Não é segredo que o litoral de Santa Catarina é um dos mais belos do Brasil. Exatamente por isso, moradores das grandes cidades paranaenses, como Londrina, Maringá, Cascavel e Curitiba aproveitavam os feriados e festas de fim de ano para percorrer longas distâncias até as estruturadas cidades de Balneário Camboriú, Bombinhas e Florianópolis.
Isso começou a mudar há cerca de quatro anos desde que o arquiteto Ricardo Amaral, em parceria com o governo do Estado, colocou suas duas empresas, a Ricardo Amaral Arquitetos Associados e a Geplan, de arquitetura e engenharia respectivamente, para fazer o gerenciamento e planejamento de obras em 54 km de costa, desde Paranaguá, onde está instalado um dos principais portos do Brasil, até Guaratuba, já próximo da divisa com Santa Catarina, passando pelas cidades de Pontal do Paraná e Matinhos. O projeto incluiu uma série de ações, como a construção de ciclovias, aumento da faixa de areia, recuperação de centros históricos entre outras intervenções.
“O atual governo do Paraná viu a necessidade de recuperar nosso litoral como forma de garantir um crescimento turístico e dar mais opções de lazer à população do estado. Não faz sentido que o paranaense vá descansar em Santa Catarina, sendo que temos um belo litoral também. O que faltava era estrutura”, afirmou Amaral. Os investimentos do governo na região giram em torno de R$ 2 bilhões e essa já é a maior intervenção turística da história do Paraná.
Matinhos é a cidade que mais foi afetada pelo projeto. Com aproximadamente 40 mil habitantes, e distante cerca de 110 km de Curitiba, o caminho desde a capital é quase que inteiro por vias duplicadas, especialmente no trecho de serra onde os carros disputam espaços com as carretas que vão para o porto de Paranaguá, em meio à beleza exuberante da Mata Atlântica.
Em 2000, Matinhos foi atingida por uma ressaca que causou estragos em sua orla que desde então não foi mais recuperada. Ao chegar na cidade, a sensação que se dá é de um local recém construído, já que as obras foram entregues nos últimos meses. Isso já causou uma verdadeira invasão de turistas, mesmo antes de as obras terminarem: estimativas da Polícia Militar do estado do Paraná apontaram que na virada de 2024 para 2025 a cidade recebeu cerca de 1 milhão de visitantes interessados em conhecer as mudanças promovidas no local.
“Claro que uma cidade de 40 mil habitantes que recebe 1 milhão na alta temporada precisa de mais estrutura, como a construção de hotéis, comércios, hospitais entre outras obras importantes. Investir no turismo local não vai apenas atrair pessoas para visitar a região, mas também levará a melhorias para quem mora ali, por meio de mais obras, empregos, renda e qualidade de vida”, destacou Amaral.
A Geplan gerenciou a construção de um canal que liga os bairros periféricos de Matinhos até o oceano, junto com obras de macro e microdrenagem. Até poucos anos atrás, a cidade sofria com alagamentos, como a que aconteceu em janeiro de 2024 e durou cerca de três dias, deixando desabrigados e causando estragos na infraestrutura. Isto se dava pela ausência de escoamento adequado das águas de chuva e esgoto. Após as intervenções, a cidade já recebeu chuvas fortes e o impacto foi consideravelmente menor, principalmente por causa do novo canal.
“Por mais que tenhamos ajudado no escoamento das águas da chuva, infelizmente ainda há um certo esgoto depositado no canal por falta de obras de saneamento. Mas, o local onde ele deságua no mar é estratégico já que chega em um ponto onde a corrente marítima leva os resíduos para longe da costa, mantendo a água própria para o banho”, afirmou José Roberto Bilobran, um dos coordenadores dos projetos.
“Nova praia” em Matinhos
Em termos de engenharia, a obra mais inovadora e complexa foi a retirada de 3 milhões de metros cúbicos de areia em alto mar a uma distância de 4 km da costa, por meio de uma draga. Chamado de “engorda”, esse processo depositou o equivalente a 230 mil caminhões de areia na faixa da praia para aumentá-la e garantir maior espaço aos turistas. Para proteger a obra, também foram construídas algumas estruturas marítimas preenchidas com areia da própria praia. Além de colaborar com a preservação da engorda da praia, as estruturas servem como ponto turístico já que avançam alguns metros para dentro do mar, se tornando mirantes.
“É uma obra de grandes dimensões que não mexeu apenas na estrutura turística, mas também criou condições para que os turistas aproveitem ainda mais o mar. Os surfistas que já frequentam aquela praia há alguns anos constataram que alguns tipos de ondas que ‘sumiram’ nos últimos anos apareceram novamente após a engorda”, afirmou Amaral.
A fauna local também foi alterada: já foram avistados na região mais de 4 mil animais de 36 espécies, sendo que alguns deles ameaçados de extinção, como o boto-cinza e toninhas. Como forma de garantir o equilíbrio ambiental, houve ainda a plantação de restinga na praia para repor a que foi retirada durante as obras.
“Ter participado desta obra é indescritível quando pensamos a quantidade de pessoas que foram impactadas positivamente com tudo que foi executado. A nossa expectativa é a próxima intervenção ocorrerá daqui a 30 anos, apenas como forma de manter o que foi feito agora”, afirmou Bilobran.
A recuperação também se deu por meio da construção de ciclovias, pistas de corrida, pontes sobre rios que cortam a cidade, além de “super postes” com iluminação potente que chegam até a água do mar, com o objetivo de inibir assaltos ou outros crimes. Praticamente tudo já está disponível para a população.
“Esses projetos desenvolvidos para o litoral paranaense representam um grande marco para todos nós, pois a região há muito tempo necessitava de mais atenção e cuidado”, afirmou Rafaela Zanotti, Pesquisadora e Arquiteta Responsável pela Revitalização entre a Orla de Guaratuba e Pontal do Paraná.
Recuperação do centro histórico de Guaratuba
Rafaela também é responsável pela transformação da parte histórica das cidades. Ela é pesquisadora da Paraná Projetos, um braço de pesquisa do governo do Paraná que investe neste tipo de empreitada, e viu na cidade de Guaratuba, próximo à divisa com Santa Catarina, um espaço ideal de recuperação por meio de boa arquitetura.
Ali, o governo do estado está finalizando uma ponte entre a cidade e Matinhos, travessia que no momento só é feita de balsa. Isso vai favorecer a chegada de turistas que querem conhecer o centro histórico de Guaratuba, cidade fundada em 1771, e que, por ter a segunda maior baía do Paraná, era ponto estratégico para comerciantes que viajavam pelo oceano na época da colônia.
Em 1968, a falta de estrutura em que os moradores viviam causou uma tragédia: os trapiches cederam e grande parte das construções históricas desabaram para o fundo do mar. Com as obras de recuperação, feitas mais de 50 anos após a tragédia, Guaratuba terá uma orla que mistura construções históricas com a bela vista da baía que hoje é área de proteção ambiental. “Acredito que essas iniciativas trarão um importante impulso ao turismo no Paraná, além de contribuírem para a melhoria da qualidade de vida da população local”, destacou Rafaela.
Mais vagões descarregados em Paranaguá
O impacto das intervenções não é apenas na área turística. As empresas comandadas por Ricardo Amaral também atuam no projeto chamado “Moegão”, em referência às moegas que são utilizadas para receber grãos. O objetivo deste que é atualmente o maior investimento portuário do Brasil é aumentar a capacidade de descarga de grãos e por meio de uma nova estrutura de recebimento e descarga de vagões. A obra, que acaba de atingir mais de 50% de sua execução, prevê a construção de uma nova estrutura de recebimento e descarga de vagões, visando aumentar a eficiência e reduzir o tempo de espera dos trens.
Com área total de quase 600 mil metros quadrados, o Moegão terá capacidade para descarregar simultaneamente até 180 vagões, em três linhas independentes. Cada linha terá capacidade de movimentação de 2 mil toneladas de cargas por hora. Na prática, isso significa que o número de vagões descarregados no Porto de Paranaguá passará dos atuais 550 para 900 por dia, um aumento de 63%. A instalação do Moegão também trará benefícios para os moradores da cidade já que reduzirá de 16 para cinco o número de cruzamentos entre linhas férreas e ruas da cidade, diminuindo as interrupções no trânsito e os riscos de acidentes.
Perspectivas para os próximos anos
Nos próximos anos, estão previstas algumas novas intervenções, especialmente na Ilha do Mel, hoje o principal ponto turístico do estado, e em Pontal do Paraná, mas ainda sem previsão de início das obras. De acordo com dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), já é possível notar um impacto positivo na região: na comparação entre os verões de 2025 e 2024, as cidades locais viram um aumento de 42% no impacto econômico e 66% na geração de empregos. A tendência, na visão de Ricardo Amaral, é que o paranaense “descubra” o litoral do seu próprio estado.
“Muitas vezes a pessoa pode levar 12 horas para chegar em praias de Santa Catarina por causa das rodovias de lá que passam no meio de cidades, o que causa um grande problema de congestionamentos. Esses investimentos todos que fizemos junto com o governo do estado vão trazer a infraestrutura necessária para que o litoral do Paraná seja o novo polo turístico do sul do Brasil”, afirmou.