Interior de São Paulo se prepara para ter o maior centro de tecnologia nuclear em saúde

Com investimento de R$ 6 bilhões, reator nuclear será construído em Iperó e deverá auxiliar brasileiros a conseguirem melhores remédios para o tratamento de câncer

Bruna Magatti
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Imagens: Divulgação

Sítio do Empreendimento Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), em Iperó (SP)

Sítio do Empreendimento Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), em Iperó (SP)

O maior centro de tecnologia nuclear do Brasil será em Iperó, município da Região Metropolitana de Sorocaba. O Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), quando definitivamente implantado, traz a expectativa de se consolidar como um marco de sustentabilidade, inovação científica e tecnológica, além de promover o desenvolvimento de aplicações nucleares para a sociedade. O projeto representa ainda o avanço do país na construção de uma infraestrutura nuclear de ponta, fortalecendo a autonomia, a segurança e o progresso tecnológico essenciais para o desenvolvimento nacional.

A decisão foi anunciada em uma solenidade realizada no dia 24 de fevereiro, que marcou o início das obras de infraestrutura do RMB e contou, inclusive, com a presença da ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Luciana Santos, do presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Francisco Rondinelli Junior, e dos coordenadores técnicos do projeto, José Augusto Perrotta e Patrícia Pagetti. O investimento no projeto pode variar entre R$ 3 bilhões e R$ 6 bilhões. As obras estão previstas para serem concluídas em até cinco anos e devem gerar cerca de mil vagas de emprego nos setores relacionados aos prédios e laboratórios da unidade.

O RMB terá diversas finalidades, entre elas: produção de radioisótopos para uso na medicina e na indústria; testes de materiais e combustíveis nucleares para reatores de potência; utilização de feixes de nêutrons para pesquisa científica e tecnológica em diferentes campos da ciência; análise por ativação neutrônica; produção de traçadores para aplicação em pesquisas na agricultura e no meio ambiente; formação na área nuclear e treinamento de pessoal para operação e manutenção de reatores de potência. O projeto do MCTI conta com a colaboração de diversas instituições, incluindo a Fundação Pátria (Parque de Alta Tecnologia da Região de Iperó e Adjacências), Amazul, Intertechne, Walm, Tractebel e Schunck, além da Invap, da Argentina.

O RMB será construído em Iperó, junto ao Centro Experimental de Aramar, onde já é desenvolvido o protótipo do submarino nuclear brasileiro. Somado a Aramar, o reator fará com que o município da região de Sorocaba se torne o maior polo de desenvolvimento de tecnologia nuclear do país. Além do reator e de toda a infraestrutura, futuramente serão construídos em Aramar laboratórios para estudo de fusão nuclear, aceleradores de partículas, lasers de alta potência e unidades para o desenvolvimento e produção de radiofármacos.

Os benefícios para a medicina

Os radiofármacos possibilitam que médicos observem o funcionamento de órgãos e tecidos vivos por meio de imagens como tomografias, radiografias e cintilografias. A tecnologia está presente em diversas áreas médicas, como cardiologia, oncologia, hematologia e neurologia. Com ela, é possível realizar diagnósticos precisos de doenças e complicações, como embolia pulmonar, infecções agudas, infarto do miocárdio, obstruções renais e demências, além de ser uma das melhores formas de detectar câncer.

Anualmente, no Brasil, são realizados cerca de 2 milhões de procedimentos médicos usando radiofármacos, sendo que somente o Sistema Único de Saúde (SUS) responde por 30% da utilização nacional. Isso representa um terço das necessidades e ocasiona um gasto de milhões de dólares com a importação dos radioisótopos necessários para a produção desses insumos.

Com o RMB, o país atingirá a autossuficiência no setor, gerando significativa economia de divisas. Além disso, o excedente da produção poderá ser exportado, já que existem poucos reatores desse porte no mundo, enquanto a demanda por radioisótopos cresce continuamente. Assim, o Brasil poderá se tornar um centro de referência em medicina nuclear, atraindo investimentos das áreas de saúde, ensino e pesquisa.

Pesquisadores, estudantes e profissionais de diferentes áreas deverão buscar oportunidades de participar das atividades do RMB, o que, naturalmente, promoverá a formação de uma geração de mão de obra especializada para a área nuclear. O reator deve facilitar o desenvolvimento de radiofármacos, ampliando as possibilidades de tratamento de um maior número de doenças para mais pessoas e a um custo cada vez menor.

Desde 2009, o Brasil enfrenta dificuldades de abastecimento de radioisótopos, após o reator canadense responsável por 40% da produção mundial — e por toda a demanda brasileira — parar de funcionar.

A seguir, entrevista com Gabriela Borsatto, coordenadora-geral de Aplicações das Radiações Ionizantes e responsável pela Coordenação da Gestão do RMB, que falou ao BRAZIL ECONOMY sobre o tema.

abriela Borsatto, coordenadora-geral de Aplicações das Radiações Ionizantes
Gabriela Borsatto, coordenadora-geral de Aplicações das Radiações Ionizantes


Com o maior centro de tecnologia nuclear do Brasil sendo construído em Iperó para o Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), o país poderá alcançar uma grande conquista científica e mudar os atuais números da saúde e da economia. Poderia nos contar mais sobre os benefícios do RMB?
O Reator Multipropósito Brasileiro (RMB) será um divisor de águas para a medicina nuclear no Brasil. Hoje, mais de dois milhões de exames por ano dependem de radiofármacos derivados do Molibdênio-99, um insumo essencial para o diagnóstico de doenças como câncer, problemas cardíacos e distúrbios neurológicos. Atualmente, o Brasil depende da importação desse radioisótopo, o que gera riscos de desabastecimento e instabilidade no atendimento à população, como ficou evidente durante a pandemia de COVID-19 e em crises geopolíticas recentes. Com o RMB, o país conquistará autossuficiência na produção de Mo-99 e de outros radioisótopos usados em diagnóstico e terapia. Isso garantirá segurança, continuidade e autonomia para a medicina nuclear brasileira, beneficiando diretamente pacientes do SUS e da rede privada em todo o território nacional. Além da produção dos insumos, o RMB permitirá o desenvolvimento de novos radiofármacos para diagnósticos mais precisos e tratamentos inovadores, fortalecendo o complexo econômico-industrial da saúde. O projeto também impulsionará a capacitação de profissionais e a infraestrutura tecnológica necessária para um sistema de saúde mais moderno, seguro e acessível. Ao viabilizar a produção nacional em escala e com qualidade internacional, o RMB reduzirá custos, eliminará dependências externas e ampliará o acesso da população a exames e terapias que salvam vidas. Trata-se de uma conquista histórica, com profundo impacto no cuidado com a saúde dos brasileiros.


E qual é a expectativa do uso do urânio para o futuro?
O Reator Multipropósito Brasileiro (RMB) é um reator de pesquisa, e não um reator de potência. Isso significa que ele não será utilizado para gerar eletricidade, mas sim para fins científicos, médicos e industriais. O uso do urânio no RMB é restrito à fabricação do combustível nuclear necessário para o funcionamento do próprio reator, em quantidade controlada e com fins exclusivamente pacíficos. Esse combustível é produzido no IPEN/CNEN, com urânio levemente enriquecido (abaixo de 20%), seguindo padrões internacionais de segurança e não proliferativos. O RMB tem como objetivo principal a produção de radioisótopos para uso na medicina nuclear, a realização de pesquisas científicas com feixes de nêutrons e a qualificação de materiais. Toda sua operação é regulada por normas rigorosas e fiscalizada por autoridades competentes.


O urânio tem um papel importante na geração de energia limpa no Brasil — em comparação com fontes como o carvão —, mas sua exploração e uso acabam trazendo preocupações sobre riscos ambientais e sociais, principalmente para os moradores da região do interior de São Paulo, onde o urânio é abundante. Como os estudos estão sendo conduzidos para atender também a esse quesito?
O Reator Multipropósito Brasileiro (RMB) é um reator de pesquisa, e não de potência. Isso significa que ele não será utilizado para geração de energia elétrica, tampouco está associado a qualquer tipo de exploração de urânio na região do interior de São Paulo. O combustível que será utilizado no RMB vem sendo fabricado no IPEN/CNEN, em São Paulo, com urânio levemente enriquecido (inferior a 20%), em pequenas quantidades, sob controle estrito e de acordo com normas internacionais de segurança. O projeto não demanda mineração local de urânio, e sua operação será realizada com todas as licenças ambientais e nucleares exigidas pelos órgãos competentes, como o Ibama e a CNEN. Além disso, o sítio onde será construído o RMB, em Iperó, já possui Licença de Instalação emitida pelo Ibama, após rigorosos estudos ambientais, incluindo a execução de Programas de Gestão e Monitoramento Ambiental para garantir o mínimo impacto à região.

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