Tarifas ao Brasil revelam uso político do comércio e abrem nova frente de tensão

Relatório do Deutsche Bank analisa impactos econômicos, políticos e cambiais da medida anunciada por Trump e avalia riscos para a moeda brasileira

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Imagens: Agência Brasil/Alan Santos

Jair Bolsonaro e Donald Trump em encontro nos EUA em 2019. Na ocaisão, Bolsonaro disse "I love you" para Trump

Jair Bolsonaro e Donald Trump em encontro nos EUA em 2019. Na ocaisão, Bolsonaro disse "I love you" para Trump

O anúncio da imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros pelos Estados Unidos pegou analistas e investidores de surpresa, não apenas pela intensidade da medida, mas também pela motivação política por trás dela. É o que aponta um relatório recente do Deutsche Bank, que classifica a ofensiva tarifária como uma ferramenta de pressão com fins eleitorais e ideológicos.

Diferentemente de medidas anteriores, com justificativas econômicas ou de defesa comercial, a nova tarifa tem como pano de fundo a alegada “caça às bruxas” contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e a “censura ilegal” de redes sociais nos Estados Unidos, ambas mencionadas no comunicado oficial de Washington. Ainda que não explicitado, o relatório sugere que o aprofundamento dos laços entre Brasil e China também pode ter influenciado a decisão da Casa Branca.

Apesar da repercussão geopolítica, o impacto macroeconômico imediato das tarifas pode ser moderado. Os EUA são o segundo maior destino das exportações brasileiras, atrás da China, e respondem por cerca de 2% do PIB nacional. Segundo a análise do Deutsche Bank, entre 55% e 60% das exportações do Brasil para os EUA estariam efetivamente sujeitas às novas tarifas, uma vez que setores como petróleo bruto (hoje isento), aço e automóveis já estão cobertos por tarifas específicas.

Ainda assim, o relatório alerta para a exposição significativa da indústria de transformação brasileira, que destina quase 18% de suas exportações aos EUA. Além disso, o país de Trump é um dos principais investidores diretos no Brasil e um importante detentor de ativos brasileiros, o que amplia os potenciais desdobramentos da medida.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva adotou, até o momento, uma postura comedida diante do anúncio, segundo o banco. Embora tenha prometido recorrer a todos os meios para evitar as tarifas e acenado com medidas de retaliação, nenhuma ação concreta foi oficializada até agora. Segundo o Deutsche Bank, a escolha de Lula parece politicamente calculada: o episódio pode ser usado como palanque interno para reforçar sua imagem de defensor da soberania nacional e reverter a trajetória de queda de sua popularidade, mirando a reeleição em 2026.

“A ameaça de tarifas parece ter reenergizado Lula e sua base política, oferecendo uma bandeira de defesa nacional frente a um adversário externo impopular”, escrevem os estrategistas Carlos Munoz-Carcamo e Drausio Giacomelli, autores do relatório.

A aproximação crescente entre Brasil e China, intensificada com a adesão do país ao BRICS e a possível entrada na Iniciativa Cinturão e Rota, também está no centro do tabuleiro geopolítico. O Brasil sediou a cúpula do BRICS neste ano e firmou com os chineses um ambicioso projeto ferroviário interoceânico, ligando o Atlântico ao Pacífico. Esses movimentos, aponta o Deutsche Bank, podem ter acendido alertas em Washington e ajudado a deflagrar a ofensiva tarifária.

A questão se complica pela dificuldade de Lula em intervir nos fatores que motivaram a medida: a situação judicial de Bolsonaro e os embates jurídicos envolvendo plataformas de mídia social são de competência do Supremo Tribunal Federal. Um eventual gesto de conciliação com o ex-presidente é considerado improvável, tanto do ponto de vista legal quanto eleitoral.

O impacto sobre o câmbio foi imediato, mas pontual. O real sofreu desvalorização logo após o anúncio, mas os mercados se estabilizaram diante da percepção de que as tarifas podem não ser efetivamente implementadas. Há possibilidade de reversão judicial ainda neste mês, em 31 de julho, segundo a instituição.

Ainda assim, o Deutsche Bank adota uma visão mais cautelosa sobre o futuro da moeda brasileira. Embora continue a considerar os fundamentos do real sólidos (incluindo taxa de juros elevada, conta corrente favorável e melhora fiscal recente), o banco admite que a tensão com os EUA, o fortalecimento da candidatura de Lula e os impactos setoriais das tarifas elevam o nível de vulnerabilidade do BRL.

“Seguimos com posição comprada em BRL/COP, mas reconhecemos que a carta tarifária dos EUA introduz novos riscos à nossa perspectiva”, concluem os analistas.

O cenário segue em aberto. Um desfecho judicial favorável ao Brasil pode enfraquecer os efeitos da medida, enquanto uma escalada nas tensões pode abrir um novo ciclo de retaliações e incertezas. Para Lula, o episódio representa tanto um risco quanto uma oportunidade política. Para o Brasil, é mais um capítulo de uma geopolítica cada vez mais interligada ao comércio e à diplomacia.

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