“Sobre Trump, a melhor opção de Bolsonaro é ficar em silêncio”, afirma João Doria

Em entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY, o ex-governador e fundador do LIDE afirma que a soberania brasileira não pode ser violada por decisões políticas dos EUA

Guilherme Camara
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Imagens: Claudio Gatti/Brazil Economy

O ex-governador de São Paulo diz que não se justifica uma violação da soberania do Brasil, que é o que o governo Trump tenta

O ex-governador de São Paulo diz que não se justifica uma violação da soberania do Brasil, que é o que o governo Trump tenta

João Doria tem 67 anos, é jornalista, publicitário, ex-apresentador de TV e conta com algumas passagens pelo poder público: foi presidente da Embratur no governo de José Sarney, prefeito e governador de São Paulo entre 2017 e 2022, quando anunciou que deixaria a vida pública para se concentrar em suas atividades empresariais. É fundador e copresidente do LIDE, a maior organização de líderes empresariais da América Latina, que reúne mais de 2 mil empresas e 4 mil líderes no mundo todo. A companhia conta com comitês multilaterais que abrangem 39 setores econômicos estratégicos. Por meio deles, são organizados diversos eventos e fóruns para discutir tendências e perspectivas do mercado corporativo no Brasil e no mundo. Doria conversou com o BRAZIL ECONOMY sobre a surpresa com que recebeu a notícia da taxação de 50% sobre produtos brasileiros, anunciada na semana passada por Donald Trump. Ele pediu maior participação de governadores nas negociações promovidas pelo governo Lula, criticou o aumento do IOF e pediu “silêncio” a Bolsonaro para que a crise com os EUA seja contornada.

Como o senhor recebeu a notícia da taxação de 50% sobre os produtos brasileiros, anunciada na semana passada por Donald Trump?
Recebi com surpresa, já que a medida segue critérios políticos e não técnicos. Foi um erro gravíssimo e duplo, pois penaliza tanto os EUA quanto o Brasil. Da mesma forma que o exportador brasileiro não quer enfrentar essa taxação, que pode encarecer sua operação, o consumidor norte-americano também não tem interesse em pagar mais pelo café ou suco de laranja que consome de manhã. Passageiros que usam aviões nos EUA podem ser impactados com o aumento no preço das aeronaves da Embraer. Alimentos também podem ficar mais caros, já que os grãos brasileiros chegarão mais onerosos. Enfim, não é bom para nenhum dos lados.

Essa surpresa veio mesmo sabendo que Trump é um defensor de tarifas que vão contra o multilateralismo global?
Sabemos do perfil do presidente Trump em defender taxações. Quando ele impôs 10% de tarifas aos países que mantêm acordos bilaterais com os EUA, já era algo nocivo, mas absorvível. É diferente de elevar o percentual para 50%, o que pode causar problemas sérios na economia brasileira, como aumento do desemprego, já que muitas empresas podem ter suas operações encarecidas, o que pode levar a demissões, por exemplo.

O senhor considera que foi uma tentativa de violação da soberania brasileira?
Sem dúvida alguma. Foi uma decisão que não segue critérios técnicos, já que a balança comercial, da maneira como está, é favorável aos EUA. Ou seja, não faz sentido haver uma taxação desse tipo. O que houve foi uma tentativa de interferência nas decisões da Suprema Corte brasileira, o que é inadmissível. Você pode gostar ou não do ex-presidente Bolsonaro, mas nossas instituições trabalham para julgá-lo dentro da lei brasileira. Não cabe aos EUA, ou a qualquer outro país do mundo, interferir nisso.

O Brasil tem assistido a uma disputa de narrativas sobre quem seria o culpado por essa taxação: o governo brasileiro, que não tem uma boa relação com os EUA, como antes, ou a família Bolsonaro, que comemorou a taxação como forma de pedir uma anistia aos envolvidos na tentativa de golpe em 2022. Como o senhor vê isso?
De maneira muito prejudicial ao Brasil. Aliás, são dois anos e meio de disputas com um país dividido entre narrativas da extrema esquerda e da extrema direita. Quem perde são os brasileiros, com essa falta de diálogo e os ataques de ambos os lados. Já estamos com uma economia que perdeu seu eixo após várias tentativas positivas do ministro Fernando Haddad. Até novembro do ano passado, ele vinha comandando a pasta de maneira menos ideológica. Mas, naquele mês, anunciou medidas como a isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil, o que fez a confiança na economia cair, pois sinaliza falta de compromisso com o equilíbrio fiscal. Não apenas o setor financeiro, mas também o setor produtivo viu isso com maus olhos. A prova é que o dólar subiu e muitos investidores foram embora. A tentativa de aumentar o IOF foi a cereja no bolo de uma economia que já ia mal. É uma medida que pode gerar inflação, o que afeta sobretudo os mais pobres, que sempre pagam a conta por decisões equivocadas na economia.

E qual seria a melhor maneira de resolver o impasse com os EUA?
Ter tranquilidade para negociar. Acredito que não é prudente o governo brasileiro retaliar o governo Trump ou tomar alguma medida coercitiva. Sabemos como é o perfil psicológico do presidente dos EUA e, por isso, acho que não daria resultado. Por outro lado, Trump vem do setor privado e é um negociador. Então, acredito que, por meio do diálogo, chegaremos a um bom acordo. Em algum momento, os assessores mais próximos do presidente norte-americano vão alertá-lo sobre como essa taxação também é nociva aos EUA.

Muitos articulistas políticos dizem que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, vem se posicionando como negociador para reverter a queda das tarifas e se projetar como candidato à presidência da República no ano que vem. O senhor enxerga dessa maneira?
O governador Tarcísio está dentro da sua legitimidade dentro da federação que configura o Brasil. O Estado de São Paulo representa 38% da economia brasileira, então é do seu interesse que esse impasse seja resolvido o mais rápido possível. Não vejo uma atuação em nível federal por parte dele. Acredito que ele vem lutando pelos interesses do estado para o qual foi eleito, que tem uma classe empresarial que seria altamente prejudicada pela taxação americana.

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, deu uma declaração dizendo que “a gente não briga com cliente” ao comentar as negociações do governo brasileiro sobre a taxação de Trump. Isso não pode ser interpretado como uma maneira de sucumbir às ameaças dos EUA para que Bolsonaro não seja preso?
Acho que temos algumas maneiras de avaliar isso. Por um lado, o governador Zema vem do setor privado, então sabe como os clientes devem ser tratados em qualquer negociação. Neste caso, os EUA são clientes importantes da economia brasileira, já que são o segundo maior parceiro comercial do Brasil. Mas não se justifica, por qualquer razão, uma violação da nossa soberania, que é o que o governo Trump tenta fazer com essa taxação, ao interferir em assuntos da Suprema Corte brasileira.

Já que os governadores estão lutando para reverter essa taxação do governo dos EUA, na sua opinião tem faltado esforços do Governo Federal?
Acredito que o Governo Federal fez bem em convocar o empresariado para discutir, seja do setor industrial, tecnológico, comercial, entre outros. O vice-presidente Geraldo Alckmin tem sido importante nesse sentido. O que faltou foi uma coordenação nacional para que os governadores participassem desses encontros, já que representam de perto os empresários de cada um de seus estados.

O senhor se colocou à disposição do presidente Lula para participar dessas reuniões de negociação sobre as tarifas?
Não foi preciso me colocar pessoalmente. O LIDE tem um setor envolvido com a área de comércio internacional que não só participou da reunião hoje, como vai participar das próximas. Estamos representados por grandes executivos, como Roberto Giannetti da Fonseca, Luiz Fernando Furlan, Henrique Meirelles, entre outros. Aliás, também estamos participando de reuniões fora do âmbito do Executivo Federal, como os encontros organizados pelo governador Tarcísio no Palácio dos Bandeirantes.

Então, podemos dizer que, passados cerca de uma semana desde o anúncio das tarifas, a situação se acalmou ou não?
Ainda não. O setor empresarial se mobilizou, e isso é muito saudável. Ainda é cedo para dizer que houve estabilidade, mas na próxima sexta-feira faremos um balanço, após essas rodadas de reuniões, para saber o que avançamos nas negociações. Espero que o presidente Trump tenha sensibilidade para entender que essa decisão de taxar o Brasil com uma tarifa tão alta prejudica seu próprio país.

O ex-presidente Jair Bolsonaro foi a peça central que levou ao anúncio de Trump. Que conselho o senhor daria a ele agora?
Sobre Trump, a melhor opção de Bolsonaro é ficar em silêncio. Agora é hora de ter serenidade e equilíbrio. Qualquer manifestação tende a acirrar os ânimos. Isso não é bom.

 

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