“Acordo Mercosul-UE enviará ao mundo um forte sinal de compromisso com o diálogo”

O embaixador Pedro Miguel da Costa e Silva, chefe da Missão do Brasil junto à União Europeia, afirma que o Brasil não pode mais depender só de antigos parceiros

Bruna Magatti
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Imagens: HorstWagner.eu/Divulgação

Pedro Miguel da Costa e Silva, diz que o acordo dependerá do compromisso brasileiro na área ambiental

Pedro Miguel da Costa e Silva, diz que o acordo dependerá do compromisso brasileiro na área ambiental

Em entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY, o embaixador Pedro Miguel da Costa e Silva, chefe da Missão do Brasil junto à União Europeia, analisa os rumos da relação bilateral em um contexto global marcado por desafios geopolíticos e pela urgência da transição verde. Ele destaca o papel estratégico do Acordo Mercosul-União Europeia, as oportunidades para investimentos em energia limpa e bioeconomia, e o protagonismo brasileiro em temas ambientais. Otimista, o diplomata acredita no fortalecimento da parceria nos próximos anos, com base em inovação, sustentabilidade e respeito mútuo.

Nascido no Rio de Janeiro, em 1966, Pedro Miguel da Costa e Silva é bacharel em História pela Universidade Nova de Lisboa. Formou-se no Instituto Rio Branco em 1992. De 1992 a 1996, trabalhou na Divisão de Comércio Internacional e Manufaturas e fez estágios na Embaixada do Brasil em Caracas e na Missão do Brasil nas Nações Unidas, em Nova York. Entre 1996 e 2000, serviu na Delegação Permanente em Genebra, sendo responsável por temas da OMC e da UNCTAD. Nesse período, foi membro do Órgão de Monitoramento de Têxteis da OMC (1998) e presidente do Comitê de Acesso a Mercados da OMC (2000).

De 2000 a 2003, serviu na Embaixada do Brasil em Santiago como chefe do Setor Econômico e de Promoção Comercial. De 2003 a 2005, atuou na Embaixada do Brasil na Bolívia como chefe do Setor Econômico e de Energia. Em 2005, defendeu a tese do Curso de Altos Estudos para Diplomatas, intitulada “A Petrobras na Bolívia: Consequências para as Relações Bilaterais e para a Política Externa”.

De 2005 a 2009, trabalhou na Assessoria Especial da Presidência da República. A partir de 2009, serviu como chefe de Chancelaria na Embaixada do Brasil em Madri (2009–2014) e em Ottawa (2014–2016). Regressou ao Brasil no final de 2016, quando assumiu a direção do Departamento Econômico. De janeiro de 2019 a julho de 2022, foi secretário de Negociações Bilaterais e Regionais nas Américas, além de coordenador nacional do Mercosul e da Comissão Nacional da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica. Entre janeiro de 2019 e agosto de 2021, também integrou o Conselho da Itaipu Binacional. Com vasta experiência diplomática, Pedro Miguel assumiu a chefia da Missão do Brasil junto à União Europeia em 5 de agosto de 2022.

Ao longo da carreira, foi examinador do Concurso de Acesso à Carreira Diplomática, orientador e examinador do Curso de Aperfeiçoamento de Diplomatas do Instituto Rio Branco, relator diplomático do Curso de Altos Estudos e professor de Política Internacional no Instituto. A seguir, o embaixador analisa as perspectivas para a cooperação entre Brasil e União Europeia, abordando investimentos verdes, acordos comerciais, inovação tecnológica, sustentabilidade e o papel dos dois blocos no cenário global. Confira a entrevista:

Neste momento em que o mundo passa por tensões geopolíticas, Brasil e União Europeia buscam estimular os investimentos verdes. Como o senhor avalia o potencial dessa parceria?
O potencial da parceria é enorme. Vários dos países-membros da União Europeia já são grandes investidores no Brasil, e muitos desses investimentos se concentram justamente em áreas fundamentais para o desenvolvimento sustentável, como a de energias limpas. O passo adicional a dar é somar a esses investimentos as iniciativas do conjunto da União Europeia, seja por meio do programa Global Gateway, seja por intermédio do Banco Europeu de Investimentos. Por enquanto, falta escala; são relativamente limitados os recursos provenientes da União Europeia. Esses avanços, evidentemente, serão mais produtivos se forem definidos em conjunto, e essas discussões já estão em curso, por exemplo, entre a Comissão Europeia e a Casa Civil.

O senhor acredita que há espaço para uma nova agenda Brasil-UE mais voltada à inovação, transição energética e bioeconomia?
Essa agenda é necessária e de interesse para o Brasil e para a União Europeia. Quando você compara os planos e programas da União Europeia aos brasileiros, como o nosso Plano de Transição Ecológica, verifica rapidamente as convergências e os espaços para gerar novos investimentos e cadeias de valor comuns. O Brasil tem sido exemplar na adoção de energias renováveis, e a UE busca aumentar a proporção de renováveis em sua matriz. A bioeconomia foi um dos pilares da presidência brasileira do G20, da qual emergiram 10 princípios de alto nível sobre o tema. O Brasil conta com uma estratégia nacional de bioeconomia, e a UE está no processo de desenvolver sua própria estratégia. Podemos utilizar o marco da Parceria Estratégica bilateral para avançar no diálogo e na cooperação sobre esses temas. Ainda que nossas necessidades, pontos de partida e visões sobre esses assuntos sejam distintos, há coincidência na prioridade conferida por ambos os parceiros a esses três temas. No tocante à inovação, o ingresso do Brasil no programa Eureka, no final do ano passado, permite muitas oportunidades de parceria com os europeus. Trata-se de uma iniciativa internacional voltada à promoção da pesquisa, desenvolvimento e inovação, especialmente no setor empresarial, com foco em parcerias entre empresas, centros de pesquisa e universidades de diferentes países. Ainda que a iniciativa não seja puramente da UE, abre espaço para muitos projetos com financiamento comunitário. Os interlocutores europeus também estão atentos ao desenvolvimento de tecnologias no Brasil, inclusive em Inteligência Artificial. O delicado equilíbrio entre regulação e inovação está sendo buscado tanto no Brasil quanto na UE, então o diálogo nesse setor é fluido.

Falando em energia, o Brasil é considerado um pioneiro em energias renováveis, especialmente no uso da energia hidrelétrica, que é responsável por uma grande parte da matriz elétrica do país, além de ser exemplo mundial no estudo e na produção de hidrogênio verde. Como podemos trabalhar com os europeus nesses temas?
Já há várias empresas europeias interessadas no potencial brasileiro em termos de produção de hidrogênio verde. Não se trata somente de gerar a produção de hidrogênio verde no Brasil para futura exportação à Europa, mas, sobretudo, de agregar valor e criar projetos que resultem em outras atividades produtivas no Brasil e na Europa. Um exemplo é o projeto para produzir insumos para a produção siderúrgica limpa na Europa. E há outros. Até o momento, a principal limitação é encontrar o financiamento inicial para fazer avançar esses projetos.

A União Europeia tem sido uma das vozes mais ativas em pautas ambientais. Como o Brasil vê o papel da União Europeia na COP30?
Consideramos a União Europeia e seus países-membros como atores fundamentais para uma COP30 bem-sucedida. Estamos esperando que os europeus apresentem uma NDC ambiciosa e que trabalhem conosco alguns dos temas fundamentais, como o do financiamento. E esperamos que o atual processo interno europeu de simplificação de sua chamada agenda verde não implique redução de ambição na agenda de combate à mudança do clima.

Uma grande expectativa do momento é o Acordo de Parceria Mercosul–União Europeia. O acordo diversifica parcerias comerciais do Brasil, além de fomentar a modernização do parque industrial brasileiro com a integração às cadeias produtivas da União Europeia. Também se espera que o tratado dinamize fluxos de investimentos, o que deve reforçar a atual posição da UE como a detentora de quase metade do estoque de investimento estrangeiro direto no Brasil. Qual a visão do senhor sobre essa questão e os impasses do acordo?
O Acordo de Parceria Mercosul-União Europeia pode funcionar como instrumento de aceleração e aprofundamento de nossas relações com a União Europeia e seus países-membros em conjuntura especialmente desafiadora. Além de poder aumentar e diversificar os fluxos de comércio e gerar novas cadeias de valor e investimento, inclusive dando impulso à internacionalização de empresas brasileiras, o acordo Mercosul-União Europeia enviará ao mundo um forte sinal de compromisso com as relações internacionais baseadas no diálogo e no entendimento. E vale enfatizar que o acordo vai muito além do comércio. Aborda o desenvolvimento sustentável, reforça os compromissos com o multilateralismo em todas as suas temáticas centrais, como o respeito aos direitos humanos e aos direitos trabalhistas. O acordo cria novos mecanismos e fóruns de consulta e diálogo em temas tão variados como a ciência, a tecnologia e a justiça. E reforça o diálogo com a sociedade civil. O principal obstáculo no caminho do acordo é a campanha de desinformação na Europa, levada a cabo por lobbies protecionistas e por setores que são contrários a todos os acordos com componente comercial. Os opositores se dedicam a espalhar fake news sobre nossa agricultura e sobre nossas credenciais ambientais. Estamos tentando desmontar essa campanha, mas ela é apoiada por interesses de política interna em vários países europeus, o que torna o exercício especialmente difícil.

Há um movimento crescente na UE por diversificação de fornecedores. Na opinião do senhor, como o Brasil pode se posicionar como parceiro confiável para cadeias globais?
No caso específico do mercado europeu, eu acho que nós temos que nos antecipar mais às tendências. Nós já temos uma ideia bastante clara de quais serão as agendas regulatórias nos próximos anos e quais são as preferências dos consumidores europeus. Se quisermos manter nossa posição como principais fornecedores em produtos do agronegócio para a Europa e diversificar nossas vendas para agregar mais valor e diversificar a pauta, temos que nos preparar para o que será o mercado europeu no curto, médio e longo prazo. Aqui na Europa, a palavra-chave continuará sendo sustentabilidade. É isso que o mercado quer: produtos que sejam vistos como sustentáveis. Isso significará, cada vez mais, não somente produção que proteja os biomas, mas também produção sem pesticidas e sem uso de outras substâncias, como antimicrobianos.

Há planos para ampliar a cooperação acadêmica e científica entre Brasil e União Europeia?
Essa cooperação já existe e é muito bem-sucedida. Nosso objetivo, no momento, é aprofundar essa parceria. Recentemente, realizamos em Bruxelas uma reunião de nosso mecanismo bilateral que cuida desse assunto. As discussões demonstraram convergência de interesses em diversos temas, como saúde e mudança climática, cooperação multilateral e o programa Horizonte Europa. No campo da pesquisa e inovação, Brasil e UE vêm cooperando no âmbito do programa Horizonte Europa, no qual o Brasil participa como país terceiro. A participação do nosso país no Horizonte Europa é uma história de sucesso: somos o maior parceiro da UE na América Latina e o sexto país não membro com mais projetos na iniciativa. O plano de trabalho de 2025 veio com mais oportunidades do que os anteriores. Há menção expressa ao Brasil em algumas das chamadas. Estamos aguardando o lançamento do próximo programa da UE sobre pesquisa e inovação para avaliarmos as possibilidades de intensificar essa cooperação, que é crescente. No final do ano passado, o Conselho Europeu de Pesquisa (ERC) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) assinaram um importante acordo, que permite que pesquisadores brasileiros sejam elegíveis para bolsas da instituição europeia. Esse instrumento reforça a cooperação em áreas estratégicas como a bioeconomia, os oceanos e a Amazônia.

Falando um pouco sobre as questões econômicas, EUA e União Europeia podem chegar a um acordo de comércio em algum momento, com potencial para afetar indiretamente o agronegócio do Brasil. Na ocasião, o senhor opinou que a saída seria se antecipar à agenda de sustentabilidade. Agora, com a taxação de Trump de 50% para o Brasil, o que podemos esperar e qual seria a melhor forma de proteger os interesses brasileiros na UE, principalmente em relação ao agro, neste momento?
Eu acho que nós não podemos depender dos movimentos ou dos acordos dos outros. Certamente monitoramos o impacto sobre nossas exportações de eventuais acordos da UE com terceiros países e tomaremos as decisões eventualmente necessárias. Infelizmente, na conjuntura atual, impera a lógica do “cada um por si”. Essa, certamente, não é a lógica com a qual o Brasil opera, mas eu acho que é preciso ter presente que esse é o cenário no qual temos que atuar. Por esse motivo, acho que devemos nos concentrar nos desafios que já conhecemos, inclusive o avanço do Acordo Mercosul–UE, que cria um marco jurídico estável para nossas relações com o bloco europeu.

Como o senhor enxerga as relações entre Brasil e UE daqui a 30 anos, especialmente no tema da sustentabilidade?
Eu espero que a relação bilateral Brasil-União Europeia esteja plenamente consolidada, com um fortalecimento e uma diversificação temática da Parceria Estratégica, com cúpulas presidenciais ocorrendo a cada dois anos e diálogos estratégicos anuais em nível ministerial, inclusive em termos de desenvolvimento sustentável. Paralelamente, espero que o Acordo de Parceria Mercosul–União Europeia seja visto, passadas três décadas, como um grande acerto que aproximou os nossos dois blocos. E é óbvio que a agenda da sustentabilidade, incluindo os pilares econômico, social e ambiental, será central na agenda bilateral e do Mercosul com a UE.
Acima de tudo, eu torço por uma relação fundamentada cada vez mais no conhecimento e no respeito mútuo. No momento, temos uma história comum e fortes vínculos humanos e culturais que, muitas vezes, são esquecidos. Eu espero que esses vínculos sejam cada vez mais compreendidos e valorizados.

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