Conflito tarifário entre EUA e Brasil expõe riscos de imprevisibilidade comercial

Vice-presidente da Americas Society e voz influente sobre a América Latina, Brian Winter diz que decisão tarifária dos EUA tem motivações pessoais e políticas. Para ele, Trump vê em Bolsonaro um espelho. E isso muda tudo

Paulo Pandjiarjian
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Imagens: Divulgação

Brian Winter avalia que as ações punitivas como a adotada por Trump tendem a ser contraproducentes no longo prazo

Brian Winter avalia que as ações punitivas como a adotada por Trump tendem a ser contraproducentes no longo prazo

A decisão do ex-presidente Donald Trump de impor uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros importados pelos Estados Unidos provocou forte reação no Brasil e gerou apreensão entre empresários e formuladores de políticas públicas. A medida afeta setores estratégicos como sucos, café, aço e aviação, e aprofunda as tensões na já complexa relação entre Brasília e Washington.

Em entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY, o vice-presidente da Americas Society e editor colaborador da revista Americas Quarterly, Brian Winter, afirmou que a imposição tarifária tem forte componente pessoal. Segundo ele, Trump vê no ex-presidente Jair Bolsonaro um reflexo de sua própria trajetória política e jurídica, e teria agido em retaliação ao processo criminal enfrentado pelo aliado brasileiro. “Foi uma decisão improvisada, tomada por ele sozinho, sem consulta a conselheiros ou à própria família Bolsonaro”, disse Winter.

De acordo com Winter, a atitude de Trump difere de outros episódios de tensão comercial entre os EUA e países latino-americanos. “Dessa vez, o elemento pessoal pesou mais do que o geopolítico”, afirmou. Para o analista, o fato de Trump enxergar Bolsonaro como um espelho de sua situação judicial nos Estados Unidos explica a severidade da resposta, mais dura, inclusive, que a dirigida a países como Nicarágua ou Cuba.

Embora o discurso oficial do ex-presidente americano mencione perseguição política contra Bolsonaro, Winter avalia que essa retórica se destina principalmente ao público interno, sobretudo à base eleitoral mais radical, conhecida como “MAGA” (Make America Great Again). “Hoje, quase ninguém nos EUA está prestando atenção ao embate com o Brasil, exceto os eleitores mais fiéis a Trump e setores empresariais com interesses diretos no comércio bilateral”, afirmou.

Apesar do baixo impacto político interno, a medida pode trazer consequências econômicas para empresas americanas. Indústrias como as de café, suco e aviação dependem da cadeia de suprimentos brasileira. Segundo Winter, porém, o caráter unilateral da decisão torna difícil qualquer tentativa de reversão por vias institucionais. “A única pessoa com alguma chance de convencer Trump a mudar de ideia seria Jair Bolsonaro”, disse.

A imposição da tarifa ocorre em um momento em que o Brasil vem buscando diversificar suas parcerias comerciais, aproximando-se de Europa, Ásia e dos países do Brics. Winter reconhece que o movimento pode ter sido interpretado por Washington como um afastamento estratégico, mas nega que tenha sido o motivo principal para a medida. “A cúpula do Brics pode ter sido o gatilho imediato, mas não a causa real”, afirmou.

Segundo ele, ações punitivas como a adotada por Trump tendem a ser contraproducentes no longo prazo. “Aliados históricos dos EUA estão procurando diversificar suas relações exatamente para evitar vulnerabilidades como essa”, disse.

Para Winter, o impacto político da crise tarifária tende a ser limitado para Trump, mas pode ser mais expressivo para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “As importações brasileiras representam apenas cerca de 1% do total americano. Pode haver impacto em preços de produtos específicos, mas não o suficiente para gerar desgaste político interno”, avaliou. Já no caso do Brasil, os efeitos econômicos podem afetar consumidores e empresas, sobretudo se o conflito se prolongar até as eleições de 2026.

“É um conflito assimétrico em que os Estados Unidos têm vantagem no curto prazo. No longo prazo, disputas desse tipo corroem relações estratégicas”, alertou.

Apesar do cenário adverso, Winter defende que ainda há espaço para negociação. Ele cita os casos de México e China, que conseguiram superar atritos com a administração Trump mesmo em contextos ainda mais graves. “O Brasil precisa identificar o que tem a oferecer aos EUA e mobilizar lideranças empresariais e políticas para evitar que a crise saia do controle”, afirmou.

Para o analista, a superação do impasse depende de uma postura pragmática. “É preciso calma, disposição para o diálogo e as pessoas certas à frente da negociação. Mesmo quando parece impossível, o entendimento ainda pode ser construído”, disse Winter.

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