No dia 30 de agosto, o Porto de Santana, único porto do Amapá, viveu um momento histórico. Pela primeira vez, recebeu um navio cargueiro vindo direto da China. A embarcação, originária da cidade de Zhuhai, trouxe 18 contêineres de placas fotovoltaicas e equipamentos eletrônicos, inaugurando uma rota marítima que promete estreitar os laços comerciais entre a Ásia e a Amazônia.
Na viagem de volta, o navio transportou produtos típicos da região: madeira e derivados, café, mel, castanha, açaí, chocolate e cupuaçu. O trajeto, que leva entre 30 e 35 dias, é até duas semanas mais curto do que as rotas tradicionais, que podem ultrapassar 50 dias. O impacto logístico é evidente: menor tempo significa menor custo e mais competitividade para as exportações amazônicas.
Esse movimento ocorre em meio a um cenário internacional desafiador, marcado pela escalada da guerra comercial dos Estados Unidos e pelo aumento de tarifas globais. Para os empresários locais, a nova rota é um divisor de águas.
Poucos dias depois do desembarque chinês, outras duas notícias reforçaram a sensação de que o Amapá está no radar dos investidores. A primeira foi a confirmação do início das operações da Cimento Forte, a primeira e única fábrica de cimento do Estado, com aporte de R$ 120 milhões. Localizada às margens do Rio Matapi, a unidade promete reduzir custos logísticos e suprir a crescente demanda da construção civil regional.

A segunda foi o anúncio da construção do primeiro hotel cinco estrelas do Amapá, por uma construtora catarinense especializada no mercado de luxo em Balneário Camboriú. O empreendimento, inédito no Estado, reforça o potencial turístico de Macapá e abre espaço para um novo perfil de visitantes – empresários, investidores e executivos atraídos pelas oportunidades que começam a surgir.
Esses movimentos, embora distintos, têm um ponto em comum: refletem a euforia gerada pelo anúncio da Petrobras de explorar petróleo na Margem Equatorial brasileira. A área é composta por cinco bacias sedimentares que se estendem do Amapá ao Rio Grande do Norte: Foz do Amazonas, Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar. Trata-se de uma fronteira energética ainda pouco explorada, mas considerada estratégica pelo governo federal e pela Petrobras.
Estudos preliminares indicam que a região compartilha características geológicas semelhantes às da Guiana Francesa, do Suriname e da Venezuela, países vizinhos que já atraem gigantes do setor, como ExxonMobil, TotalEnergies e Chevron. Na Guiana, descobertas recentes superam 11 bilhões de barris de óleo equivalente, transformando o País no maior caso de sucesso petrolífero das últimas décadas.
No Brasil, a expectativa é de que a Margem Equatorial possa até superar o pré-sal em reservas. Para o Amapá, isso pode significar uma revolução econômica: técnicos do governo estadual projetam que o PIB, hoje em R$ 22 bilhões, possa dobrar já no primeiro ano de operação.
Licenciamento ambiental: o ponto de tensão
Apesar do otimismo, há um obstáculo relevante: o licenciamento ambiental. Em maio de 2023, o Ibama negou autorização à Petrobras para perfurar poços exploratórios na Bacia da Foz do Amazonas, citando falhas em estudos de impacto e riscos à biodiversidade.
A região abriga ecossistemas pouco conhecidos, incluindo corais de água profunda e recifes que desempenham papel vital para a regulação climática. Para ambientalistas, a exploração representa uma ameaça direta a áreas de altíssima sensibilidade ecológica.
“É fundamental conhecer os impactos antes de avançar. A Margem Equatorial não pode ser tratada como o pré-sal, porque seus ecossistemas são frágeis e pouco estudados”, alerta Suely Araújo, ex-presidente do Ibama.
A Petrobras, no entanto, acredita que é possível compatibilizar exploração de petróleo e preservação ambiental. Para isso, já contratou duas sondas de perfuração, a serem posicionadas a cerca de 500 km da costa do Amapá.
O presidente da Transpetro, Sérgio Bacci, afirmou ao BRAZIL ECONOMY: “Estou muito confiante de que vamos elevar o patamar econômico do País com a exploração da Margem Equatorial nos próximos anos, garantindo ao Brasil recursos para uma transição energética justa e equilibrada.”
O discurso também ecoa nas palavras do governador do Amapá, Clécio Luís (Solidariedade). Para ele, os royalties do petróleo são fundamentais para combater a pobreza e financiar serviços públicos. “É hipocrisia dizer que o Amapá não deve explorar Petróleo. Queremos e precisamos desses royalties, já que nossas fontes de arrecadação são muito limitadas”, disse.
O impacto social esperado
O Amapá é hoje um dos estados mais pobres do Brasil. Cerca de 50% da população de 920 mil pessoas depende do Bolsa Família, e 32% vivem em insegurança alimentar, com um dos PIBs per capita mais baixos do País (R$ 32.183), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Nesse contexto, os royalties do petróleo são vistos como uma oportunidade única de transformação. Em tese, poderiam financiar programas de saúde, educação, saneamento e infraestrutura, além de atrair investimentos privados em setores de maior valor agregado.
Experiências de outros estados petrolíferos, como o Rio de Janeiro, levantam, porém, um alerta: a chamada “maldição do petróleo” pode gerar dependência fiscal, má gestão e desigualdades. O desafio do Amapá será evitar esses erros e garantir que os recursos sejam aplicados de forma sustentável.
O Estado está diante de uma escolha estratégica. Se as reservas se confirmarem e o licenciamento avançar, o Amapá pode se transformar em um novo polo energético do País, capaz de atrair bilhões em investimentos e reduzir drasticamente a pobreza.

Mas a equação não é simples: de um lado, há pressa em destravar o potencial econômico; de outro, a necessidade de proteger a Amazônia e cumprir compromissos ambientais.
No meio desse dilema, empresários, políticos e comunidades locais vivem a expectativa de um futuro diferente. A chegada do navio chinês, a fábrica de cimento, o hotel cinco estrelas e as sondas da Petrobras são apenas os primeiros sinais de que o Amapá entrou de vez no radar global.
O fato é que o Estado nunca esteve tão perto de mudar seu destino econômico e social. Mas a chance histórica vem acompanhada de riscos ambientais e de governança. Se conseguir equilibrar essas variáveis, poderá se tornar um símbolo da transição energética brasileira – ou repetir velhos padrões de dependência e desigualdade.