Data de 1927 as primeiras referências sobre a construção de um túnel ligando as cidades de Santos e Guarujá, no litoral sul de São Paulo, onde atualmente mais de 21 mil veículos atravessam o canal utilizando embarcações, além de 7,7 mil ciclistas e 7,6 mil pedestres. Após políticos locais e nacionais terem se comprometido com a obra em todas essas décadas, ela nunca saiu do papel. Mas neste dia 4 de setembro de 2025 finalmente acontece o leilão da iniciativa após os envelopes serem entregues no início da semana.
“Toda a Baixada Santista deve ser beneficiada pela construção do túnel, possibilitando uma mobilidade urbana mais rápida e segura entre Santos e Guarujá, reduzindo drasticamente a dependência do transporte por balsas, que é mais demorada e depende das condições da maré”, afirmou Rogério Santos, prefeito de Santos, em entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY.
“O porto deve ser beneficiado operacionalmente, pois as janelas de passagem de navios serão maiores, uma vez que diminui a disputa com as balsas e garante mais segurança na navegação. Além disso, com a possibilidade de circulação de caminhões, o porto terá sua capacidade logística ampliada, reduzindo custos de deslocamentos entre terminais e garantindo mais competitividade das cargas”, completou.
A ideia de ligar duas cidades via túnel que passa embaixo de um canal marítimo é algo inédito no Brasil. A nova ligação Santos-Guarujá deverá ter 1,5 km de extensão, sendo 870 metros submersos, com três faixas por sentido. Ele inclui ainda uma faixa adaptável ao Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), além de ciclovia e passagem para pedestres. A obra, que é o maior empreendimento do novo PAC, deve custar cerca de R$ 6,8 bilhões via PPP (parceria público-privada), sendo que R$ 5,1 bilhões serão divididos igualmente entre recursos federais e do estado de São Paulo, com o restante vindo da iniciativa privada. A concessão é de 30 anos.
Fernando Camargo é economista e sócio-diretor da LCA, uma das maiores consultorias econômicas do Brasil. Ele acompanhou o assunto de perto nos últimos anos e acredita que um dos principais motivos de a obra ter ficado na teoria até hoje é a desconfiança das empresas no poder público brasileiro, algo que persistiu até poucos anos.
“Um dos grandes temores dos players privados envolvidos em PPPs em qualquer lugar do mundo é que os governos cumpram com suas obrigações contratuais no empreendimento mesmo em caso de crise econômica. Por isso, foi tão importante a criação de fundos garantidores que deem segurança às empresas privadas envolvidas na construção do túnel”, afirmou.
Além dos benefícios diretos na Baixada Santista, com facilitação do trânsito, o comércio exterior brasileiro será diretamente beneficiado como um todo, como explica o prefeito de Santos. “Haverá agilidade e segurança no escoamento da produção. O fim dos gargalos das balsas trará rapidez ao deslocamento de veículos e mercadorias. Essa modernização fortalece a competitividade do nosso porto, que já responde por 30% do comércio exterior do Brasil. A integração entre mobilidade urbana e portuária atrairá novos investimentos”.
O consultor Fernando Camargo vai além: a obra do canal pode ser um marco para que o país mude sua política de intervenções portuárias que, no momento, costumam ser de curto prazo. “O Brasil está evoluindo em termos de contratação de serviços portuários a longo prazo. Os navios que fazem serviços de dragagem costumam ter uma vida útil longa, então é uma possibilidade que eles sejam adquiridos para que os contratos de manutenção de canais não sejam curtos, como é feito atualmente”.
Prefeito não teme disputa política pela obra
Tanto os governos de Tarcísio de Freitas quanto de Lula se empenharam fortemente na atração de investidores para a obra do túnel na Baixada Santista. No primeiro semestre, Tarcísio e o ministro dos Portos, Silvio Costa, fizeram um roadshow pela Europa com esse objetivo, o que pode gerar uma disputa política entre o Bandeirantes e o Planalto para ver quem se sobressai como “dono” da obra diante da opinião pública. Rogério Santos, porém, minimiza este possível embate e não acredita que a questão política possa atrasar a tão sonhada obra.
“Não há disputa política. Desde o lançamento do edital do túnel, no aniversário do Porto de Santos, com a presença do governador Tarcísio de Freitas e do presidente Lula, a prioridade foi atender aos interesses regional e portuário. Acredito que não há mais obstáculo, afinal as etapas seguintes devem seguir os trâmites processuais previstos na legislação. Já houve a emissão da primeira licença da obra e o leilão está em andamento. Este é um processo supervisionado de perto pelos órgãos de controle, como o TCU, portanto a expectativa é que não haja interrupções para que a construção seja iniciada o quanto antes”.
Desistência de empresas brasileiras
Um fator que chamou a atenção do mercado foi a desistência de empresas brasileiras em participar do leilão: Odebrecht, Álya (antiga Queiroz Galvão) e Andrade Gutierrez, que tinham sinalizado interesse, decidiram não apresentar proposta alegando dificuldade de obtenção de financiamento ainda pelo que passaram durante a Lava-Jato.
Para a advogada da área de infraestrutura do escritório Pinheiro Neto, Heloísa Ferraz, legalmente essa possibilidade não existe. “Do ponto de vista jurídico não existem restrições do BNDES para dar financiamento de infraestrutura às empreiteiras brasileiras, tanto em edital quanto na prática, diante da atual situação delas. Aliás, este banco tem sido o principal financiador da área há muitos anos”, disse.
Com a saída de players brasileiros, a disputa será entre duas empresas estrangeiras que enviaram os envelopes. As maiores apostas giram em torno da espanhola Acciona e a portuguesa Mota-Engil, que conta com capital chinês por parte da China Communications Construction Company.
Independentemente da nacionalidade da empresa que fará a obra, ou de qual político lutou mais por ela, não há dúvida de que a Baixada Santista e a economia brasileira só tem a ganhar com sua conclusão, prevista para o final de 2028. “Santos se consolida, assim, como um dos maiores centros logísticos do mundo”, completou o prefeito Rogério Santos.