“É lamentável que maus brasileiros estejam atuando contra os interesses nacionais”

Em entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY, o vice-presidente da República Geraldo Alckmin rebate críticas de governadores da oposição, que atribuem ao governo Lula o desgaste nas relações com os Estados Unidos, e vê com otimismo o avanço de acordos bilaterais com a União Europeia e países asiáticos

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Imagens: Claudio Gatti/Brazil Economy

Geraldo Alckmin afirma que o governo tentará negociar pelas vias diplomáticas, mas que a soberania não estará à mesa

Geraldo Alckmin afirma que o governo tentará negociar pelas vias diplomáticas, mas que a soberania não estará à mesa

Em meio a um cenário geopolítico delicado, o vice-presidente Geraldo Alckmin falou com exclusividade ao BRAZIL ECONOMY sobre a crise comercial desencadeada pela decisão dos Estados Unidos de aplicar uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros a partir de 1º de agosto. A medida, considerada pelo governo brasileiro como “equivocada e prejudicial”, foi anunciada em meio a tensões políticas e levantou suspeitas de interferência externa no processo judicial envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro. Na entrevista, Alckmin rechaça qualquer relação entre o Judiciário brasileiro e a nova política tarifária americana, reforça o compromisso do Brasil com o multilateralismo e o livre comércio, e defende o diálogo como caminho para evitar uma escalada no conflito. O vice-presidente também fala sobre o impacto das tarifas em setores estratégicos como aeronáutica, siderurgia e agroindústria, detalha a estratégia diplomática do governo federal e comenta o papel da Lei de Reciprocidade Econômica em eventuais retaliações. Alckmin responde ainda a críticas de governadores da oposição, que atribuem ao governo Lula o desgaste nas relações com os Estados Unidos, e vê com otimismo o avanço de acordos bilaterais com a União Europeia e países asiáticos. A seguir, os principais trechos da conversa.

O Brasil vive uma situação inédita no cenário político e econômico do Brasil. Diante desse tarifaço de 50% imposto pelos Estados Unidos a partir de 1º de agosto, o País enfrenta um desafio sem precedentes para as empresas e para a economia nacional. Gostaria de saber como o governo pretende lidar com essa situação. Qual será a estratégia?
Primeiro, é importante separar bem as coisas. Em relação à carta que foi divulgada, temos, por um lado, uma questão do Judiciário, que envolve o ex-presidente da República, e que não tem nenhuma relação com a questão tarifária. Não há nenhuma relação. Esse é um assunto do Poder Judiciário, no qual o Executivo não interfere. Aliás, a Constituição brasileira estabelece claramente a separação dos poderes. Essa separação é a base do Estado Democrático de Direito. Portanto, não há conexão entre as ações do Judiciário e as medidas tarifárias. No que diz respeito à questão tarifária, entendemos que a medida dos Estados Unidos é equivocada. De fato, os Estados Unidos têm um grande déficit na balança comercial global. No ano passado, o déficit no setor de bens foi de US$ 1,2 trilhão. Mas com o Brasil, há um superávit comercial. Ou seja, o Brasil não é o problema. Isso já acontece há cerca de 16 anos. Dos 10 produtos que os EUA mais exportam para o Brasil, em 8 deles a alíquota é zero — trata-se do chamado ex-tarifário. Portanto, o Brasil não representa um problema, e sim uma solução. Há, inclusive, muitas oportunidades de complementaridade econômica entre os dois países.

Se o Congresso brasileiro vier a aplicar a Lei da Reciprocidade Econômica — conforme tem sinalizado o presidente Lula — e os Estados Unidos mantiverem a tarifa de 50%, é provável que haja uma retaliação ainda maior por parte dos norte-americanos. O governo e as empresas brasileiras estão preparados para uma eventual inviabilidade comercial com os EUA?
Nossa disposição é rever essa questão tarifária, que nos parece totalmente equivocada e prejudicial tanto ao Brasil quanto aos Estados Unidos, pois resultará em encarecimento de produtos nos EUA. Essa medida afeta setores industriais como o aeronáutico e o siderúrgico, além do agronegócio: pescados, café, celulose, suco de laranja, entre outros. A posição do governo brasileiro é de diálogo. Queremos rever essa decisão, que consideramos prejudicial para ambos os países. O Brasil defende o multilateralismo e o livre comércio.

Essa decisão do governo americano tem, claramente, motivação política. É uma tentativa do ex-presidente Donald Trump de favorecer Jair Bolsonaro no processo que tramita no STF. Há uma interferência externa na soberania brasileira? Como o governo vai lidar com isso?
Primeiramente, é lamentável que maus brasileiros estejam atuando no exterior contra os interesses nacionais, prejudicando empresas, empregos e a economia do País. Já vimos, no passado, um atentado à democracia, uma tentativa de golpe. Agora, vemos um atentado à economia. Isso é inaceitável. Como já coloquei, há separação entre os poderes, o Executivo não manda no Judiciário. O que vamos tratar é da questão econômica, apresentando argumentos claros do Brasil. Também vamos envolver o setor empresarial, tanto brasileiro quanto americano. Temos mais de 4 mil empresas americanas atuando no Brasil.

Estados como São Paulo e Santa Catarina seriam os mais prejudicados, já que 34% das exportações paulistas vão para os Estados Unidos. Existe a possibilidade de redirecionar essas exportações para outros mercados com apoio do governo?
Sim. Hoje, o maior parceiro comercial do Brasil é a China, para quem mais vendemos. Os Estados Unidos vêm em segundo, mas são compradores relevantes de produtos de maior valor agregado, manufaturados. Por isso, é importante manter e até ampliar essa relação, reverter essa decisão equivocada dos Estados Unidos.

O senhor tem liderado as negociações com os Estados Unidos. Do outro lado da mesa, no entanto, temos Donald Trump, que frequentemente toma decisões mais ideológicas do que racionais. Como negociar com alguém que parece não se basear em fatos?
O presidente Lula tem sido claro em relação à defesa da soberania nacional. Isso é inegociável. Além disso, o Brasil possui uma legislação de reciprocidade. Se um país adota uma medida contra nós, temos mecanismos legais para reagir. Mas nosso caminho sempre foi e continuará sendo o do diálogo. Essa é uma missão de equipe. Teremos ministros envolvidos, além da participação do setor privado.

Esse episódio pode acelerar a celebração de acordos bilaterais com a União Europeia, Índia, Indonésia e outros países asiáticos, com os quais o presidente Lula tem se aproximado via Brics?
Sim. O Mercosul esteve muito isolado por anos, com poucos acordos comerciais. Nos últimos dois anos, celebramos acordos com Singapura e com a União Europeia, com 27 países, cuja implementação esperamos iniciar até o final do ano. Também assinamos, na semana passada, o acordo Mercosul-EFTA (Noruega, Suíça, Islândia e Liechtenstein), sob a presidência pro tempore do presidente Lula. Defendemos o multilateralismo, a celebração de acordos com diversas regiões e o respeito às regras da Organização Mundial do Comércio. O comércio aproxima os povos, gera oportunidades, negócios, empregos e competitividade.

Alguns governadores, como Romeu Zema e Tarcísio de Freitas, atribuem a culpa ao governo federal, dizendo que o distanciamento dos EUA em favor de China, Índia e Brics teria provocado essa crise. O que o senhor diz sobre isso?
Sempre mantivemos um ótimo diálogo com os Estados Unidos Aliás, a relação comercial entre os dois países cresceu neste ano. Tanto as exportações brasileiras quanto as americanas aumentaram. Há muita complementaridade econômica entre nós, e essa relação pode crescer ainda mais. Mas o Brasil também se relaciona com o mundo. Vendemos para a China, celebramos acordos com a União Europeia, com a EFTA, e ampliamos o Mercosul com a entrada da Bolívia. O Brics surgiu como uma união de países emergentes com grande potencial: Brasil, Rússia, Índia e China. Depois veio a África do Sul e, mais recentemente, outros seis países, incluindo Indonésia. Defendemos o livre comércio e a ampliação de parcerias — esse é o caminho. Afinal, o Brasil foi descoberto em uma missão comercial. Pedro Álvares Cabral estava indo para a Índia buscar especiarias quando chegou aqui. O comércio é essencial e deve ser valorizado.

Essas críticas de governadores da direita são muito mais políticas do que econômicas?
Sim. Muitos [da direita] têm a consciência pesada por atuarem contra o interesse nacional no exterior.

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