Em meio ao envelhecimento acelerado da população brasileira e ao impacto de taxas de juros elevadas sobre o sistema previdenciário, a educação financeira e a gestão responsável dos planos de aposentadoria se tornaram questões centrais para o futuro do país. À frente da Universidade Corporativa da Previdência Complementar (UniAbrapp), Jarbas Biagi lidera um esforço ambicioso de modernização e conscientização, com foco na formação de profissionais, combate à desinformação e reposicionamento da previdência como instrumento essencial de proteção à longevidade. Nesta entrevista, Biagi analisa os desafios enfrentados pelo setor, responde a críticas e apresenta as iniciativas da UniAbrapp para transformar a cultura previdenciária brasileira – do TikTok às salas de aula, dos fundos fechados ao Congresso Nacional. Confira, a seguir, sua entrevista ao BRAZIL ECONOMY.
Como o sr. define sua missão à frente da UniAbrapp, depois de presidir por mais de uma década a Abrapp, diante do cenário de envelhecimento populacional e juros estratosféricos?
Defino a UniAbrapp como o centro nervoso da transformação previdenciária no Brasil. Herdei uma entidade com foco em advocacy político, mas hoje operamos como uma universidade corporativa para 250 entidades, que administram R$ 1,3 trilhão, o equivalente a 7% do PIB nacional. Nosso desafio é triplo: qualificar profissionais para gerir planos em um ambiente de Selic a 15%, onde a tentação por migração para renda fixa simples é um risco existencial; combater a desinformação crônica sobre previdência, agravada por escândalos midiáticos que ignoram que pagamos R$ 100 bilhões por ano em benefícios a 4 milhões de pessoas; e reposicionar o produto. Temos de mostrar que planos de previdência não competem com Tesouro Direto, mas garantem renda vitalícia em um país onde a expectativa de vida aumentará 10 anos até 2050.
A Selic a 15% é um problema para o setor? Quais mecanismos concretos ela aciona para drenar recursos da previdência privada?
A Selic a 15% é um veneno para o setor de previdência privada porque concorre diretamente. São poucos os fundos de previdência que rentabilizam acima disso. Aí cria-se uma disputa ilusória, já que aplicações no mercado financeiro não deveriam ser vistas como planos de previdência. Não há regras para seguir. Quem investe pode perder tudo ou quase tudo, além de poder resgatar na primeira necessidade. A finalidade é outra.
Então, do ponto de vista de retorno, a previdência privada é pior do que as atuais aplicações…
Sim, mas uma não deveria concorrer com a outra. É uma engenharia reversa de incentivos. Veja os números. Os CDBs de bancos médios oferecem 110% do CDI com liquidez diária. O Tesouro IPCA+ 2035 paga juros reais de 6,5% ao ano sem taxa de carregamento. Enquanto isso, planos de previdência têm custos médios de 1,5% ao ano e exigem prazo mínimo de 10 anos para eficiência fiscal. Resultado, o participante médio reduz aportes em 18% e 22% durante ciclos de juros altos. Pior: 37% dos resgates antecipados são realocados para renda fixa.
Isso é ruim?
É um suicídio financeiro, pois perdem a proteção contra longevidade. Nosso diferencial é o seguro implícito de não falir aos 85 anos. Isso fica invisível quando o gerente do banco mostra gráficos de rentabilidade instantânea.
A reforma da Previdência, a EC 103/2019, tornou planos complementares obrigatórios para quem ganha acima do teto do INSS. Por que isso não se refletiu em adesões em massa?
Não, por três falhas estruturais. Primeiro, fiscalização frágil. Os servidores públicos federais têm até 2027 para aderir a fundos de pensão. Só 41% fizeram isso. Segundo, inércia atuarial. Quem ganha R$ 15 mil por mês acha que R$ 7 mil do INSS bastarão, ignorando que manterá apenas 46% da renda. Terceiro, síndrome do espantalho. Casos isolados de perdas criaram um trauma coletivo, mesmo sabendo que 92% dos planos têm superávits atuariais.
Como a UniAbrapp está lidando com a educação previdenciária na era do TikTok e das fintechs?
Desenvolvemos uma plataforma multiformato com três pilares. Temos cursos gratuitos massivos, temos certificação profissional, como MBA em Gestão de Planos de Benefícios, em parceria com o IBMEC, e gamificação infantil, chamado de jogo ‘Vida de Centenário’ em escolas públicas. As crianças gerenciam recursos para não falir aos 90 anos.
Críticos apontam que a rentabilidade dos fundos fechados é medíocre. Como responder?
A mediocridade é deliberada. Alocamos 85% em títulos públicos não por falta de criatividade, mas porque solvência é sagrada. Quando a varejista Americanas quebrou, fundos de previdência tiveram perdas de 0,02% e fundos multimercados perderam 12%.
Não seria a hora de criar uma espécie de um Fundo Garantidor para o setor?
Essa ideia é ótima. Ajudaria muito. Apresentamos ao Congresso a Proposta de Resolução 15/UNIABRAPP, com 3 eixos: lastro mutualizado: 0,05% do patrimônio líquido de cada entidade, gerando um fundo de R$ 650 milhões; Cobertura escalonada (100% para benefícios até R$ 5 mil por mês e 80% para benefícios entre R$ 5.001 e R$ 15 mil) e governança híbrida, com participação do Banco Central e no conselho gestor. Isso daria segurança equivalente ao FGC hoje. Um aposentado do setor privado tem menos proteção que o dono de uma conta poupança.
Para fechar, se o sr. pudesse fazer um apelo final aos brasileiros, qual seria?
Direi o que digo a meus netos. Daqui a 30 anos, seu salário de R$ 20 mil valerá R$ 6,8 mil pela inflação. O INSS pagará R$ 8 mil, insuficiente até para seu plano de saúde. Só restarão duas opções: trabalhar até morrer ou viver da previdência que você construir hoje. A UniAbrapp está fazendo sua parte. Agora, convoco a imprensa: parem de noticiar apenas os 0,3% de planos com problemas. Mostrem os 99,7% que garantem dignidade a milhões de idosos.