As críticas sistemáticas do presidente Donald Trump ao Federal Reserve (Fed) estão abrindo uma nova frente de instabilidade na economia global. Mais do que simples declarações políticas, os ataques têm efeitos concretos: fragilizam o dólar, corroem a confiança de investidores estrangeiros em ativos americanos e alimentam uma escalada do preço do ouro, tradicional refúgio em períodos de incerteza.
Segundo análises do Deutsche Bank e da Convera, as declarações de Trump colocam em xeque a independência do banco central americano e estimulam um movimento de proteção cambial sem precedentes nesta década. Na quarta-feira (17), o Fed cortou a taxa básica em 0,25 ponto percentual, mas manteve o sentimento negativo em torno da moeda americana.
Apesar da decisão de política monetária anunciada por Jerome Powell, presidente do Fed, o foco já está sobre a performance debilitada do dólar. Desde janeiro, a moeda acumula queda de 10,83% no índice DXY, que mede seu valor frente a uma cesta de moedas estrangeiras. E as projeções não são otimistas: a tendência é de novas quedas à medida que os juros sobre a dívida denominada em dólar sejam reduzidos.
Parte dessa desvalorização, afirmam os analistas, deriva do embate entre Trump e a instituição que historicamente manteve autonomia em relação ao poder político. “Se o Fed deixar de ser independente, sua credibilidade como formulador de política monetária ficará seriamente comprometida”, adverte o Deutsche Bank em nota enviada a clientes.
Esse desgaste já está impactando diretamente investidores estrangeiros. O S&P 500 acumula valorização de 12% no ano, mas, para quem aplica fora dos EUA, boa parte desse ganho desapareceu diante da perda de valor do dólar. Segundo cálculos do Deutsche Bank, mais de 10% da rentabilidade foi corroída, tornando o mercado americano menos atrativo.
Diante desse cenário, cresce a busca por proteção cambial. O estrategista George Saravelos, do Deutsche Bank, destacou que, pela primeira vez nesta década, os fluxos de investimentos em ações americanas com hedge superaram as aplicações sem proteção. “O movimento é contundente: mais de 80% dos novos investimentos estrangeiros em ações dos EUA já vêm acompanhados de hedge”, afirmou.
Esse comportamento tem consequências adicionais para a moeda americana. “Cada ativo em dólar comprado com hedge implica a venda de uma quantia equivalente de dólares no mercado de câmbio, o que aumenta a pressão negativa sobre a moeda”, explicou Saravelos.
O alerta é reforçado por Antonio Ruggiero, da Convera, para quem a própria possibilidade de Powell ser substituído em maio por um indicado de Trump, mais inclinado a uma política monetária expansionista (“dovish”), sinaliza um ciclo prolongado de cortes de juros. “As preocupações em torno da independência do Fed sugerem um caminho mais longo e agressivo de afrouxamento monetário, mantendo a confiança no dólar em níveis frágeis”, escreveu em nota distribuída a clientes nesta manhã.
Se o dólar perde força, outro ativo ganha protagonismo: o ouro. A commodity, que já está cotada a US$ 3.663 por onça troy, pode atingir US$ 4.000, segundo projeção de Michael Hsueh, também do Deutsche Bank.
Para ele, a combinação entre incerteza sobre a composição do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC), pressões políticas sobre a autoridade monetária e perda de atratividade do dólar como moeda de alto rendimento do G10 cria um ambiente favorável ao metal precioso.
“A demanda oficial por ouro segue em ritmo duas vezes superior à média registrada entre 2011 e 2021, em grande parte impulsionada pela China”, destacou Hsueh. Essa procura crescente reforça o papel do ouro como alternativa de preservação de valor em tempos de instabilidade cambial e geopolítica.
Investidores em compasso de espera
Enquanto o embate entre Trump e o Fed agita o câmbio e as commodities, as bolsas operam em ritmo cauteloso. O S&P 500, que havia renovado máximas históricas recentemente, sofreu leve realização de lucros na última sessão, com queda de 0,13%. Nesta manhã, os contratos futuros do índice abriram estáveis, refletindo a expectativa dos investidores antes do pronunciamento de Powell.
Na Ásia, os resultados foram mistos: o Nikkei 225 recuou 0,25%, enquanto o CSI 300, da China, avançou 0,61%. O Kospi, da Coreia do Sul, registrou queda de 1,05%. Já na Índia, o Nifty 50 terminou o pregão em alta de 0,36%.
Na Europa, o Stoxx 600 abriu estável, enquanto o FTSE 100, de Londres, apresentou leve ganho de 0,21%. Nos EUA, além do compasso de espera nos índices acionários, chamou atenção a valorização do Bitcoin, que atingiu US$ 116,8 mil, reforçando o apetite por ativos alternativos.
Impactos globais
O pano de fundo é claro: um dólar fragilizado tem efeitos em cadeia sobre o sistema financeiro internacional. Para economias emergentes, como o Brasil, a queda da moeda americana pode aliviar pressões inflacionárias ligadas a commodities cotadas em dólar, mas também gera volatilidade no câmbio e nos fluxos de capitais.
Além disso, a reconfiguração da confiança no Fed e o eventual enfraquecimento da moeda americana como reserva internacional de valor abrem espaço para discussões geopolíticas mais amplas. O aumento da demanda chinesa por ouro, por exemplo, é interpretado por alguns analistas como parte de uma estratégia de diversificação frente ao domínio do dólar no comércio global.
A decisão que o Fed anunciará hoje não se resume a um corte de 0,25 ponto percentual. Ela será lida como um termômetro da capacidade da instituição de resistir às pressões da Casa Branca e preservar sua autonomia.
Se prevalecer a percepção de que o Fed se tornou refém da política, o dólar poderá perder ainda mais espaço como pilar do sistema monetário global. Nesse cenário, o ouro tende a consolidar-se como ativo de proteção e moedas alternativas, como o yuan e até mesmo criptoativos como o Bitcoin, podem ganhar maior relevância.
Em meio a esse quadro, a mensagem de Powell terá peso desproporcional: não apenas sobre o rumo da política monetária, mas sobre o futuro da confiança no dólar e na própria governança da maior economia do planeta.

