A relação entre Brasil e Itália no setor vitivinícola está ganhando novos contornos em 2025. A mais recente edição do evento voltado exclusivamente para vinhos italianos, que acontece nesta semana em São Paulo, consolidou-se como a maior já realizada até hoje. No total, 55 empresários participam, entre importadores brasileiros e produtores vindos diretamente da Itália (destes, cerca de 35 são vinícolas que desembarcaram no País pela primeira vez). O movimento representa um aumento de 15 empresas em relação à edição anterior e é um indicativo do maior interesse dos italianos pelo mercado brasileiro.
De acordo com os organizadores, o crescimento não é apenas quantitativo, mas qualitativo. Grande parte das vinícolas que chegam agora não têm importadores no Brasil e estão em busca de parceiros para abrir mercado. “O evento cresceu em representatividade porque conseguimos atrair novos players, vinícolas que nunca haviam exposto aqui. É a demonstração de que o Brasil entrou no radar como destino estratégico”, explicou Maria Maddalena Del Grosso, presidente do departamento do governo italiano responsável pela iniciativa, a ITA/ICE (Agência para a Promoção no Exterior e a Internacionalização das Empresas Italianas).

O aumento da participação italiana não se explica apenas por uma mudança espontânea de interesse. Ele é resultado de dois movimentos paralelos. Por um lado, a Itália intensificou nos últimos anos seus esforços de promoção comercial, algo que havia sido pouco explorado nas duas últimas décadas. Por outro, o cenário internacional, especialmente nos Estados Unidos, principal destino das exportações italianas, tem se tornado mais desafiador.
As tarifas americanas sobre o vinho importado, que até recentemente eram de 5%, subiram para 15% em 2025, afetando diretamente a competitividade do produto. Chegou-se a cogitar um aumento para 50%, o que gerou insegurança nos produtores. Como cerca de um quarto do vinho exportado pela Itália tem como destino os EUA, a instabilidade naquele mercado força as vinícolas a buscar alternativas.
O Brasil surge, nesse contexto, como um candidato natural. Embora o país imponha uma carga tributária complexa e pesada (que pode variar de 70% a 100% sobre o valor do produto dependendo do Estado e do regime tributário), o potencial de crescimento compensa. Segundo os organizadores, a semelhança da carga sobre o vinho na comparação com os EUA coloca o Brasil em condições equivalentes. “Se os italianos precisam se adaptar a impostos altos, que seja em um mercado com grande potencial de expansão”, avaliou Ronaldo Padovani, diretor da agência.
O papel do acordo Mercosul-União Europeia
Outro elemento que estimula a expectativa italiana é a possível entrada em vigor do acordo Mercosul-União Europeia, discutido há anos. Se aprovado sem barreiras tarifárias, ele teria efeito direto sobre o preço dos vinhos europeus no Brasil, eliminando a vantagem competitiva que hoje é dos países vizinhos, como Chile e Argentina.
“O acordo pode ser um divisor de águas. Hoje ocupamos a sexta ou sétima posição entre os vinhos importados no Brasil, mas acreditamos que em até dez anos podemos disputar a primeira ou a segunda colocação, como já acontece em outros mercados globais”, destacou Padovani.
Consumidor brasileiro: da curiosidade à sofisticação
Se a conjuntura internacional ajuda a explicar o movimento, o outro lado da equação está no próprio consumidor brasileiro. O público local passou, nas últimas décadas, por um processo de evolução no consumo de vinhos. Do vinho de mesa nacional, migrou para rótulos de entrada chilenos e argentinos, que dominaram o mercado importado pelo custo acessível e pela proximidade logística.
Agora, segundo os organizadores, esse consumidor está pronto para dar mais um passo. “Existe um apetite por novidades, e o vinho italiano chega com um diferencial de qualidade. O brasileiro já não se contenta apenas com vinhos de entrada. Ele busca rótulos com mais sofisticação, tipologias diferentes e experiências novas”, afirmou Maria Maddalena.
Essa tendência se confirma nos números. O preço médio do litro de vinho italiano importado pelo Brasil é superior à média geral dos vinhos importados, e muito acima do patamar dos rótulos latino-americanos. Isso significa que, mesmo custando mais, os vinhos italianos têm encontrado espaço, sinalizando a disposição do consumidor em investir em qualidade.
Diversidade e novos territórios da Itália
A Itália é o maior produtor mundial de vinhos e também o país com maior número de uvas autóctones (variedades exclusivas de seu território) e denominações de origem. No Brasil, no entanto, apenas uma “face da lua” é conhecida, como descreveu Maria Maddalena: Toscana, Piemonte, Vêneto e Puglia.
Agora, o objetivo é expandir o portfólio disponível no mercado brasileiro. Regiões menos conhecidas, como Calábria, Alto Adige e Sicília, além de vinhos de nicho como o Sagrantino de Montefalco, devem ganhar espaço. “O brasileiro gosta de descobrir novidades, e a Itália é uma fonte inesgotável delas. Cada região produz vinhos distintos, muitos ainda pouco explorados aqui”, reforçou Maria Maddalena.
A concorrência com os vinhos do Novo Mundo é um desafio, mas também uma oportunidade. Rótulos chilenos, argentinos e uruguaios contam com a vantagem do Mercosul e da logística mais barata. Porém, enquanto esses países oferecem vinhos de entrada e bom custo-benefício, os italianos pretendem ocupar um patamar acima, atendendo consumidores mais exigentes.
Além disso, a chegada de grandes grupos italianos pode estimular a indústria nacional. A comparação direta com vinhos importados de alto nível tende a pressionar os produtores locais a elevar padrões de qualidade. “A concorrência saudável melhora o mercado como um todo, e o Brasil tem capacidade de crescer também como produtor de vinhos premium, principalmente com os espumantes que já conquistaram prêmios internacionais”, avaliou Padovani.
Espumantes brasileiros no radar italiano
Se os italianos querem ganhar espaço no Brasil, o movimento também pode ocorrer no sentido inverso. Importadores italianos demonstraram interesse nos espumantes brasileiros, especialmente os produzidos no Rio Grande do Sul. Em visitas recentes, alguns rótulos chegaram a ser destacados como de qualidade comparável, ou até superior, a champanhes franceses em determinados concursos.
“Essa presença maior de importadores e produtores italianos abre portas para parcerias bilaterais. Grandes grupos italianos têm redes globais de distribuição e podem incluir rótulos brasileiros em seus portfólios”, apontou Padovani.
Embora o foco atual seja o vinho, representantes italianos destacam que o esforço de promoção deve se expandir para outros produtos de excelência do país, ainda pouco difundidos no Brasil. Queijos, azeites e embutidos de alta qualidade fazem parte dos planos. “No vinho já avançamos, mas nesses setores ainda estamos muito atrás do padrão internacional. Queremos corrigir isso”, afirmou o executivo.
A meta declarada é ambiciosa: elevar o vinho italiano da sexta ou sétima posição atual para a liderança entre os importados no Brasil. O prazo estimado é de dez anos, período em que se espera tanto a consolidação de novos rótulos quanto o amadurecimento do consumidor brasileiro.
Nesse horizonte, a expectativa é que o Brasil se torne não apenas um dos maiores mercados para o vinho italiano, mas também um player mais relevante na vitivinicultura global, beneficiado pela concorrência e pelo intercâmbio. “O mercado brasileiro está em transformação. A chegada da Itália pode acelerar esse processo, criando um ecossistema mais sofisticado, competitivo e internacionalizado”, afirmou Maria Maddalena.