Dois anos e quatro meses após sua estreia no mercado brasileiro, a Great Wall Motors (GWM) vem consolidando sua posição com números crescentes, novos investimentos e uma estratégia de longo prazo que aposta na produção local, na eletrificação e na expansão da marca para diferentes perfis de consumidores. Segundo Ricardo Bastos, diretor de relações institucionais da empresa, a montadora chinesa caminha para fechar 2025 com 130 concessionárias no País (30% a mais que no início do ano) e uma produção local robusta na fábrica de Iracemápolis (SP), que será inaugurada oficialmente em agosto.
“A gente está chegando a 3,5 mil unidades vendidas neste mês de julho. O mais importante não é só o número em si, mas a constância. É um crescimento sólido, mês a mês, sempre superando o ano anterior”, afirmou Bastos, em entrevista ao BRAZIL ECONOMY. No primeiro ano, mesmo com operação parcial, a GWM atingiu 1 mil unidades mensais. Em 2024, já superou a marca de 3 mil. “Não foi algo pontual. É um trabalho constante”, reforçou o executivo.
O grande passo da GWM neste segundo semestre será a entrada em operação da planta de Iracemápolis, adquirida da Mercedes-Benz em 2021. A unidade, que funcionará inicialmente com um turno e capacidade para produzir até 50 mil veículos por ano, começará fabricando o SUV Haval H6, hoje carro-chefe da marca no Brasil, com volume anual de vendas em torno de 30 mil unidades.
Além do H6, dois outros modelos serão montados localmente: a picape Poer e o SUV Haval H9, este com sete lugares e estrutura de chassi mais robusta, voltada para o mercado do agronegócio. “A pegada desses veículos é mais para o interior, para o agro, com uma proposta diferente do Haval H6, que tem um apelo mais urbano”, disse Bastos.
Um terceiro lançamento previsto para o último trimestre de 2025 é o Wey 07, SUV de alto luxo com motor híbrido plug-in. Com esse modelo, a GWM pretende disputar mercado diretamente com as marcas premium alemãs, como Mercedes-Benz, Audi e BMW. “Será o nosso carro mais caro, com preço acima dos R$ 350 mil”, antecipou Bastos.
Desde sua chegada, a GWM teve como alvo o consumidor interessado em tecnologia, especialmente veículos eletrificados. “No início, atraímos aquele cliente mais curioso, ligado em inovação, que apostou nos híbridos plug-in. Hoje, temos um consumidor mais racional, que faz contas e vê o quanto economiza usando eletricidade no dia a dia e combustível na estrada”, explicou.
A percepção de qualidade dos veículos chineses também mudou, segundo Bastos. “As pessoas perceberam que o carro não quebra, que a bateria está ótima mesmo após dois anos de uso, e o valor de revenda é bom. Isso aumentou a confiança”, afirmou. A marca também registra muitos casos de consumidores que migraram de SUVs a diesel para modelos híbridos plug-in da GWM, especialmente o Haval H6.
Expansão para o interior e o agro
A GWM identificou uma nova frente de expansão no Brasil: os mercados do interior, especialmente nas regiões Centro-Oeste e Nordeste, onde a demanda por veículos mais robustos (picapes e SUVs de chassi) é tradicionalmente alta. “Sou goiano. Conheço bem esse mercado. Com os lançamentos da Poer e do H9, vamos competir com força nesse segmento, oferecendo robustez com tecnologia.”
Os modelos lançados inicialmente para o interior serão movidos exclusivamente a diesel, já que a infraestrutura de recarga para carros eletrificados ainda é limitada nessas regiões. Porém, a empresa já projeta versões híbridas a gasolina para o futuro.
Investimentos: R$ 4 bilhões até 2026 e mais R$ 6 bilhões até 2032
Até 2026, a GWM terá investido R$ 4 bilhões no Brasil, cifra que contempla a aquisição da fábrica de Iracemápolis, a instalação de novos equipamentos, a contratação de pessoal e a criação de um centro de pesquisa e desenvolvimento (P&D), que será detalhado na inauguração da fábrica. “Mais de 70% da planta já está pronta. Os 30% restantes devem ser concluídos no próximo ano, quando passaremos a operar em dois turnos”, detalhou Bastos.
Mas os planos da empresa vão além. A GWM já projeta um segundo ciclo de investimentos que pode somar mais R$ 6 bilhões até 2032, elevando para R$ 10 bilhões o total aplicado no País. “Ainda não anunciamos oficialmente, mas já estamos nos preparando para esse próximo ciclo.”
Apesar do crescimento consistente, a GWM também enfrenta desafios no mercado brasileiro. O principal, segundo Bastos, é a taxa de juros elevada. “A taxa de 15% ao ano impacta diretamente o varejo. Nosso foco é o consumidor final, não vendemos grandes volumes para locadoras. Por isso, o financiamento é essencial para os nossos clientes”, afirmou.
Já o câmbio, embora represente um risco para importações, está parcialmente mitigado por mecanismos de proteção da própria empresa e pela futura produção nacional. “Mesmo com kits importados, o impacto é menor do que trazer o carro inteiro. Isso já nos dá uma proteção importante”, disse.
Outro fator positivo, segundo ele, foi a manutenção do cronograma de redução dos incentivos fiscais para importados, conforme definido pelo governo em 2023. A previsibilidade foi fundamental para manter a operação estável, segundo ele.
O aumento da presença de marcas chinesas como BYD e Chery no Brasil não é visto como ameaça pela GWM. Ao contrário. Para Bastos, a concorrência ajuda a consolidar a imagem positiva dos veículos chineses no País. “Cada marca tem sua estratégia. A nossa foi mais cautelosa. Ficamos dois anos com apenas dois modelos, investimos em pós-venda e na construção de marca. Queremos que o cliente compre o primeiro carro e volte para comprar outro”, afirmou.
Hoje, o foco da GWM é roubar espaço dos veículos a combustão, especialmente SUVs a diesel. “Essa é nossa maior competição. O cliente que já tem um SUV a combustão começa a ver as vantagens da eletrificação. Ganha conforto, economia e desempenho”, acrescentou o executivo.
Impactos da guerra comercial
A guerra comercial entre Estados Unidos e China, com tarifas impostas também ao Brasil, é acompanhada com atenção pela montadora. Embora o impacto direto seja limitado, já que o Brasil praticamente não exporta carros para os EUA, o efeito indireto preocupa. “O protecionismo pode afetar o agro, que é nosso grande cliente. Menos exportações significam menos renda e menos vendas de veículos”, ponderou. Ele também alerta para os impactos na cadeia automotiva, especialmente em relação ao aço. Se o mercado americano se fecha, as siderúrgicas perdem escala. Isso encarece os insumos. “Não é que vai sobrar aço para o Brasil. Vai faltar escala e o preço sobe”, afirmou.
Embora as exportações ainda não façam parte do plano imediato, a GWM já estuda a possibilidade de transformar o Brasil em polo exportador para América Latina. Por enquanto, o foco é o mercado interno, mas a médio prazo (daqui a uns dois anos) a empresa afirma que vai olhar para exportação.
A marca também acompanha os desdobramentos do mercado americano. A GWM já possui operação no México, o que pode facilitar um eventual avanço para os Estados Unidos. “É um mercado importante para qualquer montadora. Mas, por enquanto, a prioridade é crescer na América Latina, com cautela.”