Primeiro, é preciso enfatizar que a Shopee não tem como viés a venda de produtos chineses no Brasil. Ao completar cinco anos no país, no próximo dia 7 de julho, o marketplace de origem singapurense ainda é visto por muita gente dessa forma. E, invariavelmente, os executivos precisam explicar a atuação da companhia no Brasil. Depois da necessária introdução, é possível dizer que a plataforma, criada em 2015, está cada vez mais brasileira. É aqui que está, neste momento, o maior investimento da empresa, que atua no Sudeste Asiático — Malásia, Tailândia, Indonésia, Vietnã e Filipinas —, além de Taiwan, na Ásia Oriental, e na América Latina, onde, além do Brasil, opera no México, Chile e Colômbia.
A representatividade do Brasil nos negócios da Shopee, os resultados, o tamanho do ecossistema, a tropicalização de ferramentas e a aposta feita no mercado nacional desde sua chegada, em 2020, são fatores que apontam para a ‘cidadania brasileira’ da Shopee.
Nesta terça-feira (24), durante a apresentação de números e planos da companhia no Brasil — evento em alusão aos cinco anos da operação, realizado em um dos três escritórios da empresa em São Paulo —, o country manager da Shopee no Brasil, o singapurense Pine Kyaw, iniciou seu discurso de forma tímida, porém bem-humorada.
O executivo não concede entrevistas. Optou por um pronunciamento de abertura: “Depois de cinco anos no Brasil, vou falar com vocês em português”, iniciou, dirigindo-se aos jornalistas. A simpatia foi mais um gesto da brasilidade que a Shopee tem incorporado.
“Hoje, o Brasil é um dos principais mercados da Shopee. Ao longo desses anos, temos contribuído com o desenvolvimento do ecossistema de e-commerce, inclusive o introduzindo para muitos brasileiros, que têm o marketplace como principal fonte de renda”, disse Kyaw.
“Estamos impulsionando negócios e transformando vidas por meio da tecnologia, gerando um impacto positivo na economia local, e vamos continuar investindo para oferecer uma experiência cada vez melhor aos nossos usuários”, afirmou.
Rápidas palavras, mas que revelam muito, mesmo quando evitam certas afirmações. Ao falar sobre a importância do país nos negócios da companhia, o executivo não confirmou que o Brasil é o segundo maior mercado da empresa no mundo — dado apontado por fontes do setor. A Shopee, por sua vez, nem confirma nem nega.
O marketplace pertence à Sea Limited, criada em 2009, que possui outras duas linhas de negócio: entretenimento digital (com a Garena, criadora do jogo Free Fire) e serviços financeiros digitais (por meio da fintech Monee).
Segundo dados da NYSE, o valor de mercado da Sea é de US$ 93,7 bilhões. Em 2024, a empresa faturou US$ 19,6 bilhões globalmente, um aumento de 41% em relação aos US$ 13,9 bilhões do ano anterior. O e-commerce é sua principal vertente, com receita de US$ 12,4 bilhões em 2024, frente a US$ 9 bilhões em 2023.

Após sucessivos prejuízos, a Shopee acumula três trimestres consecutivos com EBITDA ajustado positivo: US$ 34,4 milhões entre junho e agosto de 2024; US$ 152,2 milhões entre outubro e dezembro de 2024; US$ 264,4 milhões entre janeiro e março de 2025
A atuação no Brasil teve participação fundamental nesses resultados. Ainda assim, a empresa não foca no curto prazo. “Nosso pensamento é de longo prazo”, afirmou Felipe Piringer, head de marketing e growth da Shopee Brasil.
Isso significa que os investimentos continuam agressivos — crescer antes de lucrar. Daí a oferta de cupons de entrega grátis para compras acima de R$ 19,00 e, nas “datas duplas” (como o 7/7), frete sem custo para compras acima de R$ 10,00. Já foram aproximadamente 55 campanhas de datas duplas desde 2020, somando R$ 320 milhões em descontos.
Como consegue? Subsidiando o custo aos vendedores da plataforma. Em outras palavras, a empresa investe para atrair e agradar sellers e consumidores. Em uma disputa contra gigantes como a argentina Mercado Livre (líder do segmento) e a americana Amazon, falar a língua do consumidor brasileiro — que adora um desconto — faz diferença.
Principais números
E os números confirmam. Segundo estudo do BTG, o marketplace movimentou R$ 50 bilhões em volume bruto de mercadorias (GMV) no ano passado. Embora a Shopee não divulgue o ticket médio, a evolução dos produtos mais vendidos oferece pistas. Em 2020 e 2021, os campeões de vendas eram ring lights, máscaras descartáveis e mini ventiladores portáteis. Atualmente, são smartphones e fritadeiras elétricas.
A Shopee é o aplicativo de compras mais acessado do Brasil, de acordo com a consultoria Sensor Tower. “Mais de um terço da população brasileira — 70 milhões de pessoas — acessa nosso aplicativo todos os meses”, afirmou Rodrigo Farah, head de marca e social commerce da Shopee Brasil. “Temos também o maior tempo médio de navegação: 11 minutos. E isso é muito importante quando se fala da jornada de compra.”
Entre outros números importantes estão 3 milhões de sellers ativos, 5 milhões de afiliados (que divulgam links de venda), 45 mil motoristas parceiros, 25 mil funcionários diretos, 2.800 agências, 150 hubs logísticos, 13 centros de distribuição (dois fulfillment e 11 de cross-docking). Além de 800 grandes marcas com lojas oficiais, como Havaianas, Hering, Nivea, Fast Shop, Johnson & Johnson, L’Oréal, Nintendo, PlayStation, Faber-Castell, Renault, Duracell e Concha y Toro.
As marcas e os produtos reforçam o posicionamento que a Shopee busca construir — e parte do público ainda resiste em aceitar: não é um app de produtos chineses.
Segundo a empresa, em pesquisa interna, mais de 90% dos sellers declararam que os produtos vendidos são produzidos ou adquiridos no Brasil, o que fortalece o estímulo à indústria nacional.
Avanços
Se o sistema de descontos e frete grátis está consolidado, a Shopee também avança na logística de entregas. Para isso, inaugurou dois novos centros de distribuição entre o final de 2024 e início de 2025. Agora, anuncia sua primeira rota de transporte aéreo, conectando Manaus a São Paulo, com a expectativa de reduzir em 60% o tempo médio de entrega entre o Norte e o Sudeste.
Outra iniciativa é a entrega no mesmo dia ou no dia seguinte em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, serviço antes restrito à Grande São Paulo. No início deste ano, a Shopee lançou o Shopee Vídeo, com 100 mil uploads diários de vídeos comerciais produzidos pelos vendedores.

Essa estratégia complementa o pilar de social commerce, iniciado com as Shopee Lives, que hoje somam mais de 2 mil transmissões ao vivo por dia, com 5 bilhões de visualizações e 30 bilhões de curtidas. “Empresas e marcas que fazem live commerce chegam a aumentar as vendas em até 10 vezes em relação a um dia sem lives”, disse Farah.
Para ampliar a conexão com o varejo brasileiro, a Shopee planeja, para setembro, seu primeiro evento Shopee Trends, com networking, workshops e discussões sobre tendências do e-commerce.
“Será uma grande oportunidade para conectarmos afiliados, vendedores e consumidores, mostrando mais da nossa operação”, afirmou Luciana Hachmann, head de relações governamentais da Shopee Brasil.
Embaixadores
Para reforçar sua identidade junto ao público brasileiro, a Shopee aposta em embaixadores populares que refletem sua personalidade “simples, feliz e musical”, como define Farah.
Nomes como Xuxa, Ludmilla, Ronaldinho Gaúcho, É o Tchan e até o ator americano Terry Crews já estrelaram campanhas.
Mas por que um ator americano? “Nas nossas pesquisas, descobrimos que o filme As Branquelas é o mais exibido na TV brasileira. E a série Todo Mundo Odeia o Chris ainda é um fenômeno de audiência”, disse Farah. “As campanhas com Terry Crews geraram os melhores resultados nas datas duplas.”
Um “quase brasileiro” que veio de fora, caiu nas graças do público e trouxe resultados.
Terry Crews? Não. O marketplace Shopee — que se prepara para avançar ainda mais nos próximos cinco anos, cada vez mais tupiniquim.