Gigante de componentes e sistemas automotivos, a ZF carrega uma história de 110 anos, completados em agosto, e a tradição alemã de processos e gestão. São 160 mil funcionários espalhados por 161 unidades de produção em 30 países. Tudo isso, somado ao fato de o setor de atuação da companhia ser majoritariamente masculino, torna o feito de Fernanda Giacon admirável. A brasileira passou por um processo de seleção interno e foi escolhida para comandar a área que vai criar marketplaces B2B da empresa pelo mundo, a partir de um hub em Barcelona, na Espanha. Foi a única sul-americana e mulher a participar da seletiva.
Como gerente sênior de excelência comercial, clientes e estratégia, Fernanda se destacou na ZF Brasil ao liderar projetos que contribuíram para a digitalização da corporação e do segmento.
Essas iniciativas criadas nos últimos anos incrementaram o faturamento da ZF na América do Sul, de 1,38 bilhão de euros no ano passado. Globalmente, a receita da corporação foi de 41,4 bilhões de euros em 2024. No primeiro semestre deste ano, foram 19,7 bilhões de euros em vendas pelo mundo.
Best pratice global
Do escritório da ZF em Barcelona, que atua como centro de digitalização da empresa na Europa, Fernanda será responsável por montar a operação do zero, ao liderar a estruturação de equipes e processos e estabelecer metas.
Por lá, já existe a parte de diagnósticos, telemetria e plataforma de agendamento de oficinas. A executiva brasileira vai iniciar a montagem do marketplace para a Europa e outros países da Ásia. Também continuará responsável pelo projeto no Brasil, implementado dois anos atrás e que agora é considerado best practice global.

“Meu desafio é levar o aprendizado que tivemos no mercado brasileiro para outras regiões do mundo”, disse ao BRAZIL ECONOMY a executiva natural de Limeira, interior de São Paulo, que está há 23 anos na ZF Brasil, com sede em Sorocaba (SP).
Formada em Marketing pelo Instituto Superior de Ciências Aplicadas e com MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getulio Vargas (FGV), seu trabalho inicial na Europa será entender a dinâmica dos mercados de cada país. A partir disso, implementar os primeiros marketplaces no ano que vem.
Jornada parecida com a que fez no Brasil, quando iniciou o marketplace ZF [pro] Parts, em 2023. São 10,3 mil oficinas cadastradas na base, que se conectam com os fornecedores de autopeças e geram 2.000 pedidos por mês. As entregas são feitas em até duas horas.
Caminhos desbravados
Para chegar a esse patamar, foi preciso desbravar alguns caminhos. O primeiro deles: a cultura interna da companhia. Com bons argumentos e o jeitinho brasileiro de expor as ideias, Fernanda convenceu os alemães a venderem produtos de concorrentes. Imagine a “tela azul” na cabeça dos executivos do headquarter quando ouviram essa proposta pela primeira vez.
“Quando está conectado a um programa para resolver o problema do cliente, é preciso quebrar esses paradigmas, pois as necessidades têm de ser atendidas, seja com peças da ZF ou de outras marcas”, explicou Fernanda, que se mudou para a Espanha com a família – marido e dois filhos, um rapaz de 18 anos e uma menina de 11.
O outro caminho aberto pela executiva foi o da digitalização do setor, que conta com 80 mil oficinas no território brasileiro e um nível muito baixo de inovação. Algumas startups atuam para conectar os players por meio da tecnologia, mas, neste caso, o tamanho e a tradição da ZF jogaram a favor.
As mais de 10 mil oficinas do marketplace da ZF têm no cardápio digital 600 mil peças à disposição, oferecidas por 100 sellers do segmento. Entre as mais vendidas estão óleo e pneus. Itens de motor de diversos modelos de veículos, injeção eletrônica e amortecedores também estão no mercado virtual da ZF.
A dinâmica de compra e entrega, além de diversos outros dados fornecidos pela plataforma, fazem parte da experiência dos usuários, complementada por outras soluções que integram o marketplace.
“Informações do estoque e de preço de vários varejistas e distribuidores agilizam muito o dia a dia da oficina mecânica. Na jornada normal, o mecânico enviaria mensagem ou ligaria para vários fornecedores. Ter tudo isso disponível em um único lugar otimiza demais a busca da oficina pelos produtos e reduz o tempo do carro parado para conserto”, destacou a especialista em aftermarket automotivo.

Outro diferencial apontado é a procedência e qualidade das peças comercializadas, segundo a executiva. Enquanto no Mercado Livre, o principal vendedor de peças automotivas do País, qualquer comércio ou pessoa pode vender produtos, no marketplace da ZF as oficinas e fornecedores passam por um crivo.
“Nós somos corresponsáveis, pois validamos os sellers que estão vendendo e as peças comercializadas também”, frisou Fernanda, que liderou outras iniciativas que ajudaram na digitalização do setor no Brasil.
Um deles é o Amigo Bom de Peça, programa de treinamentos online criado em 2017 e que se tornou benchmarking para o mundo. Já se inscreveram 40 mil mecânicos, que geraram 9 milhões de visualizações dos 150 vídeos disponíveis. “Conseguimos criar um canal de comunicação muito forte com as oficinas, usando as mídias sociais para ampliar esse engajamento”, afirmou Fernanda, sobre os conteúdos que vão desde informações técnicas de manutenção, instalação e peças até gestão de oficinas, parte fiscal e contato com o cliente.
A executiva também atuou na formulação da aplicação de agendamento de serviços das oficinas por meio do Google. Quando a pessoa encontra no buscador uma das 10,3 mil oficinas cadastradas na plataforma da ZF, já é aberta a possibilidade de agendamento de datas e horários.
Evolução do setor
O movimento da ZF com vistas à digitalização do setor está alinhado com a evolução do mercado. Pesquisa da Frost & Sullivan aponta que as vendas online do aftermarket automotivo somam 11% no mundo – e vêm aumentando.
A América do Norte, maior mercado de comércio digital de peças, movimenta US$ 25 bilhões por ano. A estimativa é crescer 9% nos próximos cinco anos. Na Ásia, são US$ 10 bilhões em vendas online, com perspectiva de 25% de aumento até 2030. No Brasil, a projeção é de crescimento de 17%, chegando a US$ 7 bilhões nos próximos cinco anos.
“Os mecânicos vão comprar cada vez mais online. É um caminho sem volta. A dúvida é: quem vai conseguir conectar melhor a parte da logística, preço, custo e plataforma para atender o mercado e ter mais sucesso?”, salientou Fernanda.
Avanço feminino
Fernanda Giacon quebrou paradigmas ao convencer os alemães a venderem produtos de concorrentes dentro de sua plataforma. Assim como rompeu muros ao ser uma mulher de destaque em um segmento corporativo dominado por homens.
Acostumada a participar de reuniões com muito mais “eles” do que “elas” – “mas isso tem mudado ao longo dos anos” –, Fernanda sabe de sua responsabilidade no cargo e também na referência que se tornou para outras meninas seguirem carreira executiva na empresa e no setor.
“Tenho observado mudanças ao longo dos últimos anos, de postura inclusive. Há um avanço feminino em todos os elos da cadeia. As próprias oficinas evoluíram bastante e possuem cada vez mais mulheres ingressando, principalmente na parte de atendimento, de compras e de gestão”, disse a executiva brasileira.
A evolução citada pela executiva é constatada na pesquisa da Oficina Brasil. O levantamento mostra que a presença das mulheres na reparação automotiva cresceu de 5% em 2019 para 16,5% em 2025, um avanço de 230%. Entre os reparadores com até 24 anos, 43% já são mulheres.
O caminho delas está sendo percorrido. O de Fernanda Giacon mostrou que não basta digitalizar processos: é preciso também transformar culturas.