O mercado de timeshare no Brasil atravessa um momento de virada. O modelo, também conhecido como propriedade compartilhada ou férias programadas, ganhou força nos últimos anos e, em 2024, superou a marca de R$ 2 bilhões em Valor Geral de Vendas (VGV). Os números, inéditos, refletem o amadurecimento de um setor que há duas décadas buscava provar sua viabilidade no país e agora colhe resultados consistentes.
A segunda edição do estudo “Timeshare no Brasil: Dimensionamento de mercado e performance”, conduzido pela Noctua Advisory em parceria com a RCI, traça um retrato detalhado desse avanço. A pesquisa analisou 53 empreendimentos em 14 estados e 33 cidades, revelando não apenas o desempenho comercial, mas também tendências de comportamento do consumidor, eficiência de vendas e desafios estruturais. O relatório será lançado oficialmente no fim de setembro, mas já antecipa expectativas otimistas: para 2025, projeta-se crescimento médio de 12,8% em VGV.

Os dados mostram uma indústria que deixou para trás a fase experimental. Em 2024, foram registradas 40,7 mil vendas brutas, alta de 10,8% sobre o ano anterior. A base ativa de contratos alcançou 142,7 mil, crescimento de 5,6%. Os resorts participantes atingiram taxa de ocupação média de 62,4%, seis pontos percentuais acima de 2023, com o timeshare respondendo diretamente por 13,1 p.p. desse indicador.
Um dos sinais mais claros de maturidade está na ampliação das revendas e upgrades, que já representam 19,7% das transações, contra 16,3% em 2023. Esse movimento indica fidelização: os clientes não apenas permanecem no sistema, como ampliam seu uso ou negociam condições melhores. Ao mesmo tempo, a taxa de cancelamentos caiu para 23% e a inadimplência recuou de forma expressiva, para 11,7% dos contratos, uma queda de 4,6 pontos percentuais em relação ao ano passado.
“Estamos diante de um modelo mais sustentável. A venda inicial continua sendo importante, mas vemos um fortalecimento do relacionamento de longo prazo, algo que garante estabilidade e recorrência ao negócio”, disse Fabiana Leite, diretora da RCI na América do Sul.
Apesar do avanço, ainda há espaço significativo para expansão. No mundo, o mercado de timeshare movimenta cerca de US$ 20 bilhões por ano. Só os Estados Unidos responderam por US$ 10,5 bilhões em 2024, com um universo de 1,5 mil resorts e taxa média de ocupação próxima a 80%.
“No Brasil, atingimos números consistentes, mas estamos ainda na metade do potencial de crescimento”, avaliou Pedro Cypriano, CEO e fundador da Noctua Advisory. Segundo ele, a consolidação de grupos pioneiros como Aviva (que aderiu ao modelo em 1999) e Beach Park (desde 2006) mostra como o timeshare pode transformar ativos hoteleiros. “É notória a força do produto para a valorização da hotelaria de lazer. Bem estruturado, o modelo amplia a ocupação, diversifica receitas e fortalece a marca. Ainda temos uma diferença de cerca de 20 pontos percentuais em relação à ocupação americana, o que mostra o tamanho da oportunidade.”
Fatores de sucesso
O estudo destaca que a eficiência em vendas chegou a 27,2%, resultado de processos mais qualificados e do uso crescente de tecnologia. Plataformas digitais de reserva, CRM integrados e estratégias de marketing personalizadas têm elevado a assertividade na negociação e reduzido a fricção no relacionamento com o cliente.
Outro fator é o fortalecimento do pós-venda. “O uso efetivo do produto, aliado à possibilidade de upgrades e revendas, aumenta a satisfação e reduz cancelamentos”, comentou Fabiana. Para ela, o setor caminha para um ciclo mais virtuoso, em que a experiência supera a mera aquisição.
Essa mudança reflete também transformações no perfil do consumidor. Famílias jovens e viajantes conectados buscam flexibilidade, personalização e acesso a experiências diferenciadas. Mais do que comprar dias de hospedagem, eles querem garantir férias regulares com opções de intercâmbio, serviços adicionais e segurança financeira no planejamento.
Apesar dos avanços, o relatório não ignora obstáculos. A alta rotatividade de profissionais segue sendo um gargalo, impactando diretamente o custo de comercialização e a consistência da operação. Além disso, o setor ainda precisa investir em qualificação contínua, tanto em vendas quanto em gestão de relacionamento.
Para Cypriano, superar esses pontos é fundamental para sustentar o ritmo de expansão. “O setor precisa se profissionalizar cada vez mais, porque a concorrência é grande não apenas entre empreendimentos de timeshare, mas com todo o mercado de turismo e lazer. O consumidor compara preços, experiências e benefícios de forma imediata.”
Futuro promissor
As perspectivas para 2025 são animadoras. O estudo projeta um crescimento médio de 12,8% no VGV, impulsionado pelo aumento da confiança do consumidor, pela busca por experiências personalizadas e pelo maior engajamento das operadoras.
“O futuro do timeshare no Brasil está diretamente ligado à eficiência comercial, ao relacionamento contínuo com o cliente e à gestão de talentos”, resume Fabiana Leite. Para ela, o modelo deixa de ser apenas uma alternativa e passa a integrar de forma estruturada a cadeia de valor da hotelaria e do turismo.
Em um país com vocação natural para o turismo, diversidade cultural e belezas naturais ainda pouco exploradas, o timeshare aparece como peça estratégica para ampliar a ocupação dos resorts, fidelizar viajantes e gerar previsibilidade financeira para os empreendimentos. Se o ritmo atual for mantido, o setor pode, em poucos anos, reduzir a distância que ainda o separa dos mercados mais maduros.