Não se trata apenas de proteger empregos, tampouco, de conter emissões. O tarifaço anunciado por Donald Trump sobre produtos brasileiros escancara um movimento mais profundo: o uso seletivo da agenda ESG como instrumento de pressão geopolítica. Em seus discursos, Trump acusa países em desenvolvimento de se beneficiarem de “ambientes regulatórios frouxos” e práticas ambientais “injustas”, críticas direcionadas ao Brasil, enquanto isenções são mantidas para parceiros estratégicos como Índia. Ao mesmo tempo, seu governo desmonta regulações ambientais internas e retira os EUA do Acordo de Paris, evidenciando que a retórica ESG, quando conveniente, serve à barganha geopolítica, e não à coerência climática.
Exemplo disso é a investigação do Escritório Comercial dos Estados Unidos (USTR), que acusa o agronegócio brasileiro de se beneficiar do desmatamento ilegal e de normas ambientais permissivas. Paradoxalmente, países como Índia e México recebem tratamento preferencial, reforçando um padrão de aplicação seletiva. Nesse contexto, os discursos ambientais norte-americanos parecem proteger menos o planeta e mais seus próprios mercados.
A agenda ESG, voltada a boas práticas ambientais, sociais e de governança, tornou-se uma bússola ética e estratégica para empresas, investidores e formuladores de políticas públicas. Mas sua força simbólica foi capturada por outra lógica: a geopolítica. A ofensiva tarifária de Trump mostra como essa nova arena pode afetar diretamente economias como a do Brasil.
Embora Trump evite termos como “sustentabilidade” ou “transição verde”, ao justificar as tarifas sobre aço, petróleo e produtos agrícolas brasileiros, a medida reflete um novo cenário global em que critérios ESG (ou sua aparência) moldam relações econômicas. Desde o Inflation Reduction Act dos EUA ao Green Deal europeu, expressões como “reindustrialização verde” e “autonomia estratégica” vêm disfarçando práticas protecionistas sob o verniz da responsabilidade climática.
O cerne do problema está na captura dos princípios ESG por estratégias de poder. A nova onda de medidas comerciais adotadas por potências tem como efeito (senão propósito) restringir o acesso de países do Sul Global a mercados estratégicos, sob alegações de que suas cadeias de valor não atendem aos padrões sustentáveis exigidos. Esses padrões, muitas vezes definidos unilateralmente, ignoram contextos distintos de desenvolvimento. O risco é transformar o ESG em mais um mecanismo de exclusão global.
Sob essa ótica, o tarifaço contra o Brasil ganha nova leitura. Além de seu claro apelo eleitoral para conquistar eleitores de estados industriais, a medida envia um recado: os EUA usarão todos os instrumentos possíveis, inclusive o discurso ESG, para defender sua soberania econômica. O problema é quando essa retórica começa a ditar unilateralmente as regras do comércio global, reforçando assimetrias históricas entre países desenvolvidos e emergentes.
Para o Brasil, o alerta é duplo. De um lado, é necessário proteger setores estratégicos sem cair na armadilha do isolacionismo. De outro, é urgente qualificar nossa inserção internacional, com argumentos sólidos em defesa da agenda ESG brasileira, que, embora imperfeita, existe e precisa ser reconhecida. Temos ativos ambientais, sociais e institucionais que podem ser valorizados, desde que saibamos comunicá-los com estratégia, diplomacia e postura proativa.
O país não pode aceitar passivamente que guerras comerciais sejam disfarçadas de responsabilidade ambiental. É preciso abandonar a postura defensiva e buscar espaço nos fóruns em que essas novas regras estão sendo definidas, antes que se tornem barreiras intransponíveis.
No jogo global, o ESG se tornou um campo de disputa por influência, mercados e narrativas. Cabe ao Brasil adotar uma postura proativa para transformar seus ativos em instrumentos de protagonismo. Temos que proteger, mas, também, temos que projetar. Pois, quem não participa da definição das regras, corre o risco de viver sob elas, mesmo quando parecem falar em nome do bem comum.
*Eduardo Galvão é diretor de Public Affairs da consultoria global Burson e professor do MBA em Políticas Públicas do Ibmec