O preço da Inteligência Artificial: o dilema entre tempo, custo e impacto

Antes da adoção massiva de IA, a precificação de serviços de tecnologia costumava ser baseada em parâmetros relativamente claros, calculados a partir do esforço estimado das pessoas alocadas para a tarefa

Fabio Hayashi*
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Imagens: Divulgação

"Para usar bem a IA de maneira corporativa, não basta escrever algumas palavras e torcer pela mágica"

"Para usar bem a IA de maneira corporativa, não basta escrever algumas palavras e torcer pela mágica"

Toda vez que uma nova tecnologia surge, ela acontece em duas ondas. Primeiro, traz soluções para uma série de problemas existentes. Depois, sua popularização também cria novos dilemas. Com a inteligência artificial não é diferente: depois de sair dos laboratórios de pesquisa, a IA é cada vez mais parte do dia a dia das empresas e dos profissionais de tecnologia. Neste contexto, surge uma questão central: como precificar um serviço que foi acelerado por IA?

É um debate inevitável no setor. Hoje, muitos clientes me perguntam: se uma entrega que antes demorava três meses agora pode ser feita em dois, não seria justo que ela custasse menos? A lógica parece simples, mas o buraco é mais embaixo – e é justamente nesse ponto que precisamos amadurecer como mercado.

Antes da adoção massiva de IA, a precificação de serviços de tecnologia costumava ser baseada em parâmetros relativamente claros. Um projeto de discovery para uma nova solução ou produto tinha um escopo fechado: três ou seis meses de trabalho, com o envolvimento de estrategistas, arquitetos e designers. O valor total era calculado a partir do esforço estimado das pessoas alocadas para a tarefa.

Em outras áreas, como desenvolvimento de software ou dados, o funcionamento era parecido: um time fixo de profissionais era alocado para as tarefas, com os clientes pagando um valor mensal de manutenção, com base em homem/hora ou em pacotes fechados. Ou seja: a precificação era essencialmente baseada em tempo e esforço humano.

O choque na percepção de valor

A chegada da IA embaralhou essa equação. Teoricamente, ela traz ganhos claros: mais agilidade, redução de etapas e aumento de produtividade. Se antes era necessário ter 10 pessoas trabalhando por 10 meses em um projeto, hoje preciso das mesmas 10 pessoas trabalhando por apenas um semestre.

Aqui, porém, nasce a primeira distorção: muitos clientes entendem que, se a entrega é mais rápida, o preço deve cair proporcionalmente. Mas o uso de IA não elimina o custo humano do processo, uma vez que ainda precisamos de especialistas – de desenvolvedores a cientistas de dados, passando pelos profissionais de produto. Mais do que isso, eles precisam ser até mais especializados, já que lidarão com IA. Além disso, há um novo custo: o da própria IA.

Modelos de linguagem, infraestrutura em nuvem, processamento, governança, tokens de input e output: infelizmente, nada disso é gratuito. Em muitos casos, a conta aumenta em vez de diminuir.

Parte dessa confusão pode vir de uma percepção equivocada sobre o que é a IA. Faz parte do processo de adoção: hoje, muita gente trata IA e ChatGPT como sinônimos, como se fosse possível apenas digitar um prompt e receber um trabalho pronto. Seria o mesmo que achar que o Facebook é a internet inteira.

A realidade é bem diferente. Para usar bem a IA de maneira corporativa, não basta escrever algumas palavras e torcer pela mágica. É preciso saber quais modelos escolher, como orquestrar diferentes sistemas e até mesmo quando optar por um algoritmo gratuito ou outro pago, mas mais robusto. Isso sem falar na governança dos dados, no controle de custos e, principalmente, na garantia de qualidade e segurança da solução. Esse conhecimento é parte fundamental do valor entregue. Não é algo que dá para ignorar.

O caos como etapa natural

Quando observo o cenário atual, vejo paralelos claros com o processo de adoção da computação em nuvem. No início, havia desconfiança: muitos CIOs diziam que cloud era uma solução insegura. Depois veio a adoção massiva, mas sem governança. Custos dispararam, instâncias ficaram ligadas sem controle, e só então surgiram as práticas de FinOps.

Hoje, com a IA, estamos vivendo o mesmo tipo de caos. Empresas não sabem se contratam parceiros ou fazem tudo dentro de casa. Clientes querem pagar menos porque acreditam que a IA substitui pessoas. Fornecedores buscam novos modelos de negócio.

É turbulento, mas é um processo natural. No fim, o que sustenta qualquer relação é a confiança. Preço nada mais é do que um acordo de confiança entre as partes. Se você não confia no parceiro que está entregando IA, talvez esteja com o parceiro errado.

Assim, o setor precisa avançar em quatro frentes principais:

  • Aculturamento do mercado: é preciso educar clientes e gestores, mostrando claramente o que significa usar IA, quais custos estão envolvidos, onde estão os ganhos reais e onde permanecem os riscos.

  • Governança e guard-rails: da mesma forma que a nuvem exigiu práticas de FinOps e Cloud Economics, a IA exige controle. Sem isso, a conta de tokens pode explodir sem previsão orçamentária.

  • Mensuração de resultados: só conseguimos justificar preços se compararmos “antes e depois”. Tempo, escala, acurácia, ROI. É fundamental mostrar qual ganho concreto foi obtido com a adoção de IA.

  • Novos modelos de negócio: a IA também abre espaço para modelos diferentes de remuneração:

    • Success fee: compartilhar com o cliente os ganhos gerados pela solução, em vez de cobrar apenas pelo projeto.

    • Licenciamento SaaS: vender acesso à orquestração de modelos, como já fazemos em algumas frentes.

    • Cobrança por resolução: em vez de tokens, cobrar por minuto de conversa, por atendimento concluído ou por problema resolvido. Isso aproxima a linguagem da precificação da percepção real de valor para o cliente.

Além do preço, a percepção do valor

A pressão por margens menores, as incertezas macroeconômicas e a corrida pela adoção da IA criaram um ambiente desafiador para todo o setor de tecnologia. Em meio a isso tudo, a discussão sobre precificação vai se tornar cada vez mais prevalente. Ao mesmo tempo, ela traz uma oportunidade única de redefinir o que significa valor em serviços digitais.

Não acredito que a IA vá substituir profissionais de imediato. Pelo contrário: ela é um acelerador poderoso da inteligência humana. Na atualidade, o verdadeiro valor está em unir pessoas e máquinas, conhecimento e automação.

Ao precificar, não se pode cair na armadilha de medir horas ou tokens. O que deve guiar esse processo é o impacto gerado – seja na eficiência, na escala, na segurança ou na confiabilidade – e na relação entre clientes e fornecedores. Se parece que vivemos um caos, é porque estamos no meio da transformação. Em meio a tudo isso, a confiança entre quem contrata e quem entrega é a moeda mais importante.

*Fabio Hayashi é CEO do Deal Group, ecossistema de empresas que desenvolve soluções nos segmentos de transformação digital, tecnologia, cloud, data & IA e martech

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