Quando a história se repete, ela o faz primeiro como glória, depois como ironia. Alexandre, o Grande, morreu na Babilônia. O outro, Alexandre de Moraes, vive em Brasília e agora também figura nos registros seletíssimos da Lei Magnitsky, sancionada por Washington com o selo da moral universal.
A medida parece projetada para efeito externo, mas seus reflexos já batem nas margens de crédito de bandeiras internacionais. No mercado financeiro, estabilidade exige previsibilidade contratual. No direito do consumidor, continuidade exige fundamento.
No entanto, surgem rumores de bloqueio de cartões, encerramento de contas e suspensão de serviços bancários com base em imposição unilateral estrangeira — sem inadimplência, sem fraude, sem ordem judicial nacional. Sob a ótica do direito brasileiro, tal rompimento configura potencial violação à boa-fé objetiva, à função social do contrato e à regulação financeira imposta pelo Banco Central, sem falar nos artigos basilares do Código de Defesa do Consumidor.
Nenhuma instituição, por mais internacional que seja, está autorizada a sacrificar a legalidade doméstica no altar do compliance geopolítico. Se a bandeira recua, cabe ao emissor segurar a Constituição. A cláusula de soberania não é opcional. O Brasil não terceiriza seu Estado de Direito — nem mesmo aos fundadores da Visa.
Se o consumidor é brasileiro, o critério de validade é o contrato, e não a caneta de outro país. Vide a recentíssima fala do ministro-chefe da AGU, Jorge Messias, na reabertura do semestre judiciário do STF, quando menciona o art. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que dita: “leis, atos e sentenças de outro país não terão eficácia no Brasil quando ofenderem a soberania nacional”.
Vai ser uma boa discussão essa. A inteligência normativa brasileira, por vezes subestimada, revela-se, neste instante, um escudo de lucidez. Porque, se um ministro do Supremo pode ser desbancarizado sem processo judicial, o mercado inteiro está vulnerável ao humor dos algoritmos diplomáticos — o que, por óbvio, é inadmissível. E não há swap cambial que corrija isso.
Para terminar, além da Magnitsky, dormi com Bertolt Brecht: “Primeiro levaram os negros, mas eu não me importei com isso… eu não era negra”.
*Renata Abalém é advogada, diretora jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte (IDC) e membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/SP

