A ofensiva tarifária dos Estados Unidos contra o Brasil, que culminou em restrições a centenas de produtos nacionais, provocou reações em diversos setores da economia. No caso da mineração, especialmente em estados com potencial em terras raras e metais estratégicos, como Tocantins, o embate comercial e diplomático reacendeu uma discussão sobre soberania, diversificação de parceiros e o protagonismo do País em cadeias globais. Para entender melhor esse cenário, o BRAZIL ECONOMY conversou com Lina Ester Barbosa Ribeiro, presidente da Mineratins, companhia de fomento mineral do Estado. Ela critica a chantagem comercial por parte dos Estados Unidos, fala sobre o modelo de operação da Mineratins, alerta para os entraves fiscais que ainda prejudicam o setor e destaca a riqueza pouco explorada do Tocantins em ouro, esmeraldas e terras raras. Para a executiva, o recente conflito internacional pode ser um divisor de águas para o fortalecimento da autoestima nacional. “Foi um tiro no pé do Trump. Isso fortalece quem ele queria enfraquecer”, afirmou. Confira os principais trechos da entrevista:
Como a senhora avalia esse momento nas relações entre Brasil e Estados Unidos, marcado por um conflito comercial e diplomático que rompe com mais de 200 anos de bom relacionamento?
Esse tarifaço teve motivação ideológica. O argumento usado pelos americanos é político, o que não faz sentido, porque quem processou o ex-presidente Bolsonaro foi o Supremo Tribunal Federal, não o governo. Ainda que o Executivo quisesse intervir, não conseguiria, em respeito à autonomia dos Poderes. Sobre os 206 anos de relação comercial, eu vejo que isso é sólido o suficiente para suportar essas rusgas pontuais. Como se diz, atrita, desatrita. E já houve sinalizações de recuo: o próprio Trump isentou cerca de 700 produtos da tarifa. Então, acredito que isso tende a se resolver nos próximos meses.
E como o setor de mineração, especificamente em Tocantins, será afetado por esse cenário de tensão?
Não sentimos impacto direto. Na verdade, houve até um aumento de procura. O setor mineral foi um dos primeiros a entrar nas negociações porque o Brasil tem todos os tipos de minérios que o mundo precisa. E com custo baixo, infelizmente, porque vendemos commodities sem agregar valor. Hoje em dia, as terras raras estão em alta. O Brasil tem 23% das reservas mundiais conhecidas, e Tocantins está entre os Estados com grande potencial, embora tudo ainda esteja em estágio inicial.
O Estado já tem produção significativa de terras raras?
O potencial é enorme, mas estamos no começo. Só há três anos conseguimos um mapa geológico na escala 1:500 mil. Ou seja, ainda impreciso. Agora estamos avançando para mapas de maior detalhe. Sabemos que Tocantins tem terras raras, assim como Goiás, Bahia e Minas Gerais. Há uma empresa se instalando em Nova Olinda para montar um laboratório de separação de terras raras pesadas, mas é um projeto ainda incipiente. A tendência é promissora porque estamos organizando desde o início nossas políticas minerárias e ambientais.
Como Tocantins tem buscado desburocratizar o licenciamento ambiental para atrair investimentos?
Fizemos uma mudança estrutural no Naturatins, nosso órgão ambiental, junto com a Mineratins. Criamos uma equipe técnica dedicada exclusivamente à mineração, evitando que os processos disputem análise com poços artesianos, desmatamento etc. Isso reduziu drasticamente o tempo de resposta. A empresa chega com um projeto, e já sabe com quem vai tratar. O processo é analisado de forma especializada e rápida.
Qual é o papel exato da Mineratins dentro dessa política de fomento?
Somos uma empresa de economia mista, mas o Estado do Tocantins detém 99,97% do capital. Regemo-nos pela Lei 13.303/2016, que nos permite maior flexibilidade na escolha de parceiros. Temos 45 ativos minerários e buscamos ampliar isso. A Mineratins não opera minas, não extrai. Nosso papel é mapear, pesquisar e estruturar os ativos até deixá-los prontos para operação privada. Quando estão prontos, buscamos parceiros que aportem capital e conhecimento técnico, em troca de um prêmio de oportunidade e da participação do Estado no royalty. É um modelo semelhante ao da CBPM na Bahia.
E qual a representatividade atual da mineração na economia tocantinense?
Ainda é uma participação pequena, porque o setor está em fase inicial. Temos algumas empresas atuando, como a Aura, a Rock Shield, a Alva Minerals, e também forte produção de calcário. O Tocantins é o quarto maior produtor nacional desse mineral. Mas, em termos de valor total movimentado pela mineração, não temos dados precisos. Isso é frustrante. Os números da Agência Nacional de Mineração não batem com os da Secretaria da Fazenda. A fiscalização ainda é frágil e subdimensiona a real riqueza extraída.
A senhora mencionou as dificuldades de fiscalização. Poderia detalhar isso?
Continuamos com a mesma sangria da época da Inconfidência Mineira. Há uma evasão fiscal significativa, principalmente no segmento de pedras preciosas e gemas. O Estado criou a Agência Estadual de Mineração com função de fiscalização, mas o termo de cooperação com a ANM ainda não foi assinado. Na prática, não conseguimos regular como deveríamos. As vendas de ferro e ouro são mais simples de rastrear, pois são commodities. Mas pedras e outros minerais seguem meio “soltos”.
Como a senhora vê essa ofensiva dos EUA por nossas terras raras e minérios estratégicos?
É motivo de preocupação os EUA usarem nossas terras raras como chantagem comercial. Seria pura chantagem. O Trump já usou esse expediente na Ucrânia. Trocou apoio militar por áreas de exploração. Agora tenta fazer o mesmo com o Brasil. Isso é perigoso, porque ameaça a nossa soberania. Temos que sentar e negociar, não ceder à pressão. Felizmente, hoje o Brasil tem parceiros comerciais diversificados. Os EUA são apenas o terceiro maior. A China e a União Europeia estão à frente. Isso nos dá margem de resistência.
O conflito comercial com os EUA gerou preocupação entre os mineradores tocantinenses?
Como brasileira, me preocupo. Mas, no geral, aqui em Tocantins, não houve grande impacto até agora. O mercado interno consome nosso calcário. O ouro sempre tem compradores. As pedras preciosas têm altíssimo valor e pouca concorrência. Nossa esmeralda, por exemplo, foi considerada a melhor do mundo, superando até Muzo, na Colômbia. Temos também granadas, turmalinas e o escândio, que é uma das terras raras.
O estado exporta pedras ornamentais ou chapas para os EUA?
Ainda não, mas há interesse. Recebemos visitas de grupos importantes do Espírito Santo, como o Corcovado, interessados nas nossas rochas ornamentais. Temos jazidas valiosas, como a Moulin Rouge, uma pedra vinho com frisos esverdeados, belíssima. A natureza é insubstituível, e isso atrai investidores. Mas o setor ainda está em estruturação.
Na sua avaliação, esse conflito com os EUA pode acabar tendo um efeito positivo, ao incentivar o Brasil a diversificar seus mercados e defender sua soberania?
Sim, acredito nisso. Por muito tempo, principalmente setores mais à direita, desejaram um alinhamento cego aos EUA. Mas isso não é possível. Nenhum presidente pode bater continência para uma bandeira estrangeira. Esse episódio reacendeu o nacionalismo, o amor próprio. O que era para ser uma ofensiva contra o Brasil acabou fortalecendo a democracia. Setores refratários passaram a se unir em torno de uma causa nacional. Foi um tiro no pé. Isso pode favorecer o governo Lula, inclusive nas eleições de 2026.
A senhora acredita que esse embate pode consolidar uma postura mais soberana do Brasil no cenário internacional?
Com certeza. Tentaram enfraquecer um governo democraticamente eleito para proteger interesses pessoais. O Brasil não pode ser refém de chantagens. O povo precisa ser soberano para decidir seu destino. E esse episódio, por mais negativo que pareça à primeira vista, nos ensinou uma lição importante.