“Na democracia não há cavalo de pau”, afirma Heron do Carmo, da FEA-USP

Especialista afirma que a inflação brasileira tem raízes econômicas e políticas profundas, e que sempre impactou diretamente a população, criando insegurança e corroendo o poder de compra

Paulo Pandjiarjian
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Imagens: Divulgação

“Só com responsabilidade fiscal e um ambiente estável será possível atrair capital, gerar empregos e sustentar o crescimento”

“Só com responsabilidade fiscal e um ambiente estável será possível atrair capital, gerar empregos e sustentar o crescimento”

Mudanças rápidas, soluções de impacto imediato e atalhos para o crescimento são cada vez mais incompatíveis com os limites da democracia. Para o economista Heron do Carmo, professor emérito da FEA-USP e uma das principais referências nacionais em inflação e macroeconomia, a estabilidade econômica exige paciência, planejamento e responsabilidade fiscal.

Em entrevista ao BRAZIL ECONOMY, Heron traça um panorama dos erros e acertos que marcaram a trajetória econômica brasileira nas últimas décadas. Ele destaca o papel das instituições, o valor da democracia como escudo contra rupturas abruptas e os desafios que ainda precisam ser enfrentados para garantir crescimento de forma sustentável.

Por que é importante analisar a economia brasileira sob uma perspectiva de longo prazo?
O Brasil viveu ciclos de crise e recuperação. Se analisarmos apenas os momentos de euforia ou de colapso, corremos o risco de tirar conclusões distorcidas. Uma visão de longo prazo permite enxergar avanços institucionais, mesmo com dificuldades. Os desafios que enfrentamos não se resolvem da noite para o dia. Eles exigem tempo, consistência e compromisso com o equilíbrio fiscal.

A democracia ajuda a evitar rupturas econômicas?
Sim, porque ela promove maior negociação política e transições mais suaves. A alternância de poder dentro de regras claras dá previsibilidade e impede medidas extremas que possam desestabilizar o país. É um sistema mais lento, mas mais seguro. Mesmo nos períodos mais difíceis, a democracia nos ajudou a evitar choques drásticos, como vimos em outros países com histórico autoritário.

Por que a inflação continua sendo um problema estrutural no Brasil?
A inflação brasileira tem raízes econômicas e políticas profundas. Ela sempre impactou diretamente a população, criando insegurança e corroendo o poder de compra. Também influencia a política, porque afeta eleições e decisões de governo. Controlar a inflação exige disciplina fiscal, autonomia do Banco Central e reformas estruturais. É um problema que exige vigilância constante e não aceita soluções improvisadas.

O que aprendemos com os planos Cruzado e Real?
O Plano Cruzado foi um experimento de combate à inflação por meio do congelamento de preços, sem resolver o desequilíbrio fiscal. Já o Plano Real combinou ajuste fiscal, controle monetário e reformas institucionais, o que garantiu sua eficácia. A lição mais importante é que não há soluções mágicas. O sucesso depende de coerência, pragmatismo e apoio político suficiente para sustentar as medidas necessárias. O Real foi um marco de mudança duradoura na nossa história econômica.

Como o senhor avalia o legado econômico do governo Temer?
Foi um governo de transição, mas conseguiu avanços importantes, como a reforma trabalhista e o teto de gastos. Faltou, no entanto, apoio político para reformas mais profundas, como a previdenciária e a tributária. A experiência mostra que, sem base política e legitimidade popular, mudanças estruturais têm pouca chance de avançar. Ainda assim, o período marcou alguma recuperação da credibilidade econômica do país.

E quanto aos erros da política econômica no governo Dilma Rousseff?
O principal erro foi a adoção de uma política fiscal expansionista sem base real, apoiada em “contabilidade criativa”. Isso gerou desconfiança, minou a credibilidade do governo e levou o país a uma forte recessão. As medidas tomadas não atacaram as causas reais dos desequilíbrios econômicos. O resultado foi desemprego elevado, descontrole inflacionário e perda de confiança. O custo social foi muito alto e os danos, profundos.

Como o senhor vê os desafios fiscais mais recentes, como a PEC da Transição?
A PEC da Transição trouxe algum alívio imediato, mas aumentou a incerteza fiscal. A flexibilização de gastos precisa estar acompanhada de um plano claro e viável de ajuste a médio e longo prazo. O país precisa de um novo arcabouço fiscal crível e estável. Sem controle das contas públicas, corremos o risco de uma nova rodada de instabilidade econômica. Responsabilidade fiscal não é uma escolha, é uma condição para o crescimento.

O que o Brasil precisa fazer para crescer de forma sustentável?
O caminho passa por um verdadeiro ajuste fiscal, reforma tributária ampla e um ambiente que favoreça o investimento privado. Precisamos de uma administração pública mais eficiente, investimentos em infraestrutura, educação e inovação. Só com responsabilidade fiscal, previsibilidade e estabilidade institucional será possível atrair capital, gerar empregos e garantir crescimento duradouro. Sem isso, ficaremos presos a ciclos de avanços pontuais seguidos por retrocessos.

 

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