Imagine o futebol com um campo novo, bola nova, regras novas. Seria um outro esporte. É com essa analogia que Eric Gorescu, sócio e diretor-executivo da Accenture no Brasil, avalia a reforma tributária que entra em vigor no Brasil a partir do ano que vem e que será totalmente implementada até 2033 de maneira escalonada. “Essa é a maior disrupção dos últimos 20 anos no País”, disse o executivo ao BRAZIL ECONOMY.
Para Gorescu, as alterações que estão por vir – faltam pouco mais de três meses para as primeiras alterações entrarem em vigor – vão impactar a economia brasileira mais do que a internet influenciou, mais do que a pandemia de Covid-19 afetou e mais do que a Inteligência Artificial (AI) tem revolucionado os mercados no Brasil e mundo afora.
“Nada disso vai mexer tão profundamente na forma com que as empresas vão atuar”, afirmou o executivo, que está há oito anos e meio na Accenture, depois de passagens como vice-presidente global de produtos industriais da IBM, gerente-geral de contas da HP, diretor da unidade de telco da Primesys
“A cadeia – de todos os setores – vai se transformar. Vai provocar os empresários a terem uma visão mais estratégica, de como realocar os seus ativos, a sua logística e a sua fonte de distribuição de produtos e serviços para poderem maximizar o resultado e serem competitivos”, discorreu Gorescu, formado em engenharia eletrônica pelo Instituto Mauá de Tecnologia e mestre em gerenciamento de projetos pela Georgetown University.
A votação da segunda parte da regulamentação da reforma tributária sobre o consumo deve ser votada pelo Senado na próxima terça-feira (30. A proposta regula o Comitê Gestor que vai administrar o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), permitindo a implementação de um período-teste já em 2026, conforme previsto em lei.
O IBS vai substituir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), recolhido pelos Estados, e o Imposto Sobre Serviços (ISS), dos municípios. A reforma também cria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), da União.
A intenção é simplificar o setor tributário brasileiro para gerar crescimento econômico e, consequentemente, emprego e renda. Mas não é tão simples assim, frisou Gorescu.
Para ele, as empresas terão de se reinventar, não somente para garantir compliance e proteção, mas também para proporcionar mais valor para os negócios da companhia e competitividade sobre os concorrentes.
Segundo o executivo da Accenture, para ganhar eficiência diante das mudanças tributárias, as empresas terão de revisar portfólios e estratégias de precificação, repensar os custos de fornecedores e analisar com cuidado os investimentos para transição e adaptação de sistemas, processos e pessoas.
Gorescu alertou para o fato de as terceirizações poderem aumentar, como ocorreu em mercados onde a Accenture acompanhou quando houve reformas tributárias semelhantes, como México e Índia.
“Vimos um crescimento importante da terceirização e da busca por parceiros especializados em algumas áreas de serviços dentro da cadeia produtiva”, disse, sem dar detalhes e percentuais por causa do sigilo do estudos.
Essas mudanças estratégicas nas companhias ocorreram, de acordo com o executivo, pela avaliação após as mudanças. Uma intensificação da análise conhecida como make or buy (fazer ou comprar).
Se uma empresa vai fazer um aperfeiçoamento de um processo produtivo ou de um serviço para um cliente, ela vai ter de avaliar com mais detalhamento e precisão se vale a pena fazer dentro de casa ou contratar uma empresa terceirizada para fazer. Isso já ocorre, mas será estimulado ainda mais a partir da reforma tributária.
“Às vezes, a decisão de buy é muito mais por uma questão de capital, de não querer investir para fazer a transformação, então a empresa compra de alguém que já está transformado. A partir de agora, esse grau de diferença vai ser muito menor. Assim, a tendência é que o buy seja muito maior do que o make”, disse o sócio da Accenture.
“Vai haver uma mudança em que as empresas vão poder ser mais flexíveis em termos de custo, contratar serviços a preço variável ao invés de de pessoas na folha de pagamento”, salientou Gorescu.
“As empresas que não fazem outsourcing podem passar a fazer. As que já fazem hoje, vão repensar se vão fazer mais ou menos”, acrescentou, ao ressaltar que, apesar do possível incremento da terceirização, a reforma tributária “vai ajudar o Brasil a gerar mais empregos”. Afinal, mesmo se uma empresa contrate outra para fazer certo produto ou serviço, profissionais estarão atrelados nesse processo.