Tributação de apostas no Brasil: entre a arrecadação e o risco da ilegalidade

O modelo de arrecadação adotado acende um alerta: uma carga tributária pesada pode ter o efeito contrário ao desejado, minando a competitividade

Fellipe Fraga*
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Imagens: Divulgação

Fellipe Fraga: "Se a carga tributária inviabiliza a operação regulada, essa receita simplesmente desaparece"

Fellipe Fraga: "Se a carga tributária inviabiliza a operação regulada, essa receita simplesmente desaparece"

A regulamentação do mercado de apostas de quota fixa no Brasil, consolidada pela Lei nº 14.790/23, foi um marco histórico. A intenção é clara e louvável: trazer para a legalidade um setor que, segundo estimativas do Banco Central, já movimentava dezenas de bilhões de reais por mês, além de proteger os consumidores, garantir a integridade do esporte e gerar receita para o Estado.

Contudo, o modelo de tributação adotado acende um alerta: uma carga tributária pesada pode ter o efeito contrário ao desejado, minando a competitividade do mercado regulado e, paradoxalmente, fortalecendo o ambiente ilegal que se pretendia combater.

O modelo brasileiro estabeleceu uma tributação de 12% sobre o Gross Gaming Revenue (GGR) – a receita bruta das empresas após o pagamento dos prêmios. Somam-se a isso os impostos corporativos padrão (PIS/Cofins, ISS etc.), que, segundo relatório da LCA Consultoria, elevam a carga tributária total do operador para cerca de 27% do GGR. Além disso, os apostadores são taxados em 15% sobre seus ganhos líquidos anuais.

Os recursos provenientes da alíquota de 12% sobre o GGR têm destino carimbado e são vitais para áreas sociais. O primeiro relatório semestral do Ministério da Fazenda sobre o mercado regulado, em 2025, detalha essa distribuição: dos R$ 2,14 bilhões arrecadados, a maior parte foi destinada ao Esporte (R$ 767 milhões), Turismo (R$ 601 milhões), Segurança Pública (R$ 290 milhões), Seguridade Social (R$ 216 milhões) e Educação (R$ 216 milhões).

Esses números demonstram o imenso potencial social da arrecadação. No entanto, eles dependem de uma premissa: que as empresas operem no mercado legal. Se a carga tributária inviabiliza a operação regulada, essa receita simplesmente desaparece, pois o mercado ilegal não contribui com um centavo sequer.

Há, ainda, o risco de aumento da taxação, conforme as premissas da Medida Provisória nº 1.303/2025, que eleva de 12% para 18% o valor da alíquota sobre o GGR. O sucesso de uma regulamentação é medido por sua “taxa de canalização”, a proporção de apostadores que efetivamente migram do mercado ilegal para o legal. A experiência internacional, destacada no estudo da LCA, oferece lições cruciais.

No Reino Unido, considerado um modelo de sucesso, a taxa de canalização atinge 95%. A tributação sobre o GGR é de 21%, um patamar competitivo que permite às empresas legais oferecer bons produtos.

Por outro lado, temos os exemplos da França e da Alemanha. Ambos os países adotaram modelos mais restritivos e com impostos mais altos (cargas de 55% e 48%, respectivamente). O resultado foi uma baixa canalização (de 60% e 63%) ou seja, quase 40% dos apostadores nesses países permaneceram no mercado paralelo, sem qualquer proteção ou geração de impostos.

O Brasil, com uma carga tributária efetiva de 27% sobre o GGR (podendo atingir 33%), se posiciona em um patamar de risco. A alíquota pode não parecer tão alta à primeira vista, mas é suficiente para espremer as margens dos operadores e impactar diretamente o que eles podem oferecer aos jogadores. Vale ressaltar que a carga efetiva sobre o GGR ainda inclui outros fatores que potencializam os custos, como impostos sobre serviços estrangeiros (até 45% sobre o valor contratado) e o próprio Imposto de Renda da Pessoa Jurídica.

O perigo não é hipotético. A pesquisa “Incidência de Apostas Ilegais no Brasil”, do Instituto Locomotiva, desenha um cenário alarmante para 2025, destacando: dificuldade de distinção (78% dos apostadores admitem que é difícil diferenciar uma plataforma legal de uma ilegal). Essa confusão é o terreno fértil para o mercado paralelo; exposição ao risco (46% dos jogadores já depositaram dinheiro em um site que depois descobriram ser falso ou irregular, expondo-se a fraudes e calotes), e, o uso massivo com mais de 61% dos apostadores fizeram ao menos uma aposta ilegal em 2025. Pior, 73% jogaram em pelo menos uma das principais marcas que operam irregularmente.

Esses dados provam que o mercado ilegal não é um nicho, mas um concorrente estabelecido e dominante. Ignorar essa realidade ao definir a política tributária é um erro estratégico que pode custar bilhões em arrecadação e deixar milhões de consumidores desprotegidos.

A regulamentação é o único caminho para um mercado de apostas seguro e benéfico para a sociedade. No entanto, o sucesso dessa empreitada depende de um equilíbrio delicado. Uma tributação excessiva cria uma barreira competitiva intransponível para as empresas que seguem as regras, pagam licenças milionárias e investem em jogo responsável. Elas são forçadas a oferecer prêmios piores, o que, na prática, empurra o consumidor para os braços da ilegalidade.

O governo brasileiro tem a oportunidade de construir um dos mercados regulados mais promissores do mundo, garantindo um fluxo de receita contínuo para áreas essenciais. Para isso, precisa entender que a arrecadação sustentável não virá de alíquotas altas sobre um mercado legal pequeno e sufocado, mas sim de alíquotas razoáveis sobre um mercado legal grande, vibrante e atrativo, capaz de efetivamente canalizar a esmagadora maioria dos apostadores.

Do contrário, o grande vencedor será o mercado ilegal. E os perdedores serão o consumidor, o mercado legalizado e o próprio Estado.

*Fellipe Fraga é diretor de Negócios da EstrelaBet

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