Quando se fala em grandes símbolos do Brasil no cenário mundial, a usina de Itaipu quase sempre aparece entre os primeiros nomes. Erguida no rio Paraná, na fronteira entre Brasil e Paraguai, a hidrelétrica é, há quatro décadas, referência em engenharia, integração internacional e segurança energética. O empreendimento binacional responde sozinho por cerca de 9% da energia elétrica consumida no Brasil e impressionantes 75% da demanda do Paraguai. Agora, em um momento em que a transição energética se tornou palavra de ordem global, a usina prepara um novo capítulo de sua trajetória: na COP30, que será realizada em novembro em Belém (PA), Itaipu promete apresentar um conjunto de projetos capazes de reposicionar seu papel no setor e ampliar sua relevância na agenda climática internacional.
De uma usina solar flutuante no reservatório do Paraná a um barco movido a hidrogênio e a produção de combustível sustentável de aviação a partir de resíduos, Itaipu se lança ao futuro com a missão de provar que pode ser muito mais que uma hidrelétrica. Trata-se de um movimento estratégico, que dialoga tanto com os compromissos assumidos pelo Brasil de reduzir emissões de gases de efeito estufa quanto com a necessidade de explorar novos mercados energéticos.
A magnitude da operação de Itaipu impressiona em números e em impacto econômico. Desde o início de sua operação, em 1984, a usina já repassou ao Brasil R$ 41 bilhões em royalties, valor que beneficia diretamente seis estados e 347 municípios. Em média, esse repasse representa cerca de R$ 1 bilhão por ano. Não por acaso, Itaipu é frequentemente citada por prefeitos e governadores como uma das mais relevantes fontes de receita pública para investimentos em infraestrutura e serviços sociais.
Além da economia, há o reconhecimento ambiental. A ONU já concedeu à empresa o prêmio Water for Life, que destacou Itaipu como referência mundial em gestão de recursos hídricos, em linha com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030. Para especialistas do setor, essa credencial reforça a importância da hidrelétrica não apenas como fornecedora de energia, mas como agente ativo na preservação ambiental.
Um dos projetos que mais deve chamar atenção na COP30 é a usina solar flutuante em construção no reservatório da hidrelétrica. A obra, atualmente 60% concluída, prevê a instalação de 1,5 mil placas fotovoltaicas sobre a superfície da água. O investimento é de US$ 854,5 mil (cerca de R$ 4,7 milhões), realizado por um consórcio formado pela brasileira Sunlution e pela paraguaia Luxacril.
O projeto deve gerar 1 megawatt-pico (MWp), suficiente para atender ao consumo de aproximadamente 650 casas. A energia, no entanto, será usada para abastecer a própria Itaipu, reforçando a eficiência e a autossuficiência da operação.
Em entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY, Rogério Meneghetti, superintendente de Energias Renováveis da empresa, detalhou o andamento da iniciativa. “As 86 poitas de concreto, que somam cerca de 430 toneladas e garantem a fixação do sistema, já foram posicionadas no fundo do reservatório, todas georreferenciadas. Estamos avançando na montagem dos flutuadores e painéis, além da conexão elétrica que envolve transformadores e sistemas de monitoramento”.
A longo prazo, a visão é ambiciosa. Se 10% do reservatório fosse coberto por placas solares, Itaipu teria condições de dobrar sua capacidade atual de geração, passando de hidrelétrica para um complexo híbrido. O desafio, contudo, será equilibrar o potencial energético com os impactos ambientais e de navegação.
O futuro do hidrogênio
Se a energia solar representa um passo de diversificação, o hidrogênio aponta para um salto tecnológico. No Parquetec, centro de inovação instalado ao lado brasileiro da usina, Itaipu desenvolve pesquisas em hidrogênio verde, produzido a partir da eletrólise da água com uso de energia limpa. A planta piloto tem capacidade de gerar 1 quilo de hidrogênio por hora, volume suficiente para mover um carro por até 150 quilômetros.
A grande vitrine do projeto será a apresentação, na COP30, de um barco movido a hidrogênio. A embarcação, equipada com célula a combustível e motor elétrico, além de painéis solares de apoio, será usada inicialmente para coleta de resíduos em ilhas do reservatório e como plataforma para novos testes.
Segundo Alexandre Leite, diretor de tecnologias do Parquetec, o potencial é imenso: “O transporte é um dos setores que mais emite gases de efeito estufa. Nosso projeto visa demonstrar a viabilidade do hidrogênio de baixa emissão de carbono para navegação limpa, com possibilidade de adaptação para embarcações maiores. É um passo para que o Brasil se posicione como produtor estratégico desse combustível no mercado global”.
Outro trunfo de Itaipu é sua expertise em biogás e biometano, desenvolvida em parceria com o Centro Internacional de Energias Renováveis (CIBiogás). Por meio da biodigestão, resíduos orgânicos e alimentos impróprios são transformados em combustível limpo, já utilizado para abastecer veículos dentro do complexo da usina.

Mas o próximo passo é ainda mais ousado: o desenvolvimento do bio-syncrude, um óleo sintético que pode ser refinado e transformado em SAF (Sustainable Aviation Fuel), combustível sustentável para aviação. O projeto é conduzido em colaboração com a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e já despertou interesse da Petrobras, que avalia adquirir parte da produção para fomentar o mercado nacional.
Com a aviação pressionada a reduzir emissões, o SAF é visto como peça-chave na transição energética do setor aéreo, especialmente em países com potencial agrícola e de biomassa como o Brasil.

Com esse conjunto de iniciativas, Itaipu busca reforçar sua imagem como protagonista na transição energética. Ao mesmo tempo em que garante segurança elétrica a dois países, a empresa investe em inovação, diversificação de fontes e soluções de baixo carbono.
A estratégia é também uma resposta à nova realidade do setor elétrico: em um cenário em que fontes renováveis como solar e eólica crescem rapidamente, mas ainda sofrem com intermitência, Itaipu surge como ponto de equilíbrio e agora como vitrine de tecnologias emergentes.
Na COP30, o desafio da hidrelétrica será mostrar que, mesmo quatro décadas após sua inauguração, segue na vanguarda, não apenas como um gigante da engenharia do século 20, mas como referência em inovação sustentável no século 21.