Na edição mais recente do Seminário Vinho & Mercado, integrada ao 12º RIO WINE AND FOOD FESTIVAL, o presidente do IDESF (Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras), Luciano Stremel Barros, apresentou um estudo elaborado em parceria com Eloiza Dal Pozzo e este jornalista. A seguir, estão alguns pontos-chave deste material, que traz informações inéditas e surpreendentes sobre o mercado de vinhos no Brasil.
No cenário atual, o maior “importador” de vinhos do Brasil não é uma empresa oficial. Atuando sem registro ou CNPJ, contrabandistas cruzam fronteiras em veículos de passeio, burlando a Receita Federal e comercializando rótulos — sobretudo argentinos, mas também chilenos e europeus — nas redes sociais, sem recolher impostos.
Entre 2020 e 2024, foram apreendidos mais de R$ 250 milhões em vinhos ilegais. Esse valor, porém, representa apenas uma fração do total contrabandeado. Segundo dados oficiais, de 5% a 10% é o máximo que se consegue interceptar. Isso significa que o mercado ilegal pode ultrapassar R$ 2 bilhões por ano (a preço de varejo), superando as importações legais de países como França, Itália, Argentina e até do Chile, que lidera o mercado de vinhos no Brasil. Como observa Luciano Barros: “Durante a pandemia, o vinho passou a figurar entre os dez produtos mais apreendidos pela Receita Federal.”
Essas cifras colocam o Brasil na desconfortável posição de líder global no consumo de vinhos contrabandeados.
O comércio ilegal de vinhos tornou-se uma frente lucrativa para o crime organizado. Operações policiais detectaram facções com rotas consolidadas na fronteira. “Eles já têm a logística; o vinho é só mais um item rentável em sua lista de mercadorias”, explica Luciano Barros. O juiz federal argentino Miguel Ángel Guerrero aponta a existência da operação denominada “Primeiro Comando da Fronteira”, que traz vinhos da Argentina utilizando batedores, carros roubados, rotas clandestinas e olheiros — a mesma estrutura do tráfico.
Os produtos são transportados a partir de províncias argentinas, atravessam o Rio Iguaçu ou estradas como as de Dionísio Cerqueira (SC) e Barracão (PR), e chegam a depósitos em cidades como Cascavel e Pato Branco, no oeste do Paraná e de Santa Catarina.
Em 2023, foram apreendidos vinhos no valor de R$ 53 milhões — mais do que as importações legais de Estados Unidos, África do Sul e Austrália, somadas. Projeções do IDESF indicam que, se esses R$ 53 milhões representam apenas 5% do total, o contrabando movimentaria cerca de US$ 200 milhões por ano em vinhos, levando o produto ilegal ao topo do ranking nacional de importações.
Atualmente, o vinho é um dos itens mais apreendidos do país, perdendo apenas para eletrônicos e cigarros. Por trás disso, há uma matemática simples: enquanto os vinhos importados legalmente pagam até 70,25% de impostos para entrar no Brasil, o vinho contrabandeado chega livre de taxas e é vendido diretamente ao consumidor via redes sociais e marketplaces de reputação duvidosa.
Apesar de a legislação prever prisão de até 5 anos para contrabando (artigo 334-A do Código Penal), muitos casos são enquadrados como descaminho — punição mais branda, que resulta em prestação de serviços ou outras penas leves. “A impunidade persiste porque frequentemente o crime de contrabando de vinhos é classificado como descaminho”, explica Barros.
O delegado da Polícia Federal Fabiano Bordignon complementa: “É um crime econômico de grande impacto. Mas o regime aberto e a reincidência mostram que a Justiça brasileira ainda trata o contrabando de vinho com brandura.”
Por que o vinho legal é tão caro?
Os altos impostos são decisivos. O sistema tributário brasileiro é um dos mais complexos do mundo. Sobre o vinho importado, incidem não apenas impostos federais, mas também taxas aduaneiras, fretes, seguros, documentos, análises laboratoriais, além de encargos estaduais e municipais. Para os vinhos brasileiros, a carga tributária média é de 67%, podendo chegar a 70% em alguns estados. Isso faz com que o vinho nacional não seja competitivo diante do produto ilegal. É este desequilíbrio que torna a ilegalidade tão lucrativa.
A maioria dos vinhos apreendidos pela Receita Federal é destruída. Uma pequena porção é reaproveitada na produção de álcool gel e líquido. Somente cerca de 2% dos vinhos, segundo dados da 9ª Região Fiscal (PR e SC), é leiloada.