O mercado imobiliário norte-americano, historicamente visto como um dos mais importantes termômetros da atividade econômica, voltou a lançar sombras sobre o desempenho dos Estados Unidos nos próximos meses. Dados recentes apontam para uma queda acentuada nos alvarás de construção, índice considerado o “dado econômico mais crítico” para prever recessões, segundo a consultoria Moody’s Analytics. O movimento reacende o debate sobre até que ponto a economia americana conseguirá escapar de uma retração após quase dois anos de juros elevados.
Em postagens nas redes sociais, o economista-chefe da Moody’s, Mark Zandi, destacou que o indicador antecedente da consultoria, alimentado por algoritmos de aprendizado de máquina, estima em 48% a probabilidade de recessão nos próximos 12 meses. Embora esse percentual ainda esteja abaixo da marca simbólica de 50%, Zandi chamou a atenção para um ponto histórico: “A probabilidade nunca havia sido tão alta sem que a economia, de fato, entrasse em recessão”, afirmou.
Sinal amarelo
O alerta da Moody’s reflete a deterioração do setor imobiliário, um dos pilares da economia norte-americana. O mercado de habitação responde por uma cadeia extensa de atividades, da construção civil à produção de insumos como madeira, cimento e aço, passando por serviços de financiamento, corretores, arquitetos e engenheiros. Seu impacto no Produto Interno Bruto (PIB) é significativo e, justamente por isso, costuma antecipar movimentos mais amplos do ciclo econômico.
No mês passado, o Censo dos EUA informou que os alvarás residenciais de julho registraram uma taxa anual ajustada sazonalmente de 1,35 milhão de unidades, o que representa uma queda de 2,8% em relação a junho e de 5,7% frente ao mesmo período de 2024. Trata-se do menor nível desde as paralisações forçadas pela pandemia de Covid-19.
Segundo Zandi, embora as construtoras tenham tentado sustentar as vendas nos últimos meses oferecendo descontos, programas de redução de juros e outros incentivos, a combinação de estoques crescentes e demanda enfraquecida forçou um recuo. “Em resposta, os construtores estão reduzindo os projetos, e os alvarás começaram a despencar”, alertou.
Taxa de juros em foco
O desaquecimento do setor ocorre em paralelo a uma mudança no custo do crédito imobiliário. A taxa fixa de 30 anos, referência para o mercado americano, recuou de quase 7% para cerca de 6,3% nas últimas semanas. Apesar da queda, ainda não está claro se o nível atual é suficiente para estimular novas construções ou destravar as vendas.
Na avaliação de Zandi, os próximos dados de alvarás, previstos para esta semana, terão papel determinante nas decisões do Federal Reserve. “Eles certamente darão mais um motivo para que o Fed deva (e irá) anunciar um corte de juros ainda naquele dia”, projetou o economista.
De fato, a preocupação já aparece nos bastidores da autoridade monetária. A ata da reunião de julho revelou receios quanto à demanda enfraquecida, à oferta crescente e à desvalorização dos imóveis, além de apontar o mercado habitacional como risco potencial para o emprego.
Riscos adicionais
As preocupações do Fed não se limitam à habitação. O documento também mencionou riscos adicionais para o mercado de trabalho, como o avanço da inteligência artificial e as incertezas provocadas por tarifas comerciais. “Em complemento aos riscos induzidos por tarifas, potenciais riscos de queda para o emprego incluíram um possível aperto das condições financeiras devido ao aumento dos prêmios de risco, uma deterioração mais substancial no mercado imobiliário e o risco de que o uso crescente de IA no local de trabalho reduza a oferta de empregos”, destaca a ata.
Ou seja, a perda de dinamismo no setor imobiliário soma-se a outros fatores que, em conjunto, podem pesar na trajetória da economia americana em 2025.
Investimento residencial em queda
A preocupação de Zandi encontra respaldo em outro indicador histórico. O economista Ed Leamer, professor da UCLA falecido em fevereiro, ficou conhecido por seus estudos que apontavam o investimento residencial como o melhor antecedente de recessões. Sua tese ganhou notoriedade em 2007, pouco antes da crise financeira global, quando observou que a retração na construção e no financiamento de casas sinalizava a tempestade que se aproximava.
Hoje, os dados confirmam essa visão. No segundo trimestre de 2025, o investimento residencial recuou 4,7%, acelerando a queda em relação ao primeiro trimestre, quando já havia encolhido 1,3%. A magnitude do recuo sugere que o setor pode estar novamente desempenhando o papel de prenúncio de uma desaceleração mais ampla.
Impactos globais e paralelos com o Brasil
O enfraquecimento do mercado imobiliário nos Estados Unidos não interessa apenas aos norte-americanos. Como maior economia do mundo, seus ciclos influenciam fluxos de capitais, preços de commodities e expectativas de crescimento global. Uma recessão americana poderia reduzir a demanda por exportações brasileiras, pressionar o câmbio e aumentar a volatilidade nos mercados financeiros locais.
Além disso, a situação chama atenção porque o Brasil também convive com desafios semelhantes em seu setor habitacional. O aumento dos juros básicos, embora em trajetória de queda desde 2023, encareceu o crédito imobiliário e reduziu a capacidade de compra das famílias. Dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) mostram que o volume de financiamentos habitacionais encolheu em 2024, refletindo a combinação de renda pressionada e custos elevados.
Assim como nos EUA, programas de incentivo (no caso brasileiro, o Minha Casa Minha Vida) têm sido fundamentais para sustentar parte da demanda. Mas especialistas alertam que, sem melhora consistente na renda e nas condições de crédito, a recuperação do setor será limitada.
O que esperar
Nos próximos meses, a trajetória dos alvarás de construção nos EUA será acompanhada de perto por analistas e investidores. Um novo recuo poderá consolidar a percepção de que a economia caminha para uma retração, obrigando o Fed a reagir com cortes mais agressivos de juros. Por outro lado, sinais de estabilização poderiam aliviar as expectativas e prolongar o atual ciclo de crescimento, ainda que moderado.
Independentemente do desfecho, o alerta já foi dado. Para Zandi, os números mais recentes representam um “sinal vermelho” de que a economia americana pode estar à beira de uma contração. E, se a história servir de guia, o mercado imobiliário mais uma vez cumprirá seu papel de bússola antecipada da economia.