André Nunes de Nunes é doutor em economia aplicada e economista-chefe do Sicredi, primeira instituição financeira cooperativa do Brasil, com mais de 9 milhões de associados. Ele concedeu entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY sobre o momento atual da economia brasileira, onde falou sobre as negociações do governo em torno dos títulos da dívida pública, o compromisso da gestão Lula com o ajuste fiscal, o entendimento do mercado sobre as políticas econômicas e o que esperar da economia diante da eleição presidencial de 2026. Confira a entrevista completa abaixo.
Como o sr. vê o atual momento de negociações do governo brasileiro pelos títulos da dívida pública?
Até pouco tempo o governo tinha dificuldades em rolar a dívida com um custo mais baixo, por causa da menor demanda por títulos públicos, mas atualmente começou a encontrar preços mais positivos, apesar do cenário turbulento no primeiro semestre do ano. Porém, isso foi possível principalmente pelo movimento notado no ano passado, quando o BC vendeu U$ 30 bilhões em receitas e contabilizou diretamente na dívida pública. Com isso, muitas das projeções da dívida batendo em 80% do PIB acabaram não acontecendo. De qualquer maneira, o cenário de estresse na economia entre 2024 e 2025 foi se atenuando ao longo do tempo, por causa de alguns fatores, como os dados mais positivos de receita do governo, o dólar perdendo valor e a melhora da situação da moeda brasileira.
O sr. vê essa melhora na questão dos títulos da dívida como um sinal de que o governo tem um compromisso com a política fiscal?
O desafio fiscal é permanente. O Tesouro fez uma projeção de que a dívida vai chegar a 80% do PIB em algum momento, então, pode até estar atenuando, mas vai voltar em algum momento. A única solução é alcançar resultado primário novamente. A dívida é alta, isso pressiona a inflação, que pressiona a taxa de juros. Então, é um efeito bola de neve. Se a gente muda essa expectativa e equilibra as contas públicas vai ajudar a gerar menos dívida e a taxa de juros cai. É importante entender que o Brasil não tem problema de receita. Ela cresceu em 2024 cerca de 13%, então a despesa tem crescido em velocidade maior. Quando eu pego 2023 e 2024, o limite do arcabouço fiscal era de 2,5% de crescimento e a despesa total cresceu em média 5,7%.
A estabilização da taxa de juros recentemente é uma prova que o mercado entendeu que o governo brasileiro pode resolver essa questão fiscal?
Quando o mercado vê a fragilidade fiscal ele entende que o risco aumenta e acaba pedindo uma taxa de juros um pouco maior. Ano passado vimos a exacerbação disso, já que no início de 2024 as projeções da Selic média era de que seriam 10% nos próximos cinco anos. Ao fim do ano, o mercado pediu 16% para o mesmo período. Ou seja, aumentou muito o risco e o mercado entendeu isso. Quando a gente olha para a relação dívida bruta/PIB a do Brasil está acima de vários pares, como México, África do Sul, Índia, Colômbia, ou seja, que têm o mesmo patamar de risco já que também são emergentes. Mas, eu vejo que ainda não chegamos a um ponto sem retorno. Já está claro que se o Brasil faz uma sinalização correta, o mercado responde rápido pedindo queda na taxa de juros. Mas, o país precisa fazer os esforços necessários, ou podemos chegar a um ponto de irreversibilidade.
E os esforços devem ser feitos em que sentido?
Uma parte do problema é que o Brasil voltou a vincular parte das despesas às receitas e ao salário mínimo. Isso faz com que mesmo quando a gente aumente as receitas, as despesas vão crescer na mesma proporção. Além disso, o reajuste real de salário mínimo puxa as despesas via benefícios previdenciários. Temos que rever essas vinculações, já que tudo Isso dificulta os ajustes no final. Importante trazer os elementos do teto de gastos que existia há alguns anos, uma vez que matematicamente o arcabouço fiscal não resolve o problema. Com isso, o governo vai olhar quais gastos deve priorizar no futuro. Importante lembrar que o Brasil conseguiu fazer isso com sucesso entre 2000 até 2009, mais ou menos, quando as contas estavam sob controle e a taxa de juros caiu. Depois houve um descontrole em 2014 que levou a maior recessão do século, mas o teto de gastos a partir de 2017 ajudou no sentido de diminuir o déficit primário, o que fez que a Selic caísse para um dígito. Em 2023, entrou em vigor a PEC da transição que aumentou os gastos em R$ 180 bilhões e as despesas cresceram.
O sr. acredita que o BC tem dificuldades em reduzir a taxa de juros com medo de uma eventual reeleição de Lula ano que vem?
O que eu vejo é que o ajuste de Selic voltando a subir e chegando a 15% afastou o medo do mercado de que o BC acomodasse o crescimento da despesa pública. Então, deixa uma boa herança para os próximos anos de que não haverá inflação descontrolada ou controle de preços, como ocorreu em 2015 e que levou a uma grande recessão e um ajuste forte. Em resumo, com as subidas recentes da Selic o BC sinalizou que o ajuste é mais fiscal do que monetário. Mais do que a possível reeleição, o mercado vai precificar como o governo reagirá nesses meses que ainda restam, ou seja, que nível de gastos vai ter em ano de eleição ou como o governo interpreta o déficit público. Independentemente de que vença, o reajuste após a eleição é inevitável, resta saber o tamanho.
Faltando pouco mais de um ano para as eleições, o Governo Lula atendeu as expectativas do mercado?
Acho que a grande dúvida é se seria um “Lula 1” ou uma “Dilma”. O que ele está mostrando é que será um “Lula 3”, ou seja, diferente das expectativas. Em alguns aspectos frustrou, mas, por outro lado, que estava mais pessimista viu que não foi um retrocesso total. E o mercado refletiu isso. A Bolsa que é um termômetro de confiança teve momentos de altas e baixas, refez máximas, o câmbio refletiu as quedas etc. Mas, ainda tem muito tempo até a eleição e o governo tem o desafio das tarifas impostas por Trump e deve mostrar que herança vai deixar para as próximas gerações em termos de dívida pública.
Sobre as tarifas impostas por Donald Trump aos produtos brasileiros, como isso deve impactar a economia brasileira?
Muitos desses produtos que perderão espaço nos EUA vão ser escoados para o mercado interno no curto prazo e isso fará com que haja uma queda na inflação. Nós revimos a expectativa do IPCA de 5% para 4,9%. O que é importante é que o governo analise cada um dos cenários afetados pelas tarifas. Se olharmos para a parte industrial, os impactos envolvem layoffs e paralisação de fábricas por causa da menor produção. Já no caso do café, ciclo é de 24 meses muitas vezes e aí o impacto é menor, até porque o Brasil pode encontrar outros parceiros mais facilmente. A carne, por outro lado, tem um marketshare forte para os EUA e os frigoríficos que foram atingidos vão precisar de um apoio mais forte. Tudo isso que estou falando é em termos de efeito imediato, mas a preocupação maior é a médio e longo prazo caso as tarifas fiquem em 50%, já que muitos investimentos em andamento na economia brasileira podem ser repensados.