Apesar das tarifas de 50% sobre produtos brasileiros impostas por Donald Trump, que entram em vigor hoje, quarta-feira (6), o cenário de private equity no Brasil seguirá desafiador como toda a economia, mas com sinais claros de maturidade e resiliência.
O País enfrenta um ambiente mais restritivo em termos de captação, mas a indústria continua ativa, com transações relevantes sendo executadas, como explica Priscila Rodrigues, presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP), que reúne cerca de 200 players do setor.
“Ativos resilientes e bem estruturados continuam atraindo capital. Isso demonstra uma mudança de postura do investidor: mais seletivo, mais criterioso, mas ainda disposto a alocar quando encontra qualidade e uma tese clara de criação de valor”, disse a executiva. “Quem estiver bem posicionado continuará encontrando bons ativos e fazendo bons negócios.”
O mercado de private equity tem se tornado uma opção cada vez mais viável, já que a janela de IPOs permanece restrita, o que exige criatividade dos gestores na busca por alternativas de saída e retorno do capital aos investidores. Nesse contexto, tem-se observado que os gestores buscam saídas via venda para estratégicos ou para outros fundos.
Apesar das tarifas, há uma oportunidade para que empresas voltadas ao mercado doméstico ou com presença internacional fora dos EUA ampliem sua atratividade.
“É provável que investidores americanos priorizem ativos mais conservadores, o que reduz temporariamente o apetite por risco em países emergentes como o Brasil. No entanto, movimentos como esse, de retração do capital americano, fazem parte do dia a dia de quem opera investimentos alternativos no Brasil. Diante disso, a indústria local de private equity terá que se adaptar, priorizando setores resilientes, teses sólidas e estratégias com menor exposição a fatores geopolíticos”, explicou Priscila.
A elevação dos juros reduziu o apetite dos investidores em 2022 e 2023. No entanto, com sinais de que a Selic atingiu seu pico e a perspectiva de cortes à vista, o otimismo começa a retornar gradualmente. Nota-se que, mesmo com o custo de capital ainda elevado, há um fluxo relevante de capital disponível.
O Brazil Economy teve acesso exclusivo a uma análise da HMC Capital, empresa global de investimentos com US$ 19 bilhões em ativos distribuídos e sob gestão, mostrando que o mercado brasileiro de Private Equity passa por um momento de redefinição das prioridades setoriais, com maior seletividade por parte dos investidores.
Os fundos têm priorizado setores com alto potencial de crescimento, escalabilidade e resiliência macroeconômica, com destaque para tecnologia, serviços financeiros, infraestrutura, saúde e agronegócio.
O setor de tecnologia, especialmente fintechs, software, inteligência artificial, soluções em nuvem e cibersegurança, continua liderando o interesse do capital privado. A prova disso é que o Brasil já se tornou um hub global de inovação financeira, abrigando mais de 1.700 fintechs, cerca de 60% do total da América Latina. Empresas como Nubank, CloudWalk, Agibank, Stone, BRLA e Conta Simples posicionam o país como celeiro de soluções escaláveis, e investidores seguem apostando que o futuro das fintechs passa por aqui.
Serviços financeiros e seguros também mantêm forte tração, impulsionados por avanços na regulação, digitalização dos meios de pagamento e ascensão de bancos digitais. A consolidação do setor e a ampliação de crédito e investimentos digitais continuam abrindo espaço para transações relevantes.
Ainda de acordo com o material da HMC Capital, infraestrutura e energia aparecem como outra frente prioritária. Além dos investimentos tradicionais em saneamento, transporte, energia renovável e concessões públicas, há uma crescente demanda por infraestrutura digital, com destaque para projetos de data centers, conectividade e redes críticas para suportar a expansão tecnológica do país. O avanço de leilões, PPPs e iniciativas para modernização da infraestrutura nacional tem ampliado o leque de oportunidades para fundos de private equity e infraestrutura.
Na saúde, também há uma consolidação de clínicas, laboratórios e operadoras, além do estímulo ao crescimento de healthtechs e soluções de diagnóstico digital. O setor se mantém entre os mais ativos, tanto em M&A quanto em crescimento orgânico com apoio de private equity.
O agronegócio também segue como pilar estratégico. Mesmo diante da volatilidade global, empresas com atuação em cadeias exportadoras, sustentabilidade e biotecnologia continuam despertando interesse. Fusões e aportes têm sido frequentes em segmentos como insumos agrícolas, logística e transformação de alimentos.
Como resultado, no primeiro quadrimestre de 2025 o Brasil registrou 476 operações de fusões e aquisições (M&A), o segundo melhor início de ano da série histórica, atrás apenas de 2022.
Todo esse cenário mostra que, apesar da imposição de 50% nas tarifas por parte de Trump, que vem assustando o mercado brasileiro, o país ainda oferece ativos de alta qualidade a preços relativamente atrativos quando se fala de private equity, e por isso o setor não deve ser tão impactado quanto outros.
“A indústria de private equity no Brasil não tem muitas empresas relevantes dependentes do mercado americano. As alocações por meio dessa estratégia são, em grande parte, feitas por startups e, majoritariamente, as ações são realizadas no mercado doméstico”, afirmou ao BRAZIL ECONOMY o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles.