Classe média encurralada: juros e crédito inacesível travam mercado de imóveis

Quem tem capital prefere deixá-lo na renda fixa, com retornos acima de 15% ao ano e sem riscos. Investir em imóveis, ativos reais que perderam atratividade

Antonio Setin*
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Imagens: Paulo Brenta/Divulgação

Antonio Setin: "Estamos presenciando uma retração nos lançamentos e na oferta porque não se consegue viabilizar"

Antonio Setin: "Estamos presenciando uma retração nos lançamentos e na oferta porque não se consegue viabilizar"

O debate sobre os juros altos está em toda parte (mídia, redes sociais, fóruns especializados), mas o impacto real sobre quem ocupa o centro da pirâmide social tem sido pouco discutido. Tenho refletido com frequência sobre o financiamento imobiliário no Brasil, especialmente no que se refere à classe média. Na prática, estamos afastando essa importante parcela da população do mercado formal de habitação. E, se nada for feito, essa exclusão poderá trazer reflexos negativos para a economia durante décadas.

A conta simplesmente não fecha mais. Um imóvel que custava R$ 1 milhão em 2020 hoje vale cerca de R$ 1,3 milhão, refletindo o aumento de mais de 60% no custo da construção. Essa alta foi impulsionada por fatores amplamente conhecidos, como pandemia, guerra, gargalos logísticos e inflação nos insumos. Até aqui, nada fora do previsto. O problema real é que, paralelamente, a taxa de juros chegou a mais de 14% ao ano, o que praticamente dobrou o valor das prestações. Enquanto isso, a renda do comprador médio não acompanhou esse movimento. Pelo contrário: a inflação do dia a dia (educação, energia, serviços, alimentação) apertou ainda mais o orçamento familiar. Não há mágica possível.

Para agravar o cenário, quem tem capital disponível prefere deixá-lo na renda fixa, com retornos acima de 15% ao ano e sem riscos. Investir em imóveis, negócios ou ativos reais perdeu atratividade. O investidor está em uma zona de conforto, enquanto quem precisa de crédito se vê encurralado, sem conseguir absorver o novo custo do financiamento. Essa equação, a meu ver, é o verdadeiro cerne do problema.

O maior entrave está no funding, o dinheiro que sustenta os financiamentos de longo prazo, como os imobiliários. O crédito de longo prazo e o baixo custo praticamente desapareceram. A poupança tem cada vez menos adesão, diminuindo os recursos disponíveis, e o FGTS, tradicionalmente voltado à base da pirâmide, está sobrecarregado. Ao mesmo tempo, boa parte da classe média, que mais precisa desse apoio, atua como pessoa jurídica, sem contribuição ao fundo. É um sistema em colapso, ainda sem uma alternativa viável.

Muitos me perguntam sobre o recente aumento do teto do programa Minha Casa Minha Vida para R$ 500 mil. Sou direto: isso não resolve. Pode até funcionar em cidades de porte médio, mas em metrópoles como São Paulo ou Rio de Janeiro não representa a realidade da classe média. Um imóvel bem localizado, com dois dormitórios, custa por volta de R$ 1 milhão. O novo teto soa mais como resposta política do que como solução estrutural.

As consequências desse desequilíbrio são graves. Estamos presenciando uma retração nos lançamentos e na oferta porque não se consegue viabilizar produtos para esse segmento. Quando, no futuro, os juros caírem e o crédito voltar a ser acessível, a demanda reprimida encontrará um mercado com baixa oferta. O resultado será um salto nos preços e, mais uma vez, a classe média ficará de fora. Já vimos esse filme em outros setores: basta lembrar o que ocorreu com o arroz e o feijão em momentos de escassez. Com moradia, o efeito tende a ser ainda mais perverso.

Não é por falta de diálogo. Participo há anos de reuniões com representantes do setor e do governo em busca de alternativas. Até agora, nenhuma proposta viável surgiu sem depender de subsídios. Hoje, falar em subsídio virou quase um tabu. A única saída plausível seria uma política fiscal responsável, com sinalização clara de equilíbrio das contas públicas, corte de gastos e controle da dívida. Se a Selic recuar a patamares sustentáveis, a engrenagem volta a girar. Sem isso, permaneceremos nesse ciclo vicioso: juros altos, crédito inacessível, baixa produção e preços represados.

Neste momento, não vejo solução concreta sem uma mudança de postura firme. O funding privado é insuficiente, o FGTS está se esgotando e o tempo trabalha contra. Se esse cenário se prolongar por mais um ou dois anos, a recuperação será lenta, cara e desigual. A classe média, historicamente o motor do setor imobiliário, está sendo deixada para trás. E isso deveria acender um alerta urgente.

*Antonio Setin é fundador e presidente da Setin Incorporadora

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