O cooperativismo está presente no Brasil há mais de 130 anos, contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico em diferentes períodos e contextos. Ao longo do tempo, esse modelo ampliou o acesso a bens e serviços, fortaleceu economias locais e incentivou a inclusão social.
Embora centenário, o cooperativismo segue absolutamente atual. Seus princípios, como gestão democrática, intercooperação e interesse pela comunidade, estão alinhados aos valores dos consumidores, que buscam se relacionar cada vez mais com organizações que tenham propósito claro, atuação ética e compromisso com o desenvolvimento coletivo.
A pesquisa global “Voz do Consumidor” (2024), realizada pela PwC com mais de 20 mil consumidores em 31 países (incluindo o Brasil), revelou que a confiança nas marcas está fortemente associada à responsabilidade ambiental, social e à transparência. Nesse cenário, o cooperativismo se destaca por já incorporar, em sua essência, práticas que muitas empresas ainda estão tentando adotar para se tornarem mais relevantes e conectadas às demandas contemporâneas.
Ao olharmos para o presente, vemos que o cooperativismo continua em expansão, fortalecendo sua presença em diferentes setores da economia e demonstrando grande capacidade de adaptação. Um exemplo desse avanço pode ser observado no cooperativismo de crédito. De acordo com o mais recente “Panorama do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo”, elaborado pelo Banco Central, o cooperativismo de crédito no Brasil manteve um ritmo de crescimento expressivo, consolidando-se como um dos segmentos mais dinâmicos do Sistema Financeiro Nacional (SFN).
O número de associados às cooperativas de crédito cresceu 11,2% em 2023 conforme o relatório, totalizando 17,3 milhões de cooperados. No Sicredi, chegamos a mais de 9 milhões de associados neste ano de 2025, reforçando nossa relevância no fortalecimento do setor.
Mas e quanto ao futuro do cooperativismo? Um estudo autoral conduzido pelo Sicredi em parceria com a consultoria de tendências e estratégia Futures Unit (Box1824) mapeou cenários futuros para o segmento, conceito que recebeu o nome de Neocooperativismo. O estudo identifica três grandes catalisadores do futuro – grandes forças sociais, econômicas e culturais que impulsionam transformações profundas na sociedade e nos modelos de negócio.
O primeiro é o espírito coletivo: cresce o valor das conexões locais e das soluções baseadas em comunidade, e, nesse contexto, as pessoas buscam pertencimento, apoio mútuo e redes de colaboração. Já o segundo catalisador é a emergência ambiental. A pauta ESG (Ambiental, Social e Governança, na sigla, em inglês) deixou de ser um diferencial e se tornou uma exigência para os consumidores. Nesse cenário, o cooperativismo já nasce alinhado aos valores de responsabilidade ambiental, justiça econômica e inclusão social. Por fim, o terceiro fator é o impacto das finanças no bem-estar emocional. Com o dinheiro sendo apontado como principal fonte de estresse da população brasileira, as cooperativas podem assumir um papel de protagonismo na promoção da saúde financeira como parte do bem-estar integral.
A partir desses três catalisadores, o estudo projeta tendências que devem marcar o futuro do setor. Entre elas estão a economia regenerativa, que propõe ir além da sustentabilidade, promovendo a recuperação do meio ambiente e a justiça social; o neocoletivismo, que impulsiona a inclusão de grupos minorizados por meio da educação, empregabilidade e investimentos com propósito; e o conceito de fincare, que integra saúde financeira e bem-estar emocional como parte do cuidado integral das pessoas.
O estudo também aponta o papel das cooperativas nas cidades inteligentes, como agentes de transformação urbana com foco em mobilidade, internet das coisas e inteligência artificial. Outras tendências incluem o avanço de soluções sem fricção, com superapps e experiências digitais integradas; o reforço à inclusão financeira, por meio de moedas sociais, microcrédito e educação financeira; o apoio à agricultura familiar com uso de tecnologia; e o desenvolvimento do cooperativismo de plataforma, baseado no uso de dados como moedas digitais, inteligência artificial generativa e plataformas descentralizadas.
O cooperativismo já incorpora muitas das tendências apontadas para o futuro. Ele oferece crédito de forma responsável e alinhado às demandas de desenvolvimento local, promove educação financeira contínua, inclusão e desenvolvimento das regiões onde atua. Se diferencia por ser um modelo econômico e social baseado na cooperação, na autogestão e na valorização das pessoas. Seu principal diferencial está na união de indivíduos com interesses comuns que se organizam de forma democrática, com igualdade de voto e participação ativa nas decisões.
Além disso, atua com foco no desenvolvimento sustentável, no compromisso com a comunidade e na educação contínua dos associados. Presentes em diversos setores — como agricultura, saúde, transporte, habitação, consumo, trabalho e crédito —, as cooperativas formam um ecossistema colaborativo que gera impacto econômico, social e ambiental positivo, contribuindo para uma sociedade mais justa, solidária e resiliente.
O maior desafio desse modelo não é estrutural, mas narrativo. No caso do cooperativismo de crédito, o seu principal concorrente é a falta de informação sobre o seu real impacto. Por isso, é hora de contar novas histórias, ampliar o alcance e mostrar que, ao fazer parte de uma cooperativa, as pessoas se conectam a algo maior e transformador.
O futuro será de quem souber cultivar vínculos, dividir responsabilidades e inovar com propósito. E é exatamente isso que o cooperativismo propõe há mais de um século — e está pronto para ampliar. Neste mês em que celebramos o Dia Internacional do Cooperativismo, em 5 de julho, é especialmente relevante reforçar o papel transformador desse modelo.
A data convida à reflexão sobre como os princípios cooperativistas seguem mais atuais do que nunca. O mundo precisa de modelos que coloquem as pessoas no centro, que promovam pertencimento, impacto positivo e colaboração real. O cooperativismo, com seus princípios centenários, mostra-se não apenas atual, mas essencial para construir um futuro mais justo, sustentável e conectado. Nesse contexto, a cooperativa do futuro precisa ser cada vez mais sustentável, humana e digital.
*Fernando Dall’Agnese é presidente do Conselho de Administração da SicrediPar