“Não dá para redirecionar toda laranja do Brasil”, afirma Ibiapaba Netto, da CitrusBR

Diretor-executivo da entidade que representa o setor alerta para os riscos da tarifa de 50% imposta pelos EUA, critica a falta de diálogo e afirma que o mercado internacional não tem como absorver o excedente da produção brasileira

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Imagens: Divulgação

Ibiapaba Netto, da CitrusBR: "O ambiente internacional é cada vez mais protecionista, mesmo nos Brics"

Ibiapaba Netto, da CitrusBR: "O ambiente internacional é cada vez mais protecionista, mesmo nos Brics"

A poucos dias da entrada em vigor do novo tarifário de 50% imposto pelos Estados Unidos sobre as importações do Brasil, incluindo suco de laranja, o setor vive um cenário de profunda incerteza. Responsável por mais da metade do suco de laranja consumido pelos americanos, o País corre o risco de perder seu principal mercado em meio a tensões comerciais e falta de diálogo efetivo entre os governos dos dois países. Nesta entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY, o diretor-executivo da CitrusBR, Ibiapaba Netto, avalia os impactos potenciais da medida, explica por que o suco brasileiro é insubstituível, expõe as limitações para redirecionamento da produção e critica a ausência de regras claras por parte da administração americana. Ele também comenta as dificuldades internas enfrentadas pelas empresas do setor, os limites de ações paliativas como linhas de crédito estaduais e os riscos de retração no consumo de suco nos Estados Unidos. Num tom pragmático, o executivo revela que o mercado internacional é cada vez mais fechado, protecionista e competitivo, e que, diante disso, o setor citrícola brasileiro terá que buscar soluções estratégicas para atravessar a crise iminente.

Como está o clima em Brasília? Há alguma expectativa de avanço nas negociações com os Estados Unidos?
Até agora a gente não tem interlocução oficial entre o governo brasileiro e o americano. Existem contatos com secretários e pessoas de segundo escalão, mas ninguém autorizado a negociar o tema. Por enquanto, essas viagens de senadores, reuniões com empresários ou contratação de escritórios de lobby servem mais para dar uma resposta interna, mostrar que estão fazendo algo, do que para efetivamente resolver o problema.

E qual é a posição oficial da CitrusBR diante do tarifário americano?
Temos adotado uma postura de cautela. Estamos a poucos dias da data prevista para o início da tarifa de 50% e, até agora, não há nenhuma regra publicada. Sem a publicação de uma ordem executiva por parte do governo americano, não se sabe nem como aplicar a cobrança. Há dúvidas sobre se a tarifa se baseia na data de embarque, de chegada no porto ou de produção. Isso gera um ambiente de total incerteza.

Essa indefinição prejudica o setor?
Muito. O mercado opera sem saber o que vem pela frente. As decisões ficam paradas. E isso é especialmente grave para o suco de laranja, que é um produto insubstituível em termos de volume.

Por que o suco de laranja brasileiro é considerado insubstituível para os Estados Unidos?
Hoje, 57% de todo o suco de laranja consumido nos Estados Unidos vem do Brasil. Em termos de importação, o Brasil representa 72%. Não há outro país com volume suficiente para substituir o Brasil. As empresas americanas fazem um mix com suco brasileiro, da Flórida, do México, da Costa Rica… Sem o Brasil, elas enfrentarão escassez, aumento de custos, linhas de produção ociosas e perda de espaço nas prateleiras. Empresas como Coca-Cola e Pepsi, que dominam cerca de 60% do mercado, seriam diretamente afetadas.

Há alguma ação de empresas americanas nesse sentido?
Sim. A Johanna Foods, por exemplo, entrou com uma ação em uma Corte americana pedindo a suspensão da tarifa com base exatamente nesses argumentos.

Vocês estimam o impacto para o setor brasileiro se essa tarifa for aplicada?
Estamos fazendo essas contas com cautela e ainda não divulgamos os números para não gerar pânico. Mas, para ter uma ideia, a safra brasileira é de 315 milhões de caixas, e cerca de 85 milhões vão para os EUA. Esse volume está em risco.

Essa laranja pode ser redirecionada para outros mercados?
Não. O mercado de suco de laranja é concentrado em 40 países com renda per capita acima de 20 mil dólares por ano. Para ganhar escala nesses mercados, é preciso ter linha de envase, contrato com varejistas, hábito de consumo. Isso leva anos para ser construído. Não dá para redirecionar da noite para o dia toda laranja do Brasil como se faz com outros produtos, como a carne.

Se a tarifa de 50% entrar em vigor, o custo será repassado ao consumidor americano?
Não necessariamente. O engarrafador pode não conseguir repassar para o varejo. E o varejo, por sua vez, não tem compromisso com nenhuma marca: se o produto ficar caro, ele simplesmente deixa de vender. Já vimos isso acontecer antes. O risco é que o consumidor substitua o suco de laranja por achocolatado, suco de maçã, leite, chá… É um produto substituível.

Produzir suco de laranja nos EUA seria uma alternativa?
Não. A Flórida já produz, mas a produção caiu de 150 milhões para 11 milhões de caixas nos últimos 15 anos por causa de uma doença chamada Greening. Não há como retomar essa produção rapidamente. Inclusive, a taxa sobre o suco brasileiro não ajuda em nada o produtor americano. É uma medida que não faz sentido nem para eles.

O governo do estado de São Paulo anunciou uma linha de crédito para o setor. Isso ajuda?
É um gesto importante, mas pouco efetivo. O limite é de R$ 20 milhões por empresa, e isso não resolve o problema. Nem faz cócegas. Não adianta pegar financiamento para comprar fruta sem saber se haverá mercado. É preciso primeiro entender quanto tempo essa tarifa vai durar e quais serão as regras.

Se o pior cenário se concretizar, com tarifa mantida ou ampliada, o que acontece com o setor?
A produção brasileira não comporta o volume atual sem os Estados Unidos. Cada empresa terá que criar sua própria estratégia: formar estoque, vender para a Europa, reduzir produção. Mas será uma estrada dolorida. Se você processa demais e não vende, o preço cai. Se processa de menos e o mercado volta, você não tem produto. É um jogo arriscado.

As negociações com a União Europeia podem ser uma saída?
Seriam muito bem-vindas. O nosso setor é um dos mais beneficiados no acordo Mercosul-União Europeia, com uma redução gradual da tarifa de 12,2% até zero. Mas o ambiente internacional é cada vez mais protecionista. Mesmo países dos Brics mantêm tarifas elevadas contra o Brasil. O mercado internacional não é feito de escoteiros, como eu costumo dizer.

Quais os erros e acertos do governo brasileiro nesse episódio com os EUA?
Prefiro não comentar sobre política. Mas, em termos gerais, defendemos que o governo siga a via diplomática e evite retaliações. Retaliar significa punir também os importadores brasileiros e pode escalar o conflito. O ex-presidente Trump já deixou claro que responderia na mesma moeda a qualquer medida tarifária. Por isso, é melhor manter o foco na negociação.

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