Se antes o acesso ao mercado de luxo era definido pela posse de produtos, hoje ele se concentra em desenhar experiências únicas, que valorizam os sentidos e despertam sentimentos de bem-estar e pertencimento — não apenas em seu público-alvo, mas também em potenciais consumidores. Luxo é ter tempo para desfrutar a vida, elaborar assuntos criticamente e criar memórias capazes de trazer boas lembranças quando revisitadas. Isso impulsiona um ciclo de expansão do ecossistema das marcas mais valiosas do mundo, no qual elas ampliam sua presença nos mercados e nos pontos de contato com seus públicos.
A Louis Vuitton, por exemplo, transita do futebol ao mobiliário, passando pela arte, gastronomia, hotelaria e, claro, moda e maquiagem. Neste ano, a marca inaugurou sua primeira mostra imersiva no Boa Vista Surf Lodge Hotel, do grupo JHSF, em São Paulo, com ambientes inteiramente decorados com sua linha de decoração, assinada por nomes como Patrícia Urquiola, Patrick Jouin e Estúdio Campana.
Essa transformação está ancorada tanto na mudança de comportamento das novas gerações quanto na maneira de consumir do público de altíssima renda. Para ambos, a vida fora das telas, a conexão emocional, ter tempo para pensar e gerar memórias é o que tem mais valor hoje em dia. É como uma volta no tempo: a compreensão da importância da vida no mundo real para desfrutar do momento — num café, clube, hotel ou dentro de casa, com serviços únicos e hiperpersonalizados, cujo acesso é realmente para poucos.
Esse movimento chegou ao mercado imobiliário — setor que deve movimentar US$ 4,36 trilhões no mundo todo em 2025, segundo a consultoria Mordor Intelligence — e registra um crescimento de empreendimentos associados a grifes, os chamados branded residences. O conceito é antigo, data dos anos 1920, mas cresceu impressionantes 160% na última década, de acordo com dados de 2023 da consultoria imobiliária Knight Frank. O fôlego dos branded residences está, principalmente, na Ásia, no Oriente Médio e na América Latina, regiões que devem impulsionar a estimativa de crescimento deste mercado até 2027, projetado em 55%.
Segundo o Branded Residences Report da Savills Research, a expectativa é que 600 empreendimentos desse tipo sejam entregues até 2030. Alguns exemplos são o Fendi Château Residences, em Miami (EUA), o Bulgari Hotels & Resorts — rede de hotéis da joalheria italiana com unidades em Dubai, Paris, Londres e Roma — e o Armani Residences, que assina interiores de residenciais em São Paulo, Dubai e Miami.
No Brasil, já são 30 projetos corporativos e residenciais assinados pela Pininfarina — entre prontos, em construção ou em desenvolvimento, segundo o Valor Econômico (2024). Reconhecida por desenhar carros para Ferrari e Maserati, entre outros, a grife italiana já deixou sua marca em edifícios espalhados de norte a sul do país. A brasileira Artefacto, referência no segmento de mobiliário de design, terá dois empreendimentos no tradicional bairro Jardins, em São Paulo. Há ainda o Senna Tower, em Balneário Camboriú, resultado da parceria entre as marcas do piloto Ayrton Senna e da varejista Havan.
Já a publicação ELLE, que em 2022 inaugurou hotéis-boutique na França e no México, além de uma torre residencial em Miami — e planeja expandir para Dubai —, anunciou a implementação de dois empreendimentos de luxo em São Paulo, nos bairros do Brooklin e Boa Vista. A iniciativa é realizada em parceria com a incorporadora Meira Mattos, a consultoria The One Atelier e o estúdio Arquinaut.
O investimento das marcas em empreendimentos residenciais e comerciais indica que elas querem ser vividas e despertar o interesse dos clientes para além do produto inicial — que possivelmente eles já possuem. O objetivo aqui é mais profundo e alça voos maiores para o futuro. Ao que tudo indica, o caminho das grandes grifes é “abraçar” seus brand lovers com um estilo de vida completo, do café à casa.
*Thales Lucchesi é CEO da Ponte.ag, agência especializada em arquitetura

