Após dez anos de espera, o certame para a solução do passivo do GSF (sigla em inglês para Generation Scaling Factor) — índice que mede a diferença entre a energia garantida contratada por usinas hidrelétricas e a energia efetivamente gerada, especialmente em períodos de escassez hídrica — está previsto para acontecer entre os dias 21 e 27 de julho. A informação é de Alexandre Ramos, presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), entidade que opera o setor elétrico brasileiro integrando geradores, distribuidores, comercializadores e consumidores de energia. Atualmente, essa estrutura permite que a energia elétrica chegue a mais de 90 milhões de unidades consumidoras no país. Nesta semana, a CCEE promoveu um evento em São Paulo para discutir novas tendências e apresentar propostas para modernização da formação de preços no mercado de energia, como parte de uma iniciativa do Ministério de Minas e Energia (MME) em parceria com o Banco Mundial. Em conversa exclusiva com o BRAZIL ECONOMY, Ramos falou sobre a expectativa em torno desse certame tão aguardado pelo setor.
A CCEE será responsável pela realização do mecanismo concorrencial para a solução do passivo do GSF. Qual a expectativa de vocês para esse certame?
A expectativa da CCEE é encerrar um dos capítulos mais longos e complexos da história do setor elétrico brasileiro. Para nós, que seremos os responsáveis por operacionalizar esse processo, trata-se de mais uma oportunidade de aplicar nossa reconhecida capacidade técnica e cumprir nossa função institucional de garantir a estabilidade e o bom funcionamento do mercado. A resolução desse passivo é fundamental para restaurar plenamente a previsibilidade e a confiança entre os agentes, fortalecendo um ambiente de comercialização mais equilibrado, competitivo e transparente para o futuro do setor elétrico nacional.
Quando o certame deve ocorrer?
Com a abertura da Consulta Pública MME nº 846, a previsão é de que o certame aconteça entre os dias 21 e 27 de julho.
Houve contribuição da sociedade como um todo?
Sim. A proposta foi colocada em Consulta Pública para receber contribuições da sociedade civil. Ela foi construída com o nosso apoio e está alinhada às expectativas do mercado. É uma solução desenhada com total transparência para resolver um dos maiores desafios do setor. Como responsáveis por operacionalizar o processo competitivo, esta é mais uma oportunidade de aplicar nossa capacidade técnica em favor de uma solução definitiva, destravando negociações. Resolver essa questão é fundamental para continuarmos nossa missão de construir um ambiente de mercado cada vez mais equilibrado e confiável.
Quais os principais passivos de riscos hidrológicos envolvidos?
Os passivos de risco hidrológico surgem, principalmente, das perdas acumuladas pelos geradores hidrelétricos em função do atual mecanismo do GSF. Desde 2012, o setor elétrico vem enfrentando um passivo bilionário provocado por condições hidrológicas adversas, que reduziram os níveis dos reservatórios e obrigaram os geradores a comprar energia mais cara no mercado de curto prazo para cumprir seus contratos.
É possível mensurar as perdas?
Esse cenário gerou uma série de disputas judiciais, afetando o processo de liquidação financeira do mercado. Em seu pico, os montantes represados chegaram a ultrapassar R$ 10 bilhões no Mercado de Curto Prazo (MCP), comprometendo o fluxo financeiro do setor e gerando insegurança entre os agentes e investidores. Graças a um esforço coordenado da CCEE com outras entidades do setor, esse passivo foi reduzido para os atuais R$ 1,2 bilhão.
Como a Câmara atuou para essa redução nos últimos anos?
A atuação da CCEE foi decisiva para destravar esse cenário. Como operadora do mercado e responsável pela liquidação entre os agentes, a Câmara liderou, em 2021, a construção de uma solução de repactuação em conjunto com a Aneel, o MME e o Congresso Nacional, o que possibilitou a liberação da maior parte dos recursos. Esse movimento reduziu o passivo judicializado para cerca de R$ 1,2 bilhão e restabeleceu a dinâmica do MCP. Agora, com respaldo da MP 1.300/2025, a CCEE retoma papel central na resolução definitiva do tema ao operacionalizar um mecanismo competitivo que prevê a conversão do valor remanescente em títulos negociáveis, os quais serão compensados com a extensão de outorgas, conforme diretrizes estabelecidas pelo MME.
Há expectativa de que o certame reduza o valor da energia que chega ao consumidor final?
A CCEE possui total expertise e estrutura para conduzir uma operação dessa magnitude com transparência e eficácia. Ao resolver o passivo do GSF de maneira estruturada e por meio de um mecanismo competitivo, eliminaremos uma fonte relevante de incerteza e de custos potenciais que poderiam ser repassados ao preço da energia. Isso representa mais justiça tarifária e menor pressão sobre os valores pagos pelos consumidores.
Quais outras iniciativas da CCEE o senhor destacaria atualmente, além da organização do certame?
Somos um elo essencial na governança do setor, atuando com o propósito de desenvolver mercados de energia mais eficientes, inovadores e sustentáveis em benefício da sociedade. Atuamos tanto no ambiente regulado, que atende, sobretudo, os consumidores residenciais por meio das distribuidoras locais, quanto no mercado livre, onde indústrias, grandes empreendimentos e pequenas e médias empresas têm liberdade para escolher seus fornecedores. Também protagonizamos a transformação do setor, monitoramos as transações comerciais, aplicamos as regras e a legislação vigente e propomos melhorias para as políticas de modernização. Acompanhamos, em tempo real, a geração e o consumo de energia, oferecendo subsídios e indicadores econômicos valiosos para o planejamento do setor. Mais recentemente, avançamos em iniciativas voltadas para o segmento de energia limpa, como a Plataforma Brasileira para a Certificação de Energia Renovável, com o objetivo de fomentar o mercado de RECs no país. Além disso, investimos na formação de profissionais com a CCEE Academy, nosso novo hub de capacitação e referência em conhecimento para o setor elétrico.