BC vai iniciar corte da Selic neste ano, mas risco fiscal ameaça a queda, avalia Acrefi

Para Nicola Tingas, economista-chefe da instituição, a dificuldade do governo em avançar em reformas que reduzam despesas reforça a incerteza

Paulo Pandjiarjian
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Imagens: Divulgação

Nicola Tingas avalia que embora a inflação venha apresentando sinais de acomodação, o ambiente inspira cautela

Nicola Tingas avalia que embora a inflação venha apresentando sinais de acomodação, o ambiente inspira cautela

O Brasil se aproxima de um possível ciclo de queda dos juros a partir do fim de 2025, impulsionado pela desaceleração da inflação e por sinais de recuperação gradual da economia. Apesar disso, a fragilidade fiscal e a alta inadimplência das famílias podem atrasar ou limitar a intensidade desse processo, segundo aponta o Boletim Visão Financeira, divulgado pela Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi).

O relatório, elaborado sob coordenação do economista-chefe da entidade, Nicola Tingas, avalia que, embora a inflação venha apresentando sinais de acomodação, o ambiente doméstico ainda inspira cautela. “O processo de acomodação inflacionária permite projetar um ciclo de corte de juros, mas ainda não está totalmente concluído, o que exige prudência por parte do Banco Central”, afirmou Tingas em entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY.

Nos últimos anos, a economia brasileira enfrentou uma sequência de choques que alteraram sua trajetória. A pandemia de 2019-2020 levou o governo a adotar medidas emergenciais de estímulo, elevando os gastos públicos e sustentando a atividade econômica em um momento crítico. Contudo, esses estímulos também provocaram pressões inflacionárias persistentes, obrigando o Banco Central a elevar a taxa Selic a níveis historicamente altos.

O resultado foi um ambiente de dilema: de um lado, a necessidade de preservar o consumo e evitar uma recessão profunda; de outro, a obrigação de controlar preços que se mostraram resistentes à queda. Hoje, parte dessas pressões se dissipou, especialmente em função da estabilização dos preços de commodities e da desaceleração da demanda. Esse movimento abre espaço para que a autoridade monetária inicie, entre o fim de 2025 e o início de 2026, um processo gradual de flexibilização monetária.

Para Tingas, a política monetária não pode ser analisada de forma isolada. O quadro fiscal brasileiro (marcado por elevado endividamento público e por gastos obrigatórios crescentes) representa, em sua visão, o maior entrave a uma redução consistente dos juros. “O risco fiscal é o principal obstáculo para uma redução mais robusta da taxa de juros. A credibilidade das contas públicas é fundamental para ancorar expectativas e sustentar o ciclo de queda”, destacou.

A dificuldade do governo em avançar em reformas que reduzam despesas e garantam equilíbrio de longo prazo reforça a incerteza. Investidores, empresários e consumidores avaliam não apenas os indicadores de inflação e crescimento, mas também a capacidade do Estado de manter disciplina nas contas.

Fed, China e fluxo de capitais

O relatório da Acrefi ressalta que o cenário externo também terá papel decisivo. A trajetória da política monetária americana, conduzida pelo Federal Reserve, segue como fator de grande impacto. Juros altos nos Estados Unidos tendem a atrair capitais para aquele mercado, pressionando moedas emergentes e encarecendo o crédito doméstico.

Além disso, a recuperação mais lenta da China, importante parceiro comercial do Brasil, reduz a demanda por commodities e limita a expansão das exportações, um dos motores tradicionais da economia brasileira. Para Tingas, um ambiente global mais estável abriria espaço adicional para cortes na Selic, enquanto novos choques externos poderiam atrasar a decisão do Banco Central.

Outro ponto de alerta no boletim é a situação do crédito às famílias. O nível de inadimplência permanece elevado, consequência de um período em que o crédito foi expandido de forma significativa, seguido de forte alta nos juros. “O quadro de inadimplência segue preocupante e pode comprometer a efetividade de um ciclo de cortes de juros. Sem confiança, o crédito não se expande na velocidade necessária para impulsionar o crescimento”, afirmou Tingas.

Ele explica que a dinâmica do endividamento influencia diretamente o consumo, principal motor da economia. O cartão de crédito, por exemplo, tem dupla função: uma parte das famílias o utiliza para liquidez imediata, pagando despesas do mês seguinte; outra parcela recorre a parcelamentos, que acabam se transformando em operações de crédito. Já o consignado, com prazos mais longos e custo mais baixo, possibilita tanto a substituição de dívidas mais caras quanto o alívio do orçamento doméstico.

A preocupação não se limita às famílias. Empresas de médio porte, que dependem fortemente de linhas de capital de giro, também sofrem com o crédito caro e com a instabilidade do cenário macroeconômico. A combinação de custos financeiros elevados e retração no consumo limita o fôlego do setor produtivo, reduzindo investimentos e inibindo a geração de empregos. “Um ciclo de cortes de juros só terá impacto significativo se vier acompanhado de maior previsibilidade macroeconômica. As empresas precisam de horizonte claro para planejar investimentos e ampliar a produção”, avaliou o economista-chefe da Acrefi.

Para que o Brasil retome um crescimento consistente, Tingas aponta três pilares essenciais: disciplina fiscal, continuidade da trajetória de queda da inflação e redução gradual da Selic. Se essas condições forem atendidas, o País poderá atrair novos investimentos, ampliar a confiança dos agentes econômicos e sustentar um ciclo de expansão mais sólido. “A mensagem central é clara: há espaço para cortes de juros, mas eles não virão sem responsabilidade fiscal e compromisso com a estabilidade macroeconômica”, completou.

 Embora o cenário seja desafiador, há também oportunidades. A aprovação de reformas estruturais pode reduzir a percepção de risco e fortalecer a credibilidade das contas públicas. Além disso, avanços tecnológicos e novas fontes de investimento externo, especialmente em setores como energia renovável e infraestrutura, podem impulsionar a economia e reduzir a dependência de estímulos de curto prazo.

A eventual queda dos juros, se conduzida de forma coordenada com medidas fiscais, pode liberar recursos para famílias e empresas, estimulando o consumo e o investimento. Contudo, sem esse alinhamento, há risco de que a flexibilização monetária se mostre insuficiente para gerar resultados duradouros.

O fato é que o Brasil vive um momento de transição. De um lado, há sinais de que a inflação cede, abrindo caminho para cortes de juros entre o final de 2025 e o início de 2026. De outro, os riscos fiscais, a inadimplência elevada e as incertezas externas funcionam como freios a esse processo.

A análise da Acrefi indica que o País terá de enfrentar escolhas difíceis: manter a disciplina fiscal, reforçar a credibilidade das contas públicas e dar previsibilidade ao ambiente de negócios. Somente assim o Banco Central terá condições de iniciar um ciclo de queda da Selic capaz de estimular de fato a atividade econômica. Se os ajustes forem bem conduzidos, o Brasil pode não apenas entrar em uma fase de alívio monetário, mas também pavimentar o caminho para uma recuperação mais sustentável e consistente nos próximos anos.

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