“Geração não encarece a energia, mas encargos e tributos”, diz Elbia Gannoum

CEO da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) e enviada da COP30 fala com exclusividade sobre o protagonismo brasileiro na transição energética

Bruna Magatti
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Imagens: Divulgação

Elbia Gannoum: "A transição só será bem-sucedida se houver engajamento da iniciativa privada"

Elbia Gannoum: "A transição só será bem-sucedida se houver engajamento da iniciativa privada"

Elbia Gannoum, CEO da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) e enviada especial da COP30 para a energia fala com exclusividade ao BRAZIL ECONOMY sobre o protagonismo brasileiro na transição energética, o paradoxo no uso de combustíveis fósseis nesse processo e os desafios do debate que acontecerá em Belém, no Pará, em novembro. Com passagens pelo Ministério de Minas e Energia, Aneel e Eletrosul, Elbia consolidou sua carreira como uma das principais vozes da transição energética. Desde 2011, lidera a entidade que reúne empresas do setor e atua na promoção da energia renovável. Sob sua gestão, a energia eólica passou de participação marginal a elemento central na matriz elétrica brasileira, gerando mais de 200 mil empregos diretos e indiretos e movimentando cadeias produtivas em estados como Bahia, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí. Na COP30, Elbia será responsável por estabelecer pontes entre governos, setor privado e sociedade civil, para garantir que o Brasil apresente propostas robustas e práticas.

O País se destaca no cenário internacional com custos mais baixos que a média global na produção de energia solar e eólica. Quais são as ações de destaque do setor atualmente?
A principal ação é a Coalizão do Setor Elétrico, que une associações de geração, transmissão, distribuição e consumo de energia. A ideia é garantir competitividade, manter a matriz altamente renovável e promover a descarbonização da economia via eletrificação. Essa iniciativa reforça os dados da CCEE, que em 2023 mostrou uma matriz com 93% de energia renovável. O Brasil é praticamente um outlier no cenário internacional. Essa coalizão busca preservar esse diferencial e transformá-lo em vantagem comparativa global.

A senhora integra o comitê de mobilização do setor produtivo para apresentar propostas à COP30. Como estão os trabalhos?
O Brasil vive um momento único. Temos uma matriz diversificada e renovável e, ao mesmo tempo, somos anfitriões da COP30. Isso nos coloca na posição de liderar uma transformação energética, principalmente com a chegada da chamada industrialização 5.0, que exige inclusão social e baixa emissão de carbono. Nosso trabalho é aproximar o setor produtivo das discussões, porque a transição só será bem-sucedida se houver engajamento da iniciativa privada. Na Coalizão do Setor Elétrico, estamos construindo uma agenda consensual que vai desde geração e transmissão até temas como governança, subsídios, preço da energia e competitividade. O objetivo é claro: transformar a transição energética em um bom negócio. Para isso, precisamos de regulação adequada e sinais de investimento consistentes.

A produção de equipamentos renováveis ainda depende de combustíveis fósseis. Como lidar com esse paradoxo?
É verdade. A fabricação de torres eólicas ou painéis solares exige processos industriais que utilizam insumos fósseis, como carvão, especialmente na metalurgia. Mas o ciclo de vida desses equipamentos compensa: uma vez instalados, substituem energia que seria gerada a partir de fósseis. Além disso, há investimentos crescentes em cadeias de produção mais sustentáveis. O marco legal das eólicas offshore, por exemplo, já atraiu interesse de investidores internacionais. O setor está caminhando para reduzir a dependência de fósseis também na fabricação e na logística.

O Brasil ainda aposta no petróleo, mesmo sendo potência renovável. Isso não é contraditório?
É um paradoxo, sim, mas é também parte da estratégia de transição. Não basta substituir combustíveis; é preciso gerenciar a transição. O Brasil tem condições de reduzir gradualmente a dependência de fósseis sem abrir mão da segurança energética. Estamos avançando em armazenamento de energia, hidrogênio verde e modernização da matriz elétrica. O importante é acelerar essa agenda com políticas públicas claras e inovação tecnológica, garantindo que o País se mantenha competitivo e seguro do ponto de vista energético.

Se temos energia renovável abundante, por que a conta de luz continua entre as mais caras do mundo?
Porque a tarifa reflete não só o custo de geração, mas também encargos e tributos. A fatura do consumidor inclui custos de distribuição (TUSD), transmissão (TUST), encargos como CDE, CCC e ESS, além de impostos como PIS/Cofins e ICMS. Em alguns estados, os tributos chegam a representar metade do valor da conta. Ou seja, não é a geração renovável que encarece a energia, mas sim o peso de encargos e tributos embutidos na tarifa.

Segundo relatório da ONU, 666 milhões de pessoas ainda vivem sem acesso à eletricidade. Como enfrentar esse desafio?
No Brasil, o desafio é levar energia a regiões remotas, como a Amazônia. Muitas dessas áreas ainda dependem de geradores a diesel. A saída está em tecnologias emergentes, como biomassa, biogás, armazenamento e sistemas autônomos de energia renovável. O programa Luz para Todos mostra como políticas públicas podem fazer diferença. Hoje, 99% da matriz elétrica brasileira está conectada ao SIN, e apenas 1% em sistemas isolados — que, em geral, são fósseis. Expandir a geração renovável descentralizada é essencial para reduzir desigualdades regionais e emissões.

Alguns dizem que o Brasil desperdiça “oportunidades bilionárias” na economia verde, enquanto a China transformou sustentabilidade em negócio. A senhora concorda?
A China é protagonista: é grande produtora, consumidora e exportadora de tecnologia. Mas o Brasil não está parado. Temos programas como o Combustível do Futuro, a lei das eólicas offshore, o mercado regulado de carbono e o marco legal do hidrogênio verde. Além disso, o País dispõe de instrumentos financeiros que atraem capital estrangeiro. Essas políticas precisam amadurecer, mas já sinalizam que o Brasil tem mais oportunidades do que desafios. Somos uma potência energética global, e a COP30 vai deixar isso ainda mais claro.

O potencial dos biocombustíveis brasileiros pode ser prejudicado pela atual geopolítica?
A geopolítica sempre impacta energia. Mas o Brasil tem trabalhado bem. Nos últimos anos, no âmbito do G20 e dos BRICS, avançamos em certificações, no ciclo de vida dos biocombustíveis e na agenda de SAF (Sustainable Aviation Fuel) para descarbonizar a aviação. Combinado a políticas domésticas como o Combustível do Futuro e o aumento da mistura de etanol, isso garante que o Brasil siga como protagonista global nos biocombustíveis.

 

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