“Déficit de chuvas tem criado um passivo bilionário para o setor elétrico brasileiro”

O setor enfrenta um passivo bilionário provocado por condições hidrológicas, que reduzem os níveis dos reservatórios e obrigam geradores a comprar energia cara

Guilherme Camara
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Imagens: Divulgação

Alexandre Ramos, presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE)

Alexandre Ramos, presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE)

Após dez anos de espera, o certame para a solução do passivo do GSF (sigla em inglês para Generation Scaling Factor) — índice que mede a diferença entre a energia garantida contratada por usinas hidrelétricas e a energia efetivamente gerada, especialmente em períodos de escassez hídrica — está previsto para acontecer entre os dias 21 e 27 de julho. A informação é de Alexandre Ramos, presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), entidade que opera o setor elétrico brasileiro integrando geradores, distribuidores, comercializadores e consumidores de energia. Atualmente, essa estrutura permite que a energia elétrica chegue a mais de 90 milhões de unidades consumidoras no país. Nesta semana, a CCEE promoveu um evento em São Paulo para discutir novas tendências e apresentar propostas para modernização da formação de preços no mercado de energia, como parte de uma iniciativa do Ministério de Minas e Energia (MME) em parceria com o Banco Mundial. Em conversa exclusiva com o BRAZIL ECONOMY, Ramos falou sobre a expectativa em torno desse certame tão aguardado pelo setor.

A CCEE será responsável pela realização do mecanismo concorrencial para a solução do passivo do GSF. Qual a expectativa de vocês para esse certame?
A expectativa da CCEE é encerrar um dos capítulos mais longos e complexos da história do setor elétrico brasileiro. Para nós, que seremos os responsáveis por operacionalizar esse processo, trata-se de mais uma oportunidade de aplicar nossa reconhecida capacidade técnica e cumprir nossa função institucional de garantir a estabilidade e o bom funcionamento do mercado. A resolução desse passivo é fundamental para restaurar plenamente a previsibilidade e a confiança entre os agentes, fortalecendo um ambiente de comercialização mais equilibrado, competitivo e transparente para o futuro do setor elétrico nacional.

Quando o certame deve ocorrer?
Com a abertura da Consulta Pública MME nº 846, a previsão é de que o certame aconteça entre os dias 21 e 27 de julho.

Houve contribuição da sociedade como um todo?
Sim. A proposta foi colocada em Consulta Pública para receber contribuições da sociedade civil. Ela foi construída com o nosso apoio e está alinhada às expectativas do mercado. É uma solução desenhada com total transparência para resolver um dos maiores desafios do setor. Como responsáveis por operacionalizar o processo competitivo, esta é mais uma oportunidade de aplicar nossa capacidade técnica em favor de uma solução definitiva, destravando negociações. Resolver essa questão é fundamental para continuarmos nossa missão de construir um ambiente de mercado cada vez mais equilibrado e confiável.

Quais os principais passivos de riscos hidrológicos envolvidos?
Os passivos de risco hidrológico surgem, principalmente, das perdas acumuladas pelos geradores hidrelétricos em função do atual mecanismo do GSF. Desde 2012, o setor elétrico vem enfrentando um passivo bilionário provocado por condições hidrológicas adversas, que reduziram os níveis dos reservatórios e obrigaram os geradores a comprar energia mais cara no mercado de curto prazo para cumprir seus contratos.

É possível mensurar as perdas?
Esse cenário gerou uma série de disputas judiciais, afetando o processo de liquidação financeira do mercado. Em seu pico, os montantes represados chegaram a ultrapassar R$ 10 bilhões no Mercado de Curto Prazo (MCP), comprometendo o fluxo financeiro do setor e gerando insegurança entre os agentes e investidores. Graças a um esforço coordenado da CCEE com outras entidades do setor, esse passivo foi reduzido para os atuais R$ 1,2 bilhão.

Como a Câmara atuou para essa redução nos últimos anos?
A atuação da CCEE foi decisiva para destravar esse cenário. Como operadora do mercado e responsável pela liquidação entre os agentes, a Câmara liderou, em 2021, a construção de uma solução de repactuação em conjunto com a Aneel, o MME e o Congresso Nacional, o que possibilitou a liberação da maior parte dos recursos. Esse movimento reduziu o passivo judicializado para cerca de R$ 1,2 bilhão e restabeleceu a dinâmica do MCP. Agora, com respaldo da MP 1.300/2025, a CCEE retoma papel central na resolução definitiva do tema ao operacionalizar um mecanismo competitivo que prevê a conversão do valor remanescente em títulos negociáveis, os quais serão compensados com a extensão de outorgas, conforme diretrizes estabelecidas pelo MME.

Há expectativa de que o certame reduza o valor da energia que chega ao consumidor final?
A CCEE possui total expertise e estrutura para conduzir uma operação dessa magnitude com transparência e eficácia. Ao resolver o passivo do GSF de maneira estruturada e por meio de um mecanismo competitivo, eliminaremos uma fonte relevante de incerteza e de custos potenciais que poderiam ser repassados ao preço da energia. Isso representa mais justiça tarifária e menor pressão sobre os valores pagos pelos consumidores.

Quais outras iniciativas da CCEE o senhor destacaria atualmente, além da organização do certame?
Somos um elo essencial na governança do setor, atuando com o propósito de desenvolver mercados de energia mais eficientes, inovadores e sustentáveis em benefício da sociedade. Atuamos tanto no ambiente regulado, que atende, sobretudo, os consumidores residenciais por meio das distribuidoras locais, quanto no mercado livre, onde indústrias, grandes empreendimentos e pequenas e médias empresas têm liberdade para escolher seus fornecedores. Também protagonizamos a transformação do setor, monitoramos as transações comerciais, aplicamos as regras e a legislação vigente e propomos melhorias para as políticas de modernização. Acompanhamos, em tempo real, a geração e o consumo de energia, oferecendo subsídios e indicadores econômicos valiosos para o planejamento do setor. Mais recentemente, avançamos em iniciativas voltadas para o segmento de energia limpa, como a Plataforma Brasileira para a Certificação de Energia Renovável, com o objetivo de fomentar o mercado de RECs no país. Além disso, investimos na formação de profissionais com a CCEE Academy, nosso novo hub de capacitação e referência em conhecimento para o setor elétrico.

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