Casa quitada é dinheiro na mão? Sim, mas há um perigoso lado B do Home Equity no Brasil

Poucos percebem que a realidade brasileira é bem diferente daquela que sustenta o sucesso da modalidade de crédto no exterior. Juros altos e instabilidade são ameaças

Daniel Gava*
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Imagens: Divulgação

"Antes de trocar o lar por uma nova dívida, é preciso sempre pensar que, às vezes, o preço pode ser a perda da própria casa"

"Antes de trocar o lar por uma nova dívida, é preciso sempre pensar que, às vezes, o preço pode ser a perda da própria casa"

O Home Equity, também conhecido no país como CGI (Crédito com Garantia de Imóvel), é uma das modalidades de crédito que mais têm crescido no Brasil. Nele, o tomador é agraciado com o montante financeiro oferecendo seu imóvel como garantia. Trata-se de uma prática comum em economias desenvolvidas, como a dos Estados Unidos, onde trilhões de dólares são movimentados anualmente e pelo fato de ser vista como uma ferramenta consolidada de alavancagem financeira.

Por aqui, a modalidade começou a ganhar espaço a partir de 2006, quando o CMN (Conselho Monetário Nacional) autorizou instituições financeiras a oferecer financiamentos com garantia de hipoteca ou alienação fiduciária. Para aterrissar em solo brasileiro, a proposta foi “tropicalizada” visando à adaptação à realidade local, porém manteve o mesmo princípio básico de transformar o patrimônio imobiliário em capital líquido.

Os resultados, desde então, são surpreendentes. Segundo dados da Abecip (Associação Brasileira de Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança), entre 2019 e 2023 a carteira de CGI cresceu mais de 80% no país, saltando de R$ 10 bilhões para R$ 18,8 bilhões. Um avanço expressivo que sinaliza bem o interesse crescente da população por essa modalidade de crédito.

Aliás, é justamente aí que mora uma questão perigosa sobre o CGI. Poucos percebem que a realidade brasileira é bem diferente daquela que sustenta o sucesso do Home Equity no exterior. Enquanto lá fora as taxas de juros mais baixas e a estabilidade econômica tornam o modelo previsível e seguro, aqui o contexto apresenta justamente o inverso, já que temos juros altos, renda instável, inflação fora da meta e economia volátil.

Dessa forma, a verdade é que, na maioria dos casos, o Home Equity se apresenta como uma solução tentadora, mas carregada de muitas armadilhas camufladas. Ao entregar seu imóvel como garantia, o consumidor se expõe a um risco máximo: a perda do bem em caso de inadimplência. E, em um país onde a renda média é baixa e a volatilidade econômica é alta, a probabilidade de tal desfecho não pode nunca ser ignorada.

Além disso, vale ressaltar que o processo de “tropicalização” desse modelo de crédito não apenas corrigiu as diferenças contextuais entre os mercados, como acabou incorporando também uma nova e densa camada de custo. Instituições financeiras nacionais encontraram espaço para embutir, além dos juros e da correção pelo IPCA, taxas no processo, como as tarifas de abertura de cadastro (TAC) e seguros obrigatórios, como MIP e DFI, entre outros encargos “invisíveis” que elevam o custo da operação. Na prática, o crédito fica ainda mais caro e menos vantajoso para o tomador.

Diante do custo de capital e dos riscos elevados, cabe fazer a reflexão: será que não é mais vantajoso considerar alternativas menos agressivas? Reduzir o padrão de vida (downgrade) ou trocar o imóvel por outro de menor valor (downsize) são exemplos de formas mais seguras de liberar recursos sem comprometer o patrimônio com dívidas caras. Na prática, é fato que o apelo emocional costuma falar mais alto, fazendo com que muitos recorram ao Home Equity como uma saída rápida. Mas o que muitos não sabem é que esse tipo de crédito pode se tornar um grande problema a longo prazo para aqueles que não têm um recebimento relevante e pontual no horizonte do prazo do crédito.

Não se trata de demonizar a modalidade. Em casos específicos, como para quem aguarda uma herança ou tem fluxo de crédito futuro garantido, o Home Equity pode perfeitamente fazer muito sentido e ser um produto útil, ainda que seja caro. Porém, perceba como são cenários de exceção, não de regra. Para a grande maioria, o produto tende a se transformar em um risco desproporcional em relação ao benefício.

O consumidor brasileiro precisa estar ciente de que, no contexto atual, o Home Equity não é a “mina de ouro” que parece. Hoje, o mercado já oferece alternativas aos produtos de crédito, mesmo atrelados a uma garantia imobiliária, menos burocráticas, com taxas mais equilibradas e, sobretudo, que não comprometem integralmente o imóvel em caso de inadimplência.

Em um mercado como o brasileiro, onde crédito caro e instabilidade caminham lado a lado, a pressa para transformar patrimônio em dinheiro pode custar muito mais do que se imagina. Antes de trocar o lar por uma nova dívida, é preciso sempre pensar que, às vezes, o preço pode ser a perda da própria casa.

*Daniel Gava, CEO e fundador da proptech Rooftop, especializada em HomeCash

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