“O apetite por energia segue alto, mas ainda temos gargalos”, afirma Sauaia, da Absolar

Às vésperas da COP30, líder da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica enxerga como oportunidade a evolução da matriz elétrica e o papel do Brasil no avanço global das fontes renováveis

Bruna Magatti
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Imagens: Raul Pereira/Divulgação

Sauaia: "O recurso solar brasileiro é bem distribuído, de Norte a Sul, permitindo geração em todos os estados"

Sauaia: "O recurso solar brasileiro é bem distribuído, de Norte a Sul, permitindo geração em todos os estados"

Rodrigo Sauaia é uma das vozes mais influentes da transição energética no Brasil e no mundo. À frente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) e também como presidente do Global Solar Council, o executivo acompanha de perto a evolução da matriz elétrica brasileira e o avanço global das fontes renováveis. Com dados robustos em mãos e uma visão estratégica sobre o papel do país no cenário internacional, Sauaia defende que o Brasil reúne todas as condições para liderar a corrida pela energia limpa. Confira sua entrevista, a seguir:

O novo estudo da ONU/Irena mostra o Brasil com custos de solar e eólica abaixo da média global, leilões competitivos e infraestrutura em avanço. Que ações hoje mais se destacam no setor?
Em 2024, 81% de toda a nova capacidade renovável adicionada no mundo foi solar fotovoltaica. A fonte solar é protagonista da transição energética global e isso se reflete no Brasil. Trabalhamos para entregar energia limpa com investimento de qualidade e geração local de empregos, a solar cria cerca de 30 novos postos por megawatt instalado. Além disso, ajudamos a diversificar a matriz elétrica, reduzindo riscos quando há pouca chuva e aumentando a resiliência do sistema. O recurso solar brasileiro é bem distribuído, de Norte a Sul, permitindo geração em todos os estados, inclusive com pessoas e pequenos negócios produzindo sua própria energia.

Quais são as expectativas da Absolare do Global Solar Council para a COP30?
A COP30 marca 10 anos do Acordo de Paris e exige que os países elevem suas ambições nas NDCs. A ciência já mostrou que os compromissos atuais são insuficientes para manter o aquecimento abaixo de 1,5°C. Vamos celebrar também 10 anos do Global Solar Council. Hoje, a energia solar responde por mais de 7 milhões de empregos verdes no mundo. Esperamos metas alinhadas ao IPCC, porque o Brasil é particularmente vulnerável: nosso agro depende de clima e chuvas, e eventos extremos afetam cidades e o fornecimento elétrico.

O Brasil é um “país solar”, mas cada país tem condições climáticas e sociais distintas. Isso ainda é um desafio?
No passado havia o dilema “limpa x barata”. Ele acabou. A evolução tecnológica derrubou custos e, em boa parte do mundo, solar e eólica já são mais baratas do que carvão, gás, óleo e até nuclear. Ou seja: hoje, as fontes mais baratas são também as mais limpas. O gargalo não é tecnológico; é financiamento. A COP29 avançou pouco: falou-se em cerca de US$ 300 bilhões anuais, quando a necessidade é da ordem de US$ 1,3 trilhão. Dinheiro é o catalisador para implantar geração, redes, armazenamento e adaptação.

Por que a conta de luz brasileira segue entre as mais caras, apesar do nosso potencial renovável?
Cerca de 40% da tarifa são impostos e encargos. Temos custo de geração competitivo, mas o preço ao consumidor sobe acima da inflação. Por isso, cresce a busca por solar para reduzir gastos e dar autonomia. Também precisamos de mais eficiência energética e gestão da demanda: com sinalização de preços por horário, o consumidor poderia consumir mais quando a energia está mais disponível e barata e menos nos picos.

A fabricação de painéis e torres usa metalurgia e, portanto, energia, muitas vezes fóssil. A transição não aumentaria a demanda por fósseis?
Depende da matriz de cada país. No Brasil, 2024 teve cerca de 92% de eletricidade renovável, então produzir aqui é muito mais limpo do que em matrizes fósseis. E quanto mais renovável entra no sistema, mais “limpa” fica a fabricação do próximo equipamento. É um processo cumulativo de descarbonização. No caso dos módulos, cerca de 96% é reciclável (vidro, alumínio, cobre, polímeros), e a reciclagem consome muito menos energia do que produzir tudo do zero.

O Brasil ainda pretende ser relevante no petróleo. Transição gradual ou abandono dos fósseis? Como evitar estourar o “orçamento de carbono”?
Se apenas aumentarmos renováveis sem reduzir o uso de fósseis, não atingiremos as metas. Estouraremos o orçamento de carbono. A COP28 falou em “distanciamento” dos fósseis, mas os números globais ainda não mostram queda consistente no consumo. Persistem incentivos e políticas que favorecem a queima. Precisamos reorganizar prioridades, cortar subsídios ineficientes e acelerar investimentos realmente alinhados ao clima. Explorar para exportar só transfere a queima para terceiros — o desafio é reduzir as emissões totais, não deslocá-las.

Quase 700 milhões de pessoas no mundo seguem sem acesso à eletricidade. Como as renováveis podem reverter esse quadro?
Hoje, a forma mais rápida e competitiva de levar energia a regiões isoladas são microredes renováveis com baterias. O Brasil já substitui geradores a diesel em comunidades ribeirinhas por sistemas solares com armazenamento, garantindo energia 24/7, menos ruído e menos poluição. Na Amazônia, a descarbonização avança com interconexões e projetos locais. Na África, esse modelo cresce muito. Renováveis são ferramenta direta de desenvolvimento: trazem educação, saúde e empreendedorismo.

Alguns dizem que o Brasil não enxerga sustentabilidade como negócio e perde “oportunidades bilionárias”, enquanto a China virou gigante da energia limpa. Concorda?
Não. A China transformou escassez de fósseis e pressão por qualidade do ar em estratégia industrial. Mérito deles. Mas o Brasil há décadas é renovável com hidrelétricas e, nos últimos anos, diversificou muito com solar, eólica, biomassa, biogás e PCHs. Somos top 10 em várias fontes. Dito isso, temos problemas urgentes: a maior crise do setor renovável hoje é o corte de geração por falta de transmissão e escoamento. Estamos “desperdiçando” energia renovável pronta para entregar, sem ressarcimento adequado aos geradores. Isso assusta investidores e precisa de solução regulatória e de obras de rede.

A geopolítica pode travar o potencial brasileiro de liderar a transição?
Vejo mais oportunidades do que ameaças. O Brasil tem relação estratégica com EUA, China e União Europeia. Podemos ampliar intercâmbios elétricos na América do Sul e ser fornecedor de eletricidade limpa aos vizinhos, aumentando a demanda pela nossa energia competitiva. A China é grande parceira em solar, baterias, veículos elétricos e, provavelmente, hidrogênio verde e seus insumos. Parte poderá ser consumida aqui e parte exportada como amônia, etanol de baixo carbono ou produtos “verdes” como aço e alumínio. Já os EUA são relevantes em outros segmentos, com fabricantes presentes no país. No geral, a tarifa externa recente não afetou diretamente o nosso segmento, e o apetite de investimento em energia no Brasil segue alto, desde que resolvamos os gargalos de rede e regulação.

 

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