“Brasil só tem a ganhar com tarifa de 50% imposta por Trump”, diz VP do Bank of China

Hsia Hua Sheng acredita ainda que joint venture é a grande sacada para empresas brasileiras que querem fazer negócio com o mercado chinês

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Imagens: Divulgação

Hsia Hua Sheng, VP do Bank of China: "Polos tecnológicos chineses são melhores que o Vale do Silício"

Hsia Hua Sheng, VP do Bank of China: "Polos tecnológicos chineses são melhores que o Vale do Silício"

Hsia Hua Sheng é uma das principais referências do mercado acadêmico e corporativo brasileiro quando o assunto é a relação entre China e Brasil. Nascido na ilha de Taiwan, Sheng veio para o Brasil com 12 anos de idade, quando Mao Tsé-Tung já tinha morrido e levado com ele a ideia de uma China fechada ao comércio internacional que tanto pautou a Revolução Comunista naquele país. Desde 1976, quando o governo foi assumido por Deng Xiaoping, a abertura do mercado chinês ao sistema internacional financeiro e de comércio foi amplo, irrestrito e irreversível, tendo se tornado o maior parceiro comercial do Brasil desde o início da década de 2010.

Sheng construiu uma carreira acadêmica de sucesso no Brasil, onde leciona na FGV há mais de 20 anos na área de finanças internacionais. Em 2020, quando o mundo tinha acabado de entrar na pandemia, foi contratado como CFO do Bank of China e, pouco depois, se tornou vice-presidente, cargo que ocupa até hoje. O executivo falou com exclusividade ao BRAZIL ECONOMY sobre o atual momento da relação entre Brasil e China e as oportunidades de negócios que o país asiático oferece.

Como você enxerga a evolução do relacionamento comercial entre Brasil e China?
Ele ficou mais forte no final da década de 1990. Além das commodities que tem um peso grande na balança, como minérios, petróleo e gás, eu destaco que depois de 2010 começou um viés mais intenso de investimento direto da China no Brasil, como mostram algumas empresas de bens duráveis como um todo. As companhias que mais se deram bem no mercado brasileiro, considerando essa linha de investimento, foram as de eletrodomésticos, telefonias, infraestrutura e também de serviços por meio do Bank of China. É a época da chegada de grandes empresas chinesas que já fazem parte da sociedade brasileira, como 99 e Ali Express. Já nos últimos anos, o mercado chinês tem visto com ótimos olhos o potencial brasileiro para indústrias de energia renovável, como solar e eólica, o que leva finalmente a chegada dos carros elétricos que devem ser muito utilizados no futuro.

Porém, eu acredito que, no momento, a grande sacada de modelo de negócios para os dois países em termos de investimentos diretos é o modelo de joint venture já que, para a China, é bom ter parceiros brasileiros inclusive para chegar em outros países da América Latina. É uma maneira de seguir o sucesso da joint venture da CAOA CHERY.

O Brasil tem mais a ganhar ou perder se aproximando do BRICS considerando que isso pode gerar descontentamento ao presidente Donald Trump?
Acredito que o Brasil tem mais a ganhar com a aproximação com o BRICS.  Temos que lembrar que o Brasil não vai deixar de se relacionar com os EUA por causa do bloco de emergentes, ou seja, não é necessariamente uma escolha já que é bem possível se relacionar com diversos mercados. Claro que a relação com o governo dos EUA é mais antiga, mas o Brasil deve buscar novos mercados e  isso só traz benefícios para as empresas brasileiras que a médio e longo prazo vão se integrar cada vez mais na cadeia global de suprimentos.

E como a relação entre China e Brasil pode se potencializar com a tarifa de 50% imposta por Trump aos produtos brasileiros?
Vejo essa questão como um problema de curto prazo, já que as empresas atualmente precisam correr atrás de novos mercados. Mas, o país está aumentando suas exportações para a Argentina, Rússia, África e bloco da ASIAN, que engloba países do sudeste asiático. Ou seja, pode ser uma grande oportunidade no sentido de buscar novos parceiros nas próximas décadas. Acredito que o Brasil só tem a ganhar com a tarifa de 50% imposta por Trump.

Muito se fala no Brasil sobre a situação interna da China que seria governada por um regime autoritário. Isso afeta o ambiente de negócios por lá?
Acho que cada país tem o direito de escolher sua forma de relação com a política. Para os chineses o regime que vigora lá não é autoritário já que permite a proteção da classe média, emprego, renda e uma possibilidade de acumular 50% de poupança. Aliás, brasileiros nem precisam de visto para entrar na China. Que país autoritário é esse que permite que as pessoas de um país entrem lá quando querem sem precisar de visto? A prova disso é que as TVs brasileiras mostram a sociedade chinesa sempre que querem, sem qualquer represália. Sobre o ambiente de negócios na China posso garantir que é totalmente propício para as empresas, sem qualquer interferência política do regime.

O governo chinês é entusiasta da construção de polos tecnológicos. Como o senhor vê esse movimento?
O maior potencial está em Hangzhou, próximo de Xangai, que tem grande potencial de crescer ainda mais do que já se estabeleceu, uma vez que concentra muitas opções de Private Equity, muitos escritórios de boas empresas e que são próximas das melhores universidades de tecnologia da China. Esse ecossistema já faz parte de cadeia produtiva de inovação tecnológica do mercado chinês e que vem se internacionalizando cada vez mais, não apenas por pesquisadores locais, mas também por meio da atração de estrangeiros com mentes brilhantes.

O senhor acha que os polos tecnológicos chineses tem o potencial de competir com os dos EUA?
Eu diria que os polos chineses podem ser considerados melhores que o Vale do Silício, já que no caso desse polo nos EUA existe um foco grande em desenvolvimento de software e não tem muita integração com hardwares. Já na China damos uma especial atenção aos dois formatos, inclusive na produção de chips e investimento em Inteligência Artificial.

E como o Brasil pode aproveitar a boa relação com a China para se aproximar ainda mais destes centros tecnológicos?
Muitas universidades brasileiras e chinesas estão fazendo convênios com centros tecnológicos para atrair mentes brilhantes do Brasil com o objetivo de trocar experiências e fazer intercâmbio entre membros destes centros de pesquisas. Por isso que incentiva-se que muitos brasileiros estudem em universidades chinesas e também se relacionem com empresas de lá, já que é um ótimo lugar no sentido de fazer negócios.

Até pouco tempo, a China era conhecida pela total falta de cuidado com questões ambientais, mas hoje a pauta ESG é importante para as diretrizes de muitas empresas locais. De que maneira isso impacta a relação das empresas chinesas com as de outros países?
A China faz parte da cadeia produtiva global e isso faz os fornecedores contratados pelas indústrias locais a seguirem esse padrão, já que o financiamento segue nessa linha. Só aí o conceito de ESG já se espalha por outros países. A China é atualmente o país que mais se compromete com isso. As metas dos governo são claras para reduzir a emissão de gases nocivos e garantir maior descarbonização e o país tem um dos menores índices de poluição se compararmos com os anos anteriores. Além disso, um dos principais objetivos do governo chinês é reduzir a dependência do carvão, por isso investe-se tanto em práticas ambientais para alcançar a energia limpa.

Como o senhor vê o atual momento dos carros elétricos chineses no Brasil? É um cenário promissor?
É uma forma de trazer mais oportunidades para a cadeia produtiva do Brasil, abrindo espaço para fornecedores de peças. Afinal, a tecnologia feita para um carro elétrico é diferente de um carro movido a gasolina ou etanol, então isso exige que o Brasil invista nessas novas tecnologias para que essas peças modernas sejam adaptadas para o novo formato. Vejo o mercado brasileiro com alto potencial para este setor, como mostra a chegada das grandes montadoras como BYD e GWM, mas também pequenas e médias empresas chinesas fornecedoras de autopeças que aportaram no país por meio de joint ventures, o que só traz mais trabalho e renda ao Brasil.

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