Por volta do fim da tarde desta terça-feira (9), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, divulgou uma carta endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que pegou o mundo diplomático de surpresa: a partir de 1º de agosto, todos os produtos brasileiros exportados aos EUA passarão a ser taxados em 50%. A medida coloca o Brasil na desconfortável posição de país com a maior alíquota tarifária já imposta unilateralmente por Washington entre seus parceiros comerciais.
O documento divulgado por Trump não ficou restrito a medidas econômicas. Nele, o presidente americano também declara que o ex-presidente Jair Bolsonaro estaria sendo alvo de perseguição política e acusa o Brasil de impor barreiras às operações de gigantes da tecnologia americana no território nacional.
“Era mais do que esperado que isso acontecesse. Diplomaticamente, a situação já vinha se deteriorando há algum tempo”, avaliou Gunther Rudzit, professor de Relações Internacionais da ESPM. “Acredito que deve haver alguma medida direcionada contra Alexandre de Moraes, mas o pior cenário seria um embargo total a produtos americanos, como equipamentos militares, dos quais somos altamente dependentes. Essas sobretaxas podem não ser o limite do que o governo Trump está disposto a fazer para prejudicar o Brasil.”
Apesar do pano de fundo político, especialistas e representantes de diversos setores econômicos tentam agora dimensionar os possíveis impactos da decisão na balança comercial entre os dois países. E os números não são triviais.
Desde 2009, o Brasil acumula sucessivos déficits comerciais com os Estados Unidos. De acordo com dados oficiais do governo brasileiro, até junho de 2025, as exportações americanas ao Brasil superaram as brasileiras em mais de US$ 90 bilhões. Considerando o histórico desde 1997, quando a atual série começou a ser compilada, o superávit dos EUA no comércio bilateral é de US$ 49,88 bilhões.
Mesmo com o crescimento das exportações brasileiras para os EUA em 2024 — que somaram mais de US$ 40 bilhões, segundo levantamento da Amcham Brasil, um aumento de 9,2% em relação a 2023 —, o saldo continuou favorável aos norte-americanos, em mais de US$ 250 milhões.
A nova rodada de tarifas, portanto, afeta diretamente uma relação comercial historicamente assimétrica, mas ainda estratégica. Desde 2009, a China ocupa o posto de maior parceiro comercial do Brasil. Os chineses compram principalmente commodities como minério de ferro, petróleo, soja e carne bovina, enquanto os produtos vindos da China são predominantemente manufaturados, eletrônicos e bens de consumo.
O que diferencia a pauta exportadora brasileira para os EUA, porém, é o maior valor agregado. Itens como aço semiacabado, café moído, peças de aviões, papel e celulose e suco de laranja compõem uma lista em que o Brasil, muitas vezes, é líder mundial de produção e exportação — como é o caso do suco de laranja.
Para o setor, o impacto da decisão foi imediato. “Fomos pegos de surpresa e ainda vamos analisar os impactos, mas é péssimo para o setor como um todo”, afirma Ibiapaba Netto, diretor-executivo da CitrusBR, entidade que representa as maiores processadoras e exportadoras de suco de laranja do País. “Essa medida afeta não apenas o Brasil, mas toda a indústria americana de sucos, que há décadas tem o Brasil como principal fornecedor externo.”
Em linha semelhante, Marcos Matos, diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), tenta manter a esperança de que “bom senso e previsibilidade de mercado prevaleçam”, lembrando que o Brasil é o principal fornecedor de café aos americanos.
A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), por sua vez, afirmou em nota que qualquer elevação tarifária sobre produtos brasileiros “terá efeitos negativos sobre o setor produtivo e representa um entrave ao comércio internacional”. A entidade se colocou à disposição para o diálogo e espera que “medidas dessa natureza não gerem impactos para os setores produtivos brasileiros nem para os consumidores americanos”.
Já o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que representa empresas do setor, minimizou os efeitos da medida, afirmando que o impacto sobre as mineradoras tende a ser pequeno, uma vez que a maior parte das exportações do setor tem como destino a Ásia.
Procuradas pelo BRAZIL ECONOMY, empresas relevantes dos setores diretamente impactados preferiram não se manifestar. A Embraer, a Citrosuco e a CBA não comentaram a decisão até o fechamento da reportagem. A Usiminas, uma das maiores produtoras de aço do País, não respondeu aos questionamentos.
Para o professor de Relações Internacionais e Economia do Ibmec-SP, Alexandre Pires, a medida poderá redesenhar rotas comerciais. “Essa alíquota imposta basicamente tira o Brasil do mercado norte-americano para produtos como aço, suco de laranja e café”, afirma. “Por outro lado, abre oportunidades para impulsionar o comércio com outros países, como minério e aço com a Austrália, café com a Colômbia ou carne com a Argentina.”
Mas a repercussão não ficou restrita aos mercados e às entidades setoriais. O impacto político da carta de Trump também se fez sentir em Brasília. Para o deputado federal Rogério Correia (PT-MG), a taxação é uma clara resposta à crescente atuação do Brasil no cenário geopolítico. “Essa carta é uma afronta ao povo brasileiro. Como pode um presidente de outro país querer impor tarifas e ainda interferir na política interna? Há também uma questão geopolítica aqui: o Brasil vem exercendo papel de liderança nos BRICS, bloco que representa 40% da população mundial. O mundo saberá repudiar essa atitude.”
Já o deputado Júlio Lopes (PP-RJ) prefere adotar um tom mais cauteloso. “O que eu peço é que o governo tenha tranquilidade para analisar o cenário. A medida de Trump é preocupante e requer cautela nos próximos passos.”
Resposta oficial brasileira
Poucas horas após a divulgação da carta, o governo brasileiro reagiu com firmeza. Em nota oficial, o Palácio do Planalto afirmou que o Brasil “não aceitará ser tutelado por nenhuma nação estrangeira” e que responderá à medida com base na Lei da Reciprocidade Econômica.
O presidente Lula encerrou o comunicado reafirmando que “soberania, respeito e a defesa intransigente dos interesses do povo brasileiro” são princípios que guiam a política externa do País.
Para o professor Alexandre Pires, a nota marca uma mudança de postura e antecipa um cenário de maior tensão. “Não há tom conciliatório, e sim de enfrentamento. É provável que o governo atual aposte em um discurso mais patriótico, com foco em ganhos eleitorais. Ainda não sabemos como o setor de commodities vai reagir, mas tudo indica que teremos uma semana de embates mais intensos entre os poderes. O que é certo é que o Brasil nunca esteve tão distante do mercado americano quanto agora.”