Potência do agro, Grupo Peres recorre à recuperação judicial para preservar negócios

Com produção de café, grãos e pecuária, companhia busca reorganizar dívidas de R$ 118,6 milhões. Objetivo é blindar patrimônio e atravessar sua maior crise

Paulo Pandjiarjian
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Imagens: Giulia Botan/Pexels

Enquanto a equipe jurídica trabalha na formatação do plano, as operações agrícolas e pecuárias seguem em ritmo normal

Enquanto a equipe jurídica trabalha na formatação do plano, as operações agrícolas e pecuárias seguem em ritmo normal

Com quase quatro décadas de atuação no agronegócio mineiro, o Grupo Peres construiu uma operação diversificada que combina o cultivo de café, a produção de grãos e a criação de gado. São quase sete mil hectares distribuídos por municípios como Urucuia, Uruana de Minas e Arinos, além de um rebanho de 1.683 cabeças. Parte da produção abastece o mercado interno, enquanto outra segue para exportação. Essa estrutura, resultado de anos de investimento e ampliação, hoje está no centro de um processo de recuperação judicial, aberto para reorganizar um passivo de R$ 118,6 milhões e manter a engrenagem funcionando.

A história do grupo começou em 1986, quando a família investiu no cultivo de café em Araguari, no Triângulo Mineiro. Nos anos seguintes, a operação expandiu para novas culturas e áreas, com a permuta de propriedades e arrendamentos que permitiram alcançar a atual configuração territorial. A diversificação para a pecuária deu mais estabilidade à receita, mas não blindou a empresa dos choques recentes: queda nas cotações internacionais das commodities, variações climáticas drásticas, redução de subsídios e alta das taxas de juros, que encareceram financiamentos.

A decisão que autorizou o processamento do pedido foi assinada pelo juiz Gustavo Obata Trevisan, em julho, e incluiu medidas essenciais para a sobrevivência da operação: suspensão de execuções e bloqueios, nomeação de um administrador judicial e reconhecimento da essencialidade de bens como maquinário, veículos e propriedades. Ficaram de fora apenas os grãos estocados, que, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não se enquadram como bens de capital. Outro ponto foi a consolidação substancial dos ativos e passivos das quatro empresas do grupo, já que operam de forma totalmente integrada.

Agronegócio em transformação

Em entrevista ao BRAZIL ECONOMY, o especialista em reestruturação empresarial Douglas Duek, CEO da Quist Investimentos, que apoia a recuperação judicial da empresa junto com a RM&F Advogados, afirma que o caso do Grupo Peres é representativo de um novo momento no campo. “Produtores rurais, inclusive pessoas físicas, agora têm acesso à recuperação judicial, o que até pouco tempo atrás era impossível. É uma ferramenta que preserva a atividade produtiva, evita a venda forçada de ativos e protege empregos”, afirmou.

Essa mudança de cenário foi possível graças à reforma da Lei 11.101/2005, em 2020, e a decisões do Superior Tribunal de Justiça que permitiram incluir dívidas contraídas como pessoa física, desde que ligadas diretamente à produção rural, mesmo que o registro como empresário seja recente. “No caso do Grupo Peres, o registro foi feito pouco antes do pedido, o que é permitido pela lei, porque havia um histórico sólido de atividade. O campo tem uma lógica diferente: muitos produtores atuam de forma estruturada, mas sem formalização empresarial, e isso não pode ser impeditivo para buscar soluções em momentos de crise”, ressaltou.

Duek também observa que a recuperação judicial no agronegócio exige adaptação. “O ciclo produtivo precisa estar no centro do plano. Diferente de uma indústria, que pode manter produção constante, o agricultor e o pecuarista trabalham em períodos de plantio, colheita, engorda e comercialização. Se o calendário financeiro não conversa com o calendário do campo, o plano nasce inviável.”

O teste de fogo

O prazo de 60 dias concedido pelo juiz para a apresentação do plano de recuperação é, segundo Duek, o momento mais crítico do processo. É nesse documento que serão estabelecidos prazos de pagamento, descontos, garantias e a forma de cumprimento das obrigações. “A aprovação do plano é o divisor de águas. Ele precisa ser crível para o devedor e confiável para os credores. Recuperação judicial não é anistia, é um compromisso de ajuste de rota. E todos observam atentamente o comportamento da empresa nesse momento”, reforçou.

A consolidação substancial determinada pelo magistrado simplifica a negociação ao unificar todos os ativos e passivos, mas também aumenta a responsabilidade interna: qualquer falha de gestão em uma frente impacta todo o conjunto. Além disso, o processo impede que fornecedores interrompam o fornecimento de insumos e serviços essenciais, como energia e água, preservando a continuidade operacional.

Enquanto a equipe jurídica trabalha na formatação do plano, as operações agrícolas e pecuárias seguem em ritmo normal. A colheita de café, o plantio de grãos e o manejo do gado continuam, com atenção redobrada para manter a produtividade e cumprir contratos. Essa continuidade é um dos elementos centrais para manter a confiança do mercado e garantir a arrecadação de tributos nas cidades onde o grupo atua.

A relevância regional do Grupo Peres vai além da produção. A empresa é responsável por empregos diretos e indiretos, movimenta a economia local com a compra de insumos e serviços, e mantém relações comerciais que impactam transportadoras, cooperativas e tradings. Um eventual insucesso no processo poderia gerar efeito cascata sobre toda essa cadeia.

Para Duek, casos como o do Grupo Peres funcionam como referência para outros produtores em dificuldades. “O Brasil é potência agrícola, mas isso não significa imunidade a crises. A recuperação judicial, quando bem planejada e executada, pode ser um instrumento legítimo para atravessar momentos adversos e retomar o crescimento”, disse.

O resultado desse processo dependerá da capacidade de conciliar as exigências legais com as particularidades do campo. Se conseguir equilibrar a pressão dos credores com os prazos da natureza, o Grupo Peres poderá transformar um momento crítico em ponto de virada, confirmando que, no agronegócio, resiliência é tão importante quanto produtividade.

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