento que só aumenta, mas ainda tem arestas a serem aparadas. De acordo com dados da Climate Policy Initiative, de um total de US$ 1,9 trilhão investido globalmente em transição climática, apenas US$ 105 bilhões chegaram à América Latina.

Marina Cançado acompanha de perto essa tendência há muitos anos. Com passagens pela Future Carbon Group e pela XP, onde ajudou a criar a área de Sustainable Wealth no Private Banking, desenvolvendo um serviço voltado a clientes com o desejo de investir em ESG, já foi reconhecida em listas como Forbes Under 30, 100 Inovadores Globais para o Clima e Women to Watch. Na Converge Capital, empresa que fundou e comanda, busca catalisar e acelerar o interesse de ecossistemas de investimento alinhados a um futuro sustentável, apresentando as melhores possibilidades.

Atualmente, Marina é co-organizadora da primeira edição do Climate Implementation Summit, evento que ocorrerá em São Paulo, em novembro, com expectativa de reunir mais de 750 CEOs e lideranças de diferentes setores e regiões do mundo, além de investidores, filantropias, representantes de governos e organizações multilaterais para discutir a agenda de ação climática proposta pela Presidência da COP30. Ela concedeu uma entrevista exclusiva ao Brazil Economy sobre o papel do Brasil no atual cenário de transformação energética mundial.

Como a senhora analisa os esforços do atual governo para atrair investidores interessados em transição energética?
Eu não vejo o governo brasileiro focado em atrair investimentos especificamente para a transição energética. O maior lançamento do governo na COP é o Tropical Forest Forever Facility, um mecanismo para remunerar países que recuperem suas florestas. Vejo o poder público federal, incluindo o BNDES, buscando atrair capital internacional por meio da Plataforma Brasil de Investimento Climático, um mecanismo que visa reduzir riscos cambiais e conectar o mundo a um pipeline mais robusto, diminuindo a assimetria de informação em relação ao País. No entanto, não se trata apenas da agenda de transição energética. Existem muitas frentes em que o governo está empenhado, mas a mensagem transversal é mostrar que há um pipeline sólido no Brasil para o capital estrangeiro potencializar projetos que demandam mais tempo de maturação ou grandes volumes de recursos, como hidrogênio verde ou processos industriais, incluindo combustível sustentável de aviação.

A instabilidade política no mundo e no Brasil pode afetar os investimentos na agenda de transição energética?
Minha visão é que a agenda de transição veio para ficar. Essa mudança de terminologia, de “agenda sustentável” para “agenda de transição”, simboliza uma evolução de maturidade. Todos os setores da economia devem aderir, alguns de forma mais intensa, outros de modo gradual, mas todos já entenderam que terão de se transformar. Isso é uma questão de eficiência, inovação, vantagem competitiva e posicionamento nas cadeias globais. É um fato que os governos podem incentivar essa agenda por meio de estímulos ou punições. A geopolítica global, inclusive, tem ajudado a atrair recursos para o Brasil. Gestoras e family offices do Norte global começam a se interessar mais pela América Latina diante de um certo retrocesso nos Estados Unidos. Esse movimento traz fluxos de capitais e reforça o papel do Brasil como ator relevante em algumas agendas. Já a instabilidade nacional sempre gera ruídos, mas está claro para as empresas líderes e referências em seus setores que o caminho da transição está traçado.

Quais os principais desafios que o Brasil enfrenta atualmente em relação à agenda energética?
Vejo alguns desafios, como superar as barreiras em torno dos biocombustíveis no cenário internacional. O Brasil precisa demonstrar que essa é uma alternativa eficiente, inclusive para setores como o de transporte marítimo. Especialmente agora, quando deve entrar em vigor uma regulamentação que taxará combustíveis fósseis utilizados por navios, o que tende a gerar uma transformação significativa, ainda enfrentando resistência do Norte global. Também destaco a importância de captar recursos para o hidrogênio verde e desenvolver projetos que comprovem o potencial do Brasil em produzir de forma eficiente e em escala, uma vez que muitas regiões do mundo competem por essa alternativa.

O que fez o tíquete médio de investimentos na área ambiental crescer tanto nos últimos anos?
Trata-se de uma questão de maturação de pipeline. Estima-se que 35% das soluções necessárias para resolver a crise climática global já são economicamente viáveis e estão em escala ou prontas para escalar. Os outros 65% ainda estão em estágio inicial e precisam de mais tempo de desenvolvimento. O capital tem fluído, em grande parte, para os 35% que se mostraram soluções atrativas, e isso evoluiu de forma exponencial. Entre 2020 e 2023, o volume investido em soluções climáticas triplicou, alcançando cerca de US$ 2 trilhões por ano. Para atingir as metas do Acordo de Paris, é necessário chegar a um volume entre US$ 8 e 10 trilhões anuais. A perspectiva de que isso aconteça mostra que há boas oportunidades de alocação para o capital privado que busca retorno e deseja investir no futuro da economia.

O que a senhora destaca de mais importante e disruptivo na agenda de soluções baseadas na natureza?
Acredito que ainda não chegamos ao ponto mais disruptivo. Muitas soluções baseadas na natureza surgiram inicialmente por meio de ONGs, seguidas por executivos do mercado financeiro que começaram a investir no tema. O pipeline do setor se fortaleceu rapidamente e hoje atrai investimentos expressivos, com anúncios bilionários e estudos que mostram a capacidade de absorção desse montante de recursos. O grande desafio daqui para frente será escalar essas iniciativas, considerando seus devidos obstáculos e proporções.

O que faz do Brasil um País tão atrativo para empresas que desejam transformar compromissos climáticos em investimentos de sucesso?
O Brasil possui vantagens comparativas e competitivas em praticamente todos os setores da economia, demonstrando que é possível alcançar negócios prósperos e rentáveis com modelos de menor intensidade de carbono. Isso se deve a fatores como os ativos naturais nacionais, um mercado de capitais consolidado, estabilidade política relativa em comparação a outros países emergentes, capital humano qualificado e capacidade de diálogo com diversas regiões do mundo. Essa combinação coloca o País em uma posição única para gerar valor em toda a economia.

Quais as vantagens competitivas que as finanças sustentáveis oferecem às empresas?
Cada vez mais, bancos e gestoras aplicam métricas de avaliação e precificação de ativos que consideram variáveis ambientais, sociais e climáticas. As empresas que se comprometem com planos de descarbonização conseguem acessar linhas de crédito diferenciadas ou estruturar captações em condições mais favoráveis. Elas se tornam elegíveis a programas como o Ecoinvest, que oferece recursos a grandes bancos para repasse a clientes com menor custo de capital. Empresas que buscam IPOs ou emissões de dívida e que possuem planos robustos de transição e mapeamento de riscos climáticos tendem a se beneficiar com melhores condições de financiamento.

A inteligência artificial tem impacto na pauta das finanças sustentáveis?
A inteligência artificial pode ajudar na recomendação de investimentos e na análise mais ágil de condutas e práticas corporativas. No entanto, sou ponderada quanto ao seu uso, pois ela tem grande impacto no consumo de energia e água. É fundamental garantir que essa tecnologia seja alimentada por fontes renováveis.

Como os bancos brasileiros avançaram em finanças sustentáveis nos últimos anos?
Os bancos brasileiros estão de parabéns. O termo ESG foi cunhado na Europa em 2005. Bancos europeus, norte-americanos, canadenses e asiáticos levaram de 15 a 20 anos para transformar esses conceitos em metodologias práticas. Quando o tema chegou ao Brasil, por volta de 2019, houve uma fase de compreensão geral, seguida por dúvidas sobre como implementar na prática. Esse processo evolutivo é natural, incluindo reações negativas e frustrações. Mas, sem sombra de dúvida, a discussão ESG tornou-se transversal nos bancos brasileiros.

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