O anúncio do Plano Safra 2025/26 pelo governo federal trouxe números históricos, mas também expôs contradições que o agronegócio brasileiro terá de administrar em um cenário de juros elevados, exigências ambientais crescentes e tensões comerciais com os Estados Unidos.
O pacote de R$ 605,2 bilhões em crédito rural (maior volume já disponibilizado) foi dividido em R$ 516,2 bilhões para a agricultura empresarial e R$ 89 bilhões para a agricultura familiar. O destaque foi a ampliação de 47,5% nos recursos do Pronaf, que este ano completa 30 anos, reforçando o papel da agricultura familiar como eixo estratégico da política agrícola.
Apesar disso, o que chamou mais atenção foi o aumento de 1,5 a 2 pontos percentuais nas taxas de juros para o financiamento empresarial, encarecendo o custo de capital em um momento de incerteza global. Para o governo, o equilíbrio veio com a manutenção de taxas altamente subsidiadas para pequenos produtores e programas voltados à mecanização e à transição agroecológica. “Além do valor recorde, conseguimos manter juros acessíveis para a produção de alimentos essenciais, garantindo condições justas de financiamento para o agricultor familiar”, afirmou Paulo Teixeira, ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.

Do lado da agricultura empresarial, a reação é de cautela. O presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Luiz Carlos Corrêa Carvalho, destacou em entrevista ao BRAZIL ECONOMY que o grande desafio será a efetiva disponibilidade e previsibilidade dos recursos. Em anos anteriores, parte das linhas se esgotou rapidamente ou não chegou a todos os perfis de produtores, comprometendo investimentos de longo prazo.
Segundo Carvalho, além do crédito mais caro, o setor teme a falta de clareza nos critérios de acesso e prazos de liberação. “A falta de previsibilidade dificulta o planejamento da safra e a adoção de práticas sustentáveis, que exigem investimentos de médio e longo prazo”, afirmou.
Sustentabilidade: oportunidade ou ônus?
No Congresso Brasileiro do Agronegócio, realizado pela Abag em agosto, a pauta ambiental permeou quase todas as discussões. A percepção é que a sustentabilidade deixou de ser um diferencial para se tornar condição de acesso a mercados internacionais.
Para Carvalho, a chamada “biocompetitividade” (a capacidade de gerar ganhos produtivos atrelados a práticas sustentáveis) só será viável se houver financiamento adequado, assistência técnica e tecnologia acessível também para pequenos e médios produtores. Nesse contexto, cooperativas são vistas como instrumento-chave para acelerar a adoção de boas práticas.
Apesar do esforço do setor em se aproximar da agenda verde, persiste a imagem de antagonismo entre agro e meio ambiente, alimentada por disputas políticas no Congresso. Carvalho foi categórico: menos de 2% dos produtores cometem irregularidades, mas acabam comprometendo a reputação de toda a cadeia. “Não podemos permitir que práticas ilegais de poucos contaminem a imagem de um setor que, em sua imensa maioria, atua de forma responsável”, disse.

Se a agenda ambiental pressiona internamente, no campo externo o desafio tem sido o tarifaço imposto pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros. O agronegócio é um dos setores mais expostos, já que quase um terço das exportações nacionais para o mercado americano vem do campo.
Carvalho alerta que medidas protecionistas, motivadas por agendas ideológicas, podem desestabilizar cadeias produtivas inteiras: de fornecedores de máquinas e insumos até exportadores e consumidores finais. “Ideologia nenhuma é boa para os negócios. O que move o comércio exterior é confiança, competitividade e segurança de longo prazo”, afirmou.
Transição energética: a aposta no etanol e nos biocombustíveis
O debate sobre o futuro da energia também ganhou protagonismo no Congresso. William Nozaki, da Petrobras, apontou que a demanda global por energia cresce rapidamente (impulsionada inclusive pelo uso intensivo de IA) e que o Brasil pode se beneficiar de sua matriz limpa.
Executivos como Luís Roberto Pogetti, da Copersucar, reforçaram que o etanol e os biocombustíveis já oferecem soluções competitivas e que não faz sentido apostar em uma única tecnologia global. “O Brasil caminha para ser protagonista da agenda verde”, disse.
Figura histórica do agro, o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues trouxe uma perspectiva de longo prazo. Ele lembrou que programas de integração como o ILPF (lavoura-pecuária-floresta), criados há duas décadas, só prosperaram quando passaram a contar com crédito estruturado.
Para Rodrigues, o Brasil ainda falha em dois pontos: investimento insuficiente em tecnologia e falta de rigor no cumprimento do Código Florestal. “Temos uma agricultura tropical única no mundo, mas não podemos permitir que práticas ilegais comprometam esse ativo. Sem combater o desmatamento, perderemos credibilidade internacional”, afirmou Rodrigues, ao BRAZIL ECONOMY.
Rodrigues, que foi nomeado enviado especial para a COP30, vê no evento uma oportunidade inédita para o Brasil se afirmar como liderança global em segurança alimentar, transição energética e sustentabilidade. Mas é realista: sem crédito adequado, seguro rural e regulação clara, o Plano Safra perde força diante da importância que já tiveram no passado os instrumentos privados de financiamento.
A resposta do setor, segundo ele, dependerá da capacidade de transformar a pressão em estratégia. Como ressaltou Rodrigues, o Brasil tem nas mãos a maior agricultura tropical sustentável do planeta, mas precisa provar isso, diariamente, dentro e fora de suas fronteiras.